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Ele disse, ela disse: Proibistuição.

| Desfavor | | 29 comentários em Ele disse, ela disse: Proibistuição.

Moças... o ônibus não passa a essa hora...

A suposta profissão mais antiga do mundo não é um crime aqui no Brasil. Qualquer pessoa maior de idade pode até anunciar livremente no jornal seus serviços. Não é crime para quem se prostitui, não é crime para quem contrata. Mas não é exatamente um mercado salutar para seus participantes…

Sally e Somir discordam sobre a necessidade de se mudar essa situação. Ela defende a criminalização da atividade, ele prefere que as coisas continuem do jeito que estão.

Tema de hoje: Prostituição deveria ser crime?

Foi surpreendente quando Sally me sugeriu o tema. Ela, que nunca foi de defender a moralidade e os bons costumes da tradicional família católica brasileira… Dizendo que prostituição deveria ser crime? Até faria sentido se houvesse uma preocupação social embutida na opinião, mas não consigo enxergar como uma medida dessas resolveria algum problema na prática.

Não sou dotô adevogado, por isso vou trabalhar apenas com o bom-senso.
Leis, no final das contas, nada mais são do que regras de convivência social aprimoradas por milênios de evolução humana. E as nossas (mesmo que frequentemente desrespeitadas) são muito boas na média.

Comecemos pelo básico: O Estado até intervém no direito das pessoas de decidir o que fazer com o próprio corpo, mas o faz com certa lógica. Você pode fazer o que quiser com o seu próprio corpo… desde que esteja em suas faculdades mentais (minimamente) razoáveis e não coloque em risco outras pessoas ao fazer isso.

Por isso existe uma idade legal para começarmos a fazer várias coisas (desde sexo até dirigir um carro), por isso uma pessoa com atrasos significativos de desenvolvimento são consideradas incapazes, por isso algumas drogas são controladas ou mesmo proibidas… Existe uma linha de raciocínio aí. Por exemplo: Uma criança dirigindo estaria assumindo um risco que ainda não entende e ameaçando a integridade física de outras pessoas. (Assim como um bêbado.)

Uma pessoa maior de idade tem todo o direito de escolher com quem vai ou não fazer sexo, desde que ambas as partes consintam. Sexo consentido não coloca em risco a integridade física ou emocional dos envolvidos.

Sexo não é crime, trocar serviços por dinheiro não é crime. Prostituição não é crime. Posso estar até sendo óbvio, mas eu faço questão de esclarecer que prostituição não ser crime faz sentido. Tem sustentação na forma como um Estado como o brasileiro enxerga seus cidadãos.

“É? Mas explorar prostituição é crime! Sexo não é crime, trocar serviços por dinheiro não é crime e contratar pessoas para fazer esses serviços legais também não deveria ser… Cadê a lógica?”

Um contrato que exige de uma pessoa ser estuprada para ser completo tem lógica? Vejam bem: Não se pode obrigar uma pessoa a fazer sexo contra sua vontade. Se a prostituta disser que não quer fazer sexo com um cliente, não existe nenhuma forma (legal) de obrigá-la ou puní-la por isso (Claro que não é só isso, na prática o cafetão encheria a puta de porrada e a forçaria do mesmo jeito…). Vai fazer o quê? Afrouxar as leis sobre estupro? O Estado ainda está preocupado em não deixar as pessoas colocarem em risco a integridade de outros. O contrato de trabalho nem poderia existir. Prostituição é uma profissão legal, mas trata de um “objeto de venda” muito mais complexo, não pode ser tratada exatamente da mesma forma que outras profissões.

Tudo em tese, eu sei. Mas tudo com lógica. E uma até simples.
Sou o primeiro a ficar puto com o Estado intervindo demais na vida das pessoas, e com certeza precisaria de algum argumento muito sólido para achar válida uma intervenção no direito de escolha pessoal por parte dele. A mão do governo não está sobre esse direito, faz sentido que não esteja… Qual o problema?

E ainda nem falei da sacanagem que seria proibir algumas pessoas de exercer uma função legal da qual gostam. Claro que dar para um velho gordo não deve ser agradável, mas eu falo de “talento”. Tem quem seja muito bom para cantar, tem quem seja muito bom para apertar parafusos, tem quem seja muito bom para consertar computadores… E tem quem seja muito bom para fazer sexo. Ei, eu que gosto do meu trabalho encontro vários momentos onde fico de saco cheio e acho o trabalho terrível. Mas isso não me impede de gostar de ser bom no que faço e de aproveitar as recompensas (financeiras e psicológicas) dele.

Vai dizer para essa pessoa que sofreu e ralou para conseguir sua estabilidade que o que ela faz agora é errado? Ela vai fazer o quê depois da prostituição ser criminalizada? Tudo bem que ninguém precisa concordar comigo que a prostituição legalizada é um sinal de avanço social, mas que pelo menos tem sinergia com as outras regras a que obedecemos é difícil de negar. Você vai puxar o tapete de pessoas que escolheram um caminho LEGAL para ganhar a vida. Bela mensagem, não? Só falta legalizar a maconha depois e limpar a bunda com a constituição.

