Desfavor Convidado: Wicca.
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Wicca
Falar da Wicca é difícil pois atualmente ou ela é vista com desdém ou é temida por quem não entende lhufas do assunto. É comum as pessoas pensarem em wiccas como “bruxinhos bons”, “magia branca” e outras coisas do tipo. Primeiro gostaria de ressaltar que não existe magia branca, nem rosa, nem roxa com bolinhas pretas. Existe a magia e existe o que você faz com ela, qual a sua intenção. É como se fosse uma faca, você pode usa-la pra passar manteiga ou pra matar alguém. É a sua escolha pessoal que define o uso. A crença de que os wiccanos são bruxinhos bons vem do forte código de ética que rege todo e qualquer trabalho mágico/ritual: “Faça o que tu queres, desde que não faça mal a nada e nem a ninguém.” Isso é muito amplo e dá pano pra manga pra inúmeras discussões, o que não vem ao caso agora. Mas de modo geral, todo bruxo wiccano segue essa máxima e acredita na Lei do Retorno, que diz que tudo o que fazemos, de bom e de ruim, retorna a nós triplicado e ainda nessa encarnação.
Mas vamos do começo, os Wiccanos são em geral politeístas, acreditam na Grande Mãe/Deusa e o Deus Cornífero, e nas inúmeras manifestações desses.
Pra explicar a crença na Deusa, precisamos retornar “um pouquinho” no tempo. O primeiro elemento cultuado pelo homem foi a terra. Era ela quem produzia os frutos, dela se alimentavam os animais, de suas entranhas nasciam grutas e fendas, e suas inúmeras manifestações de força, rochas, montanhas, desertos, mares, rios, despertavam admiração e temor no nosso homem pré-histórico. No período paleolítico cultuava-se a fecundidade e a fertilidade, e não foi difícil estabelecer uma analogia entre a terra e a mulher. Todo o simbolismo do qual a terra foi investida não desaparece, se incorpora à Grande Mãe. A terra e suas inúmeras manifestações foram comparadas à mulher, ambas foram vistas como um ventre capaz de gerar a vida. Nessa época, os homens não entendiam a função reprodutora vinculada à sexualidade, pelo desconhecimento total do homem do seu papel na fecundação. Por isso, todos os mistérios femininos, a menstruação, a gravidez, o parto, era vista como um mistério, causando ao mesmo tempo encanto e medo. Esse poder exclusivo da mulher de gerar a vida transformou-se em respeito ao feminino, estendendo seu poder sobre a terra, os animais e os vegetais. A mulher era vista como Senhora da Vida em todas as suas vertentes.
A mulher, como representante da função materna, ligou-se a inúmeras formas que ou lembravam sua anatomia ou a caracterizavam a partir de seus poderes. Vulvas, conchas, ocres vermelhos eram frequentes nos túmulos do Paleolítico. Também eram frequentes estatuetas e pinturas em cavernas, reproduzindo mulheres em posição de parto ou exibindo o ventre grávido, quadris largos e os seios pesados. Os signos da maternidade serão grosseiramente acentuados, são as famosas Vênus Esteatopígias.
Outro símbolo normalmente associado à Deusa era a Lua. Quando, na lua crescente, a mulher iniciava a sua ovulação, chegando ao máximo na lua cheia e, por fim, menstruando, essa sintonia trouxe, então, a associação da lua como uma nova face para a Deusa. Dessa associação também vem suas três diferentes faces, como Donzela, representada pela Lua Crescente, Mãe, representada pela Lua Cheia, e Anciã, com a Lua Minguante.
Durante milênios a mulher reinou soberana, foi a primeira divindade conhecida, a mais antiga, universal. Mas um dia o homem descobriu seu papel na fecundação. Com o advento da charrua, que fere a terra e nela introduz a semente, a agricultura passou de mãos femininas para masculinas e os homens, de alguma forma, vivenciaram a criação da vida. Mas foi a domesticação dos animais que fez os homens observarem que as fêmeas eram incapazes de procriar sozinhas, enquanto que ao lado dos machos o fenômeno sempre ocorria.
A Deusa Mãe reinou sem companheiro por milênios, mas aos poucos começou a ser associada a jovem deus, seu filho e Amante. E é quando o homem deixa de ser nômade e passa a plantar e caçar seus animais, que reconhece de fato seu papel na fecundidade, que o Deus Cornífero aparece no cenário. O Deus Cornífero é um deus fálico relacionado, obviamente, à fertilidade, à natureza selvagem, a tudo que é silvestre e livre. Geralmente é representado como um homem com barba e chifres. E na wicca, esta relacionado aos mistérios da fertilidade, da morte e do renascimento.
