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Desfavor Bônus: Google Crowd.

| Somir | | 10 comentários em Desfavor Bônus: Google Crowd.

OMNIINTERESSADO

Futuro lançamento do Google promete revolucionar a forma como as pessoas se comunicam na internet.

Google Crowd Logo

Mountain View, Califórnia. Richard não é o que se pode chamar de pessoa comunicativa. Por detrás dos grossos óculos de grau que completam seu visual “geek”, seus olhos evitam o contato direto com os meus. A voz, cujo tom baixo e por vezes vacilante me impede de gravar a conversa de forma satisfatória, repete seguidamente o mesmo discurso obviamente ensaiado antes da entrevista.

Nós estamos muito satisfeitos por estar ajudando milhões de pessoas que não tem voz no mundo a se sentirem importantes e realizadas. O Google Crowd© é o resultado de anos de trabalho apaixonado dos melhores profissionais da empresa, e estamos seguros de que o Google Crowd© será um grande passo para o meio de comunicação mundial que é a internet.

Richard Martin, um nova-iorquino de 32 anos de idade, é idealizador, gerente de projeto e principal contribuidor no desenvolvimento do Google Crowd©. Como tantos outros projetos saídos diretamente da sede da Google no Vale do Silício, este também originou-se da política inovadora de permitir que os funcionários da empresa destinem uma fatia de seu tempo produtivo para projetos pessoais. Desde o Google Earth até redes sociais como o Orkut, muitos serviços altamente lucrativos oferecidos pela gigante da internet já foram meras idéias esperando uma chance de conhecer a realidade nas mentes de seus extremamente bem pagos programadores.

O que diferencia o Google Crowd© de outros projetos “apadrinhados” pela empresa é a forma de produção. Ao invés de lançar versões de teste para coletar a opinião de futuros usuários antes da apresentação final, desta vez o próprio software vai aprender tudo o que precisa para agradar seus usuários.

É um programa em eterno estágio Beta. Assim como as pessoas que vão utilizá-lo. O Nosy (apelido dos funcionários da empresa para o indexador de páginas que é o “motor” do serviço de pesquisa do Google) foi uma experiência incrível com inteligência artificial. Nós brincamos aqui dizendo que o que ele não sabe, ninguém sabe.

Richard não percebe que deveria ter pelo menos sorrido ao final desta frase ensaiada. Com o passar do tempo, ele começa a se sentir um pouco mais à vontade com minha presença e a conversa flui de forma menos artificial. O mesmo não pode ser dito sobre as conversas na web caso o Google Crowd© torne-se realmente popular.

ATENÇÃO

Nesta era da comunicação instantânea, a parcela da população mundial plugada na internet pode dizer o que quiser para quem quiser sem nenhuma dificuldade maior do que um clique do mouse. Se por um lado milhões de pessoas ganharam uma voz poderosa o suficiente para ser ouvida pelos quatro cantos do planeta, o mesmo não pode ser dito sobre a evolução da capacidade de atenção dos ouvintes/leitores/espectadores.

A pulverização da comunicação moderna criou vários feudos virtuais no reino da internet. Pela incapacidade de absorver tanta informação, os internautas tendem a selecionar um grupo de sites e comunidades para passar boa parte de seus cada vez mais escassos períodos livres para navegação. Visitar o Facebook e o Twitter de pessoas próximas, por exemplo, já faz parte da rotina diária de milhões ao redor do mundo. O tempo restante é disputado de forma ferrenha pelos incontáveis sites que formam a rede mundial de computadores.

Richard, no que parece um esforço incomensurável para explicar suas idéias para uma leiga, começa a discursar:

A figura do internauta desbravador, aquele que abria seu navegador de internet sem saber onde terminaria ao final de incontáveis cliques, já parece algo relegado ao passado. A internet não é mais feita de pessoas querendo conhecer novos sites e comunidades, e sim de pessoas exigindo conteúdo atualizado das mesmas fontes.