E sejamos honestos… Trocar sexo por vantagens materiais é um dos comportamentos mais comuns da humanidade. (Não é nem argumentação machista, embora as mulheres façam mais… Estou mentindo?) Prostituição é só uma forma sincera de estabelecer essa relação. Proibir troca de sexo por dinheiro para acabar com os problemas sociais oriundos da prostituição é que nem proibir vícios para acabar com a violência do tráfico. Não se pode proibir algo TÃO enraizado no comportamento humano e esperar que dê algum resultado.

Sem contar que as vistas das autoridades que deixam menores de idade se prostituir não ficariam menos grossas com a proibição da prostituição. Se mal conseguem lidar com algo que arrepia a MAIORIA das pessoas (pedofilia), vão fazer o quê para coibir uma atividade que no máximo rende uns ataques de hipocrisia para o público geral? Se a sociedade fosse tão contra prostituição assim, os jornais nem aceitariam aqueles anúncios “acompanhantes/relax”.

Além de puta, ainda vai ser criminosa. E crime por crime, eu ouvi dizer que o tráfico de drogas paga mais… Não é como se multinacionais só estivessem esperando a criminalização da prostituição para sair contratando. Prostituição é uma atividade legal, faz sentido ser legal, e sua proibição traria mais problemas e exclusão do que já faz do jeito que está.

Crianças, como se chama quando o Estado se mete demais nos direitos pessoais de seus cidadãos?

COMUNISMO!

Me matam de orgulho!

Para dizer que minha argumentação é uma putaria, para dizer que também é contra o comunismo no Brasil, ou mesmo para dizer que seria uma sacanagem mesmo para os clientes: somir@desfavor.com


Hoje jogo em casa. O tema está ligado a direito. Sim, eu acho que prostituição deveria ser criminalizada e provavelmente não pelos motivos que vocês estão pensando. Talvez ao final dos meus argumentos muitos de vocês não estejam mais torcendo o nariz para mim. Aos advogados, quero dizer que eu sou a primeira a defender direito penal como ultima ratio, intervenção mínima e todas as garantias constitucionais.

Como é que se decide o que vai ser crime e o que não vai? Simples, primeiro começam a acontecer as merdas e de tanta merda que dá, neguinho se toca que se não proibir aquilo vai acabar prejudicando a sociedade. Então, criminalizar uma conduta qualquer não serve para foder, castigar ou sacanear seu autor. O objetivo não é esse. O objetivo é proteger um “bem jurídico” tutelado pelo Estado (prevenção/repressão) em nome da coletividade. Este bem jurídico pode ser a vida, a saúde pública, o patrimônio ou tantos outros.

Não tenho raiva de prostitutas, não faço julgamentos morais. Mas acredito que criminalizando essa conduta, estaríamos protegendo futuras gerações. Porque vamos combinar, se fosse crime, se neguinho soubesse que pode ser preso, muita gente que opta por se prostituir (porque sim, é uma opção) não o faria. Eu sei que a vida tá difícil e que nem todos tem oportunidades. Entretanto, conheço muitas pessoas que tiveram vidas horrendas, zero oportunidades e sobreviveram sem se prostituir. Portanto, é uma opção sim, apesar de muitas prostitutas quererem colocar a coisa como se não tivessem opção. Tem quem jogue bolinhas no sinal, tem que venda drogas, tem quem se foda de tanto trabalhar, tem quem assalte com uma arma e tem quem se prostitua. Não cabe aqui julgar todas estas opções, apenas deixar bem claro que é uma opção.

Acho que não levanta muita polêmica dizer que a prostituição é degradante para a mulher e que, regra geral, se a mulher efetivamente não precisasse MUITO de dinheiro, não se prostituiria. As pessoas fazem coisas escabrosas por dinheiro. As pessoas são dementes o suficiente a ponto de se mutilar para pegar o dinheiro do seguro. Por isso a lei cria normas para proteger as pessoas delas mesmas. Porque sim, algumas pessoas precisam ser protegidas delas mesmas, acreditem.

Então, quando eu falo que prostituição deve ser crime, não é em um tom rancoroso de “Prende essa puta safada!”. É pensando que, quem sabe, três ou quatro gerações mais pra frente, quando isso estiver incorporado em nossa sociedade, as meninas crescerão com a idéia de que se prostituir é tão crime quanto roubar ou vender drogas. Isso vai desencorajar muitas meninas a entrar para a prostituição. Sempre tem quem faça, mas com certeza haverá uma queda significativas.