O culto ao Deus Cornífero surgiu entre os povos que dependiam da caça, por isso Ele sempre foi considerado o Deus dos animais e da fertilidade, e ornado com chifres, pois os chifres sempre representaram a fertilidade, a vitalidade, força e poder. É o deus pagão dos bosques, o rei do carvalho, o senhor das matas.
Com a crescimento do Cristianismo e com a intenção do Clero em derrubar a Bruxaria, a figura atribuída ao Deus Cornífero acabou por personificar o Diabo e, na atualidade, resgatar o status desse Deus torna-se bastante difícil. O conceito de demônio jamais foi adorado, invocado, cultuado e reverenciado nas práticas pagãs ou como deidade da Bruxaria.
Falei longamente sobre os deuses porque entender a Wicca ou o que move um Wiccano é basicamente entender seus dois principais deuses. Cada um deles possui 3 faces, inúmeros nomes e manifestações. Em cada sociedade eles se apresentam de uma forma.
O culto à Deusa e ao Deus Cornífero simboliza a crença de que tudo que existe no universo está dividido em dois opostos: feminino e masculino, negativo e positivo, luz e trevas, vida e morte e isso significa o equilíbrio da Natureza.
E falando em equilíbrio da Natureza, um dos principais objetivos de um wiccano é se sincronizar com os ciclos da Natureza ao seu redor. Pra isso eles estudam sobre os elementos, terra, ar, fogo, água e espírito, fazem rituais harmonizados com as fases lunares e com as chegadas e ápices das estações.
Os wiccanos praticam os seus rituais sozinhos (bruxos solitários) ou em pequenos grupos de pessoas chamado de coven. Seus rituais são chamados de esbaths, quando tem ligação com os ciclos lunares, ou sabbaths, quando tem ligação com as estações do ano e o período de plantio/colheita.
O significado de cada sabbath daria um outro texto longuíssimo, então não vou me aprofundar nisso. Caso queiram pesquisar a respeito, procurem por “Roda do Ano”. Essa parte é interessante pois algumas das mais famosas festas cristãs tiveram na verdade sua origem no paganismo. Como exemplo, o Natal teve sua origem no Yule, ou a comemoração do solstício de inverno (e em diversas mitologias uma criança sagrada nasce nessa época), a Páscoa cristã, com seus ovos, tem origem no ritual pagão de Ostara, onde se cultua a fertilidade, sendo o coelho e os ovos os símbolos mais óbvios de associação à fertilidade. O dia de finados é exatamente na mesma época do Samhain, o festival que reverencia os mortos e principal ritual dos Wiccanos. Isso tudo pode ser facilmente explicado pela assimilação dos costumes pagãos com o advento do cristianismo.
O principal símbolo wicca é o pentagrama. Há diversas explicações para o uso do pentagrama pelos bruxos, algumas delas são a representação dos quatro elementos mais o quinto elemento que é o espírito (Akasha). Ou o homem – corpo humano, com os 4 membros e a cabeça. O homem em contato com o divino, representado pelo circulo.
Há uma quantidade absurda de absurdos escritas com o nome Wicca. Esquisotéricos, bruxos de shopping, pessoas que misturam de um tudo, desde wicca cristã, até invocação de anjos, wiccumba, iniciações em massa feitas em público, revistinhas de banca de jornal ensinando a ser bruxo. Na verdade, há pouco material confiável pra se estudar a respeito, se levarmos em comparação a quantidade de besteiras já escritas. Caso queira conhecer mais a respeito, procure fontes confiáveis, recomendo esses livros e autores:
- Os mistérios Wiccanos – Raven Grimassi
- Oito Sabás para Bruxas – Janet & Stewart Farrar
- Enciclopédia de Bruxaria – Doreen Valiente
- O Deus das Feiticeiras – Margaret Murray
- O Culto das Bruxas na Europa Ocidental – Margaret Murray
- As deusas, as bruxas e a Igreja – séculos de perseguição – Maria Nazareth Alvim de Barros
- A bruxaria hoje – Gerald Gardner
- O significado da bruxaria – Gerald Gardner
(esses dois últimos citados são importantíssimos pois deram origem à wicca moderna, mas se eu for explicar tudo daria mais 4 páginas).
Tem uma mitologia bonita como toda religião politeísta. Mas quanto a acreditar, não, obrigada. Quero continuar agnóstica graças a Zeus.
Adoro ler sobre religiões, mesmo não acreditando acho super interessante.
Conhecimento sempre é bom!
Parece muito com a idéia daquele livro “As brumas de Avalon”.