Com um foco de atenção tão direcionado da maioria do público, milhões de vozes sedentas por atenção não encontram os ouvidos necessários. Por mais que isso possa parecer contraditório, a internet vive uma crise por falta de comunicação. Os blogs, que num passado recente eram uma forma de exposição pessoal ilimitada por natureza, agora sofrem com a redução considerável do foco de atenção de seus cada vez mais raros leitores.

O fenômeno do Twitter demonstra isso com perfeição. O serviço limita o número de caracteres que podem ser adicionados por atualização do usuário. Nivelando por baixo o Twitter achou seu lugar ao sol e ainda por cima demonstrou entender o problema: Não é falta de informação, é falta de público.

Mas por mais que tenha entendido-se o problema, a medida do Twitter é paliativa, na melhor da hipóteses. Trata o sintoma, e não a causa. E é aí que o Google Crowd© entra.

PLATÉIA VIRTUAL

Quanta gente não se sentiria melhor se alguém as ouvisse?

Richard, aparentemente mais confiante, demonstrava na prática o poder da atenção sobre uma pessoa. Segundo ele, o Google Crowd© é o projeto mais complexo da história da programação. Não pela quantidade de bits e bytes adicionados no seu código pelos seus desenvolvedores, mas sim pela própria função que pretende executar.

Cada pessoa que criar um blog, um foto ou videolog, cada pessoa que resolver se expressar na internet… O (Google)Crowd vai encontrá-las e ouvi-las. O Crowd vai conversar com elas. O Crowd vai estar lá…

O sorriso, o primeiro em mais de uma hora de conversa, denota que o entrevistado finalmente começou a falar de algo que julga empolgante. Como boa ouvinte, tento mimetizar as reações de quem se dirige a mim, passando uma impressão ainda maior de aceitação. E pelas palavras de Richard, até mesmo isso estará presente no Crowd.

A idéia é: O Crowd “vive” na internet, visitando e interagindo na maior quantidade possível de sites. O Crowd aprende com o que as pessoas dizem, o Crowd é capaz de relacionar idéias através de um avançado sistema de reconhecimento de texto, voz e imagens. Nunca mais teremos uma postagem ou vídeo sem comentários, nunca mais as idéias de uma pessoa serão ignoradas. O Crowd pode entender se você quer elogios, se você quer respostas, ou mesmo se você só quer que alguém reconheça que você está se expressando.

O QUE É O GOOGLE CROWD©?

Segundo Richard, o funcionamento prático do software é bem simples, bem, simples para ele, pelo menos: Utilizando a “sabedoria” coletada pelo programa que indexa as páginas para a pesquisa do Google funcionar, o Google Crowd© é capaz de reconhecer os sites onde existe a possibilidade real de comunicação. A partir daí, a primeira grande inovação:

Ao invés de agir como um programa de computador, o Crowd faz jus ao nome e interage com os criadores de conteúdo reais como se fosse uma multidão de pessoas interessadas. E o mais impressionante: Ele simula o sucesso natural, já que com base nos acessos e interações anteriores, pode aparecer para o usuário final numa quantidade condizente com o crescimento de interesse real em relação a um blog, microblog, fotolog…

Por exemplo: Se uma pessoa tem em média mil acessos e dez comentários por dia em seu blog, o Crowd entende isso e adiciona mais algumas dezenas de acessos e um ou dois comentários novos toda semana. A idéia é não deixar o sucesso artificial. Claro, o Crowd vai priorizar aqueles sites com poucos acessos e ignorar completamente aqueles que já tem um milhão ao mais de acessos por dia. Nós queremos dar voz para quem não costuma ser ouvido.

Pergunto como o programa poderia saber quem precisa ou não de atenção. A resposta não deixa de me parecer um tanto quanto preocupante:

O Google sabe. Nós nunca usamos as informações dos internautas para expô-los, mas para continuar funcionando, precisamos de análises freqüentes. Quantos sites não usam as nossas ferramentas para auferir seus resultados? Nós temos o site mais visitado do mundo, e o nosso serviço para a sociedade é entender o que as pessoas precisam e resolver seus problemas. O Google sabe o que você pesquisa, o Google sabe com quem você conversa, quais são seus interesses, no que você dedica o seu tempo… O que o Google não sabe é justamente o que ele não pode usar.