Hoje, a legislação criminal brasileira não tipifica a prostituição como crime. Só é crime explorar a prostituição alheia (rufianismo, vulgo cafetão). Porém, à data do nosso Código Penal, 1941, uma mulher que optava por se prostituir sofria uma reprovação social tão horrenda, que esta norma não era necessária. Poucas se aventuravam. A sociedade se encarregava de coibir este crime. Hoje, na era da Festa da Nuvem, a coisa ficou mais permissiva. Vou usar outra lei como comparação: existe lei recente (não vou entrar em detalhes, só tenho duas páginas para mostrar meu ponto de vista) que proíbe a venda de órgãos. Se você quiser DOAR um órgão seu, você pode doar (desde que sobreviva sem ele). Porém não pode vender. Antigamente isso não era necessário, porque sequer havia tecnologia para ficar transplantando órgão com essa facilidade toda. Daí, com a modernização da medicina, neguinho percebeu que se não proibisse, não encontraríamos um único pobre com os dois rins no corpo, porque eles VENDERIAM, e se bobear, venderiam o dos filhos também. Daí surge essa lei, dizendo que você não pode vender seus órgãos.

Da mesma forma que você não pode vender seus órgãos, acho que você não deveria poder vender seu corpo. A dignidade de uma pessoa não é um bem disponível, e isso já foi dito, em outras circunstâncias, em diversas decisões judiciais. Se uma pessoa está desesperada o suficiente para fazer uma burrada dessas, o mínimo que a lei pode fazer é tentar impedir. Porque sim, o esperado é que exista uma trava. Tem gente que passa fome e não se prostitui. Se a pessoa não tem essa trava moral (e em muitos casos, nem é exigível que tenha, dada a precariedade de sua criação), cabe à lei protegê-la dos danos que ela vai causar a ela mesma. Físicos e psicológicos.

Detalhe importante: quando se fala que algo é CRIME, nem sempre isto implica em uma pena privativa de liberdade (CADEEEEEIAAAA!). Existem uma série de punições muito mais brandas que o encarceramento (e não estou falando da famosa cesta básica que todo mundo conhece, tá?) Existem outras modalidades. Então não pensem que eu estou dizendo que tem que trancar todas as prostitutas em um presídio, porque longe de mim falar uma barbaridade dessas! Estou dizendo que a conduta deve ser criminalizada e punida, não necessariamente com encarceramento.

O ser humano é adaptável. Quando você fecha uma porta, ele procura outra saída. Se prostituição for criminalizada, muitas meninas vão procurar outra saída, porque deixa de ser uma saída “fácil”. Eu sei que se prostituir não é fácil na prática, mas as meninas que entram para essa vida o vêm como uma saída “fácil”, pois é uma forma muito rápida de ganhar dinheiro. E quando percebem que não é nada fácil, já estão sendo exploradas nas mãos de alguém ou não conseguem abrir mão do dinheiro. Criminalizar a prostituição seria passar uma tranca em uma porta que está escancarada e leva a algo muito ruim. Vai dificultar que as pessoas entrem.

Não sei vocês, mas eu deixei de fazer muita merda na minha vida porque sabia que aquilo era crime. Se não fosse crime matar, eu teria matado mais do que desastre no Haiti, por exemplo. Crime segura. Não segura todo mundo, mas segura a maior parte da população. É muito fácil isolar o problema e colocar a prostituição como direito de escolha da mulher: “Se ela quer ser puta, que seja, cada um faz o que quer”. Só que não é bem assim. Incolumidade física e Dignidade da Pessoa Humana não são bens disponíveis ou negociáveis por seu titular.

Escutei da boca de meninas de 15, 16 anos empurradas para esse mundo (só é estupro presumido se for menor de 14, ok?) criando sequelas psicológicas e às vezes até físicas irreversíveis que se prostituição fosse crime elas não teriam entrado por esse caminho porque teriam medo. E ainda escutei que elas queriam que fosse crime, porque assim elas teriam “dado um outro jeito” de sobreviver.

Discurso sobre liberdade individual VAZIO não me serve. Quem é leitor do Desfavor sabe que eu sou tudo menos moralista e que a última coisa que eu prego é histeria punitiva. Meu ponto é que a pessoa não tem o direito de se privar de sua dignidade, de seu bem estar, de sua saúde e de sua integridade psicofísica. Quando a pessoa está prestes a fazer isso, eu acho que o Estado não só pode, como deve interferir para tentar desencorajar a conduta.

OBS: Fiz questão de escrever sem termos jurídicos complicados, sem citar lei, sem citar jurisprudência nem qualquer argumento técnico. Isto não quer dizer que eu não saiba fazê-lo, quer dizer que eu tenho noção de que é um blog para todos e não apenas para juristas. Me reservo o direito de ser democrática e espero que com isso não presumam que estes são todos os argumentos jurídicos de que disponho. Grata.

Para dizer que é sempre muito triste ter que concordar com o Somir, para dizer que deveriam prender é quem solicita os serviços da prostitua ou ainda para dizer que não liga a mínima, porque você tem suas peguetes que dão fácil e de graça: sally@desfavor.com

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