Sim, Bianca, é exatamente a religião descrita em As brumas de Avalon, os rituais que você viu no filme/leu no livro, são os rituais da Roda do Ano. Beltane incluso hahaha
Texto muito bom.
Ilustra bem como todas as superstições e crenças nascem de invenções humanas, seja pelo seu conhecimento adquirido, seja pela sua livre imaginação.
Só estranhava como os novos conhecimentos demoravam tanto pra derrubar mitos de fases anteriores. Hoje entendo que o conhecimento, por mais acessível que seja, é ignorado pela maioria, o que explica bem o fato.
Marok, vira e mexe eu me pego pensando nisso, sabe…
Se eu não planto meu próprio alimento, e se em dias de festa de colheita eu vou lá no supermercado comprar os grãos para o ritual, ficava me perguntando qual o sentido…
Mas quando você começa a entender/estudar os arquétipos, egrégoras, e principalmente, no poder dos símbolos, isso passa a fazer sentido.
o Joseph Campbell no livro e no documentário O poder do mito, fala sobre a importância desses rituais para nos conectarmos aos arquétipos.
A Mirella Faur também fala bastante sobre isso (e aqui eu já não falo mais da Wicca, mas do Theateismo, uma forma de religiosidade centrada no sagrado feminino e na Deusa)
“A real importância da Deusa é a anulação do poder dos símbolos patriarcais masculinos sobre a psique e a alma feminina”. Ao longo de milênios, criados, fortalecidos e enraizados, os símbolos do Deus Pai tornaram-se argumentos e leis para inferiorizar, dominar, oprimir e até mesmo matar as mulheres.
(…)
A ‘invenção’ do patriarcado foi a negação do ventre materno, do seu dom de dar a vida, e a afirmação de que o Pai é o único criador. Portanto, tudo que ele faz é justo e certo, pois somente ele tem o poder. Repetida, encenada, escrita, falada e ensinada por vinte séculos, essa inverdade fundamental tornou-se a verdade aceita, devido ao temor do pecado e da punição.
(…)
As mulheres – antes separadas e divididas pelos códigos e imposições das religiões patriarcais – passaram a se reunir e se apoiar na busca de uma nova manifestação da sua espiritualidade, que celebrasse a sacralidade da terra e da mulher, reconhecesse e honrasse seus ciclos e transições, incentivasse o reconhecimento da unidade e respeitasse a vida e a coexistência de todos os seres da criação.
(…)
Quando as mulheres estiverem plenamente conscientes do seu verdadeiro poder, elas vão poder usa-lo para se transformar e mudar o mundo ao seu redor. Em vez de direcionar o poder para competir ou dominar (poder sobre alguém), elas vão usa-lo para se tornarem poderosas, sem serem agressivas e competitivas, mas apenas utilizando seu poder interior.” – Círculos Sagrados para Mulheres Contemporâneas – Mirella Faur
”Para que os valores femininos possam ser plenamente vividos são necessárias profundas mudança em todas as áreas (política, social, educativa, familiar, cultural e espiritual). Pelo fato de as mulheres terem sido alimentadas pela imagem masculina do Divino nos ultimos 3000 anos, é imprescindível o reconhecimento, a aceitação, a divulgação e a integração do Sagrado Feminino.
Encontrando sua Deusa Interior as mulheres encontram a si mesmas, reconhecendo e aprendendo como usar seu poder sagrado e sua sabedoria ancestral.” – O legado da Deusa, Mirella Faur
e aqui eu citaria uma amiga, a Dolphin di Luna. (Mas para entender perfeitamente a fala dela, precisarias estudar o significado de cada um desses arquétipos que ela cita)
“Não iremos mudar a história do patriarcado de um dia para o outro, mas também não dá para ficar de braços cruzados em letargia e conformismo. Precisamos plantar sementes, muitas e ajudar Gaia no trabalho de germinação.
Muitas de nós preferem plantar suas sementes por meio de trabalhos espirituais, são sacerdotisas, médiuns, monjas, esotéricas e toda a gama de mulheres que mergulham no reino de Perséfone.
Outras tantas preferem trabalham no campo das ideias. Essas são escritoras, acadêmicas e tantas outras que caminham sob o olhar firme de Atena.
Há aquelas que partem para a ação. Livres dos grilhões patriarcais, não temem por a cara a tapa ao lutar por suas ideologias. São ativistas feministas em sua grande maioria e estão por ai sob as bençãos de Ártemis.
Mesmo os arquétipos de Afrodite, Hera, Deméter demonstram a força pulsante da determinação. Três Deusas que por meio de suas lendas reconhecemos a força de vontade e desejo inabalável. Pois retire todas as inserções maldosas do patriarcado e o que teremos serão histórias de Deusas determinadas e senhoras de si.