Apenas com as informações que Richard alega que o Google já tem, sem ferir a privacidade de ninguém, pode instaurar uma nova era da comunicação, uma jamais imaginada antes. Questiono sobre o “Grande Irmão”. A expressão pacífica de Richard muda:

Nós não queremos controlar as pessoas. Nós queremos ouvi-las. Me incomoda que tanta gente faça essa comparação maldosa. Parece até que essas pessoas tem medo do que aconteceria se todo mundo pudesse se expressar de verdade…

Eu digo que já que o interlocutor não seria uma pessoa de verdade, não me parecia que a expressão dessas pessoas teria algum resultado prático.

O Crowd aprende. E ele vai estar em contato com milhões de outras pessoas, ao mesmo tempo. Se o Crowd ler uma mensagem sua expressando uma opinião, ele vai indexar essa opinião e compará-la com as outras categorizadas para avaliar a popularidade da mesma. O Crowd pode refletir a opinião da maioria ou da minoria de acordo com o local onde interage. Se você tem um blog sobre política, ele vai reconhecer palavras-chave, frases e imagens que vão mostrá-lo no que você acredita. Sabendo disso, ele pode comentar validando sua opinião e até mesmo te indicar idéias e links que são relacionados com seu pensamento.

NA PRÁTICA

Depois de “solto” na internet, o programa não precisa ser instalado em computador algum (além dos poderosos servidores da Google) para funcionar em sua plenitude.

Na realidade, o que o usuário final do programa enxerga é apenas uma pequena parte da complexidade do projeto. Através de avançados códigos que simulam aleatoriedade, o Crowd procura páginas indexadas como geradoras de conteúdo e procura em seu código alguma forma de contato instantâneo. Caso a comunicação possa ocorrer sem cadastros (ou em sites da própria Google), o Crowd gera comentários, votos e links relacionados com o conteúdo percebido ali.

A complexidade é tanta que o programa é capaz de entender o nível cultural de uma pessoa contabilizando os erros gramaticais encontrados, além de comparar opiniões expressadas com um banco de dados que separa a porcentagem da ocorrência dessas opiniões de acordo com nível de estudo, classe social, sexo, raça, etc.

A maior inovação tecnológica é mantida a sete chaves pela equipe: O RCA (Reading Comprehension Algorithm, ou Algoritmo de Compreensão de Leitura, em português). O RCA é capaz de analisar um texto, extrair pontos chave, depreender significados e compará-lo com outros em seu banco de dados. O mais importante é que a cada vez que for utilizado, o RCA adiciona mais referências em sua memória e torna-se mais inteligente.

O Google Crowd© não nasceu para parecer Spam, diz Richard.

Ele sabe com quem está falando. Ele é coerente. O nosso maior objetivo é não rotulá-lo como um “bot” quando estiver interagindo com o público. Um elogio de um estranho pode fazer o dia de uma pessoa. Interesse pode motivar alguém a seguir seus sonhos e se esforçar mais… É um dos programas mais complexos já criados e ao mesmo tempo é o mais humano.

POLÊMICA

Pergunto se o Google Crowd© vai escrever comentários encorajadores e aumentar o número de acessos de sites que defendam o Nazismo, por exemplo.

Não! Por mais que nós acreditemos na liberdade de expressão por aqui, somos contra o incentivo de práticas ilegais e preconceito, em geral. O Crowd já está programado para evitar o apoio de alguns temas.

Coloco em dúvida a imparcialidade do programa perguntando se isso não seria uma forma de controle baseada em reforços positivos ao invés de repressão. Afinal, o Google Crowd© nasceria inclinado a refletir as idéias e valores daqueles que o programaram.

Eu acho que você não está entendendo a idéia geral.

Pergunto se o Google Crowd© entenderia.

Claro!

Após um longo silêncio, Richard me avisa que precisava voltar ao trabalho. Para fechar a entrevista, indago sobre a data prevista para o lançamento do programa. Richard sorri e sai da sala sem dizer mais nenhuma palavra.

Elizabeth Gowns, para a BBC.

Tradução: Somir.

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