Para mim parece que podemos sim fazer algo além de lamentar e chorar por nós e nossas irmãs mundo a fora.
De uma prece passando por um feitiço, chegando as ruas em manifestações pacíficas ou mesmo usando a internet para propagar nossas mensagens, são formas legítimas de fazer essa engrenagem funcionar a nosso favor. Quantas mais de nós despertar para ‘o Retorno da Deusa’, mais barulho iremos fazer. Quanto mais barulho em sincronia fizermos, mais incomodaremos. Como disse acima, a mudança não acontecerá do dia para a noite, mas se faz necessário cada vez mais tomarmos consciência que o mais simples ato possui poder.
E é isso que os arquétipos nos dizem: Se mesmo fragmentadas conseguimos despertar para nosso poder, quiçá o que faremos completas e unidas?
(…)
A reflexão é: O que eu posso fazer para ajudar a desconstruir o terrível legado do patriarcado e guiar minhas irmãs para que elas também mergulhem em si mesmas e reencontrem a Deusa fragmentada dentro delas e se curem, se tornem completas, como eu estou fazendo agora?”
E o que eu posso te falar é que uma quantidade bem grande de psicólogos, analistas junguianos e psiquiatras, estão se voltando aos mitos e aos Deuses antigos para compreender o funcionamento da psique.
Só pra citar os que eu li nos últimos seis meses:
Rooger Woolger (psicólogo e analista junguiano)
Jean Shinoda Bolen (Ph. D, psiquiatra e analista junguiana) – escreveu muitos livros sobre psicologia, mitos e arquétipos. E também sobre a importância dos círculos de mulheres
Clarissa Pinkola Estes (analista junguiana) – trabalha com suas pacientes através da simbologia contida nos mitos e contos de fadas.
Rafael López Pedraza – psicólogo e analista junguiano, também escreveu muitos livros analisando a correlação entre os deuses gregos e o homem
Ginette Paris – psicóloga social que acabou se voltando ao estudo dos mitos e arquétipos
Marion Woodman – analista junguiana – escreveu vários livros ligados ao sagrado feminino.
Barbara Black Koltuv, Ph. D., analista junguiana, escreveu livros ligados ao sagrado feminino e correlação entre os arquétipos.
Aqui no Brasil temos a Monika Von Koss, também psicóloga e condutora de círculos de mulheres, escreveu alguns livros sobre arquétipos e o sagrado feminino
e a Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro, que além dos livros que escreveram a respeito, fazem vários workshops sobre o assunto.
E eu estou falando apenas dos autores que tive contato nos últimos meses!
Todos eles analisaram de modo científico os antigos rituais, os Deuses antigos e qual a importância de suas mitologias para compreensão da nossa psique.
Não há dúvidas de que são histórias muito mais complexas e bem construídas do que a bíblia cristã/islâmica. Até por isso perdeu prestígio, pois para alcançar as massas é necessário que uma ideia seja resumível a um gibi, já que a maioria das pessoas (e isso não é de hoje) só vai ter acesso a essa quantidade de informação a respeito durante toda a vida.
Pode ver que ninguém sem um nível de cultura/leitura bastante razoável cultua qualquer outro tipo de crença que não a dominante na sociedade em que está inserida.
Não há como não gostar do desfavor convidado. Esse texto de agora, como o do Tom Minchin do Pedro Campolina (para ficarmos em um só exemplo), faz despertar o interesse por outras coisas que não teria tempo de procurar ou mesmo descobrir sozinha. Obrigada!
Eu não tenho crença nenhuma, mas é fato que o texto está muito bem escrito e explicativo.
Márcia Frazão seria uma fonte confiável?
Não sei te dizer, nunca li um livro dela…mas em geral são livros de receitas e feitiços, não? não é meu tipo de leitura favorita sobre o assunto.
Pamina, achei bem escrito seu texto.
Vc tem talento!!
Bjinhos
Bacana…foi bem superficial devido ao espaço é claro, mas muito bem escrito.
Conheço essa, entre tantas outras religiões que estudei (hinduísmo, islamismo, maçonaria, rosa-cruz, ocultismo, teosofia, cristianismo…) e interessante é que sempre acabam se esbarrando num ou noutro ponto.
Excelente texto, parabéns!
Dess, eu tenho uma enorme curiosidade sobre a Rosa-Cruz, você poderia me indicar uma fonte confiável para pesquisa?
Mas, Dess.
Não mistures religiões com outras abordagens. Se estudou, saberias.