Des Contos: Homem de Preto.

Reginaldo estava no limite de sua paciência. Não bastasse estar perdido numa floresta escura no meio do nada, sua namorada, Fernanda, não parecia se cansar de reclamar:

FERNANDA: Porque eu nunca escuto a voz na minha cabeça que diz para não entrar nessas furadas com você?
REGINALDO: … *bufando
FERNANDA: Ah, você está de saco cheio? Justo você?
REGINALDO: Vem cá, sua garganta não dói? A mandíbula não cansa? O pulmão não fica vazio não?
FERNANDA: O problema então é que eu falo demais? Não é a sua ideia cretina de acampar aqui no meio da puta-que-pariu? Não é a sua incapacidade de seguir uma porcaria de uma trilha? Nããããooo! O problema sou eu falando pelos cotovelos… Claaaaro!
REGINALDO: Se te serve de consolo, eu estou arrependidíssimo.
FERNANDA: De não ter me escutado, né?
REGINALDO: Não, de ter te trazido!
FERNANDA: Babaca!
REGINALDO: Agora deixa eu me concentrar no caminho, vai.

Fernanda cala-se por um momento, visivelmente ressabiada. Reginaldo começa a buscar pontos de referência e consultar sua bússola.

REGINALDO: Seja útil, procure o ponto mais brilhante no céu.
FERNANDA: *olhando para cima
REGINALDO: Nessa época do ano, deve ser Marte, que fica… acho que… Sul? Saco…
FERNANDA: Ali, ó! *apontando enquanto olha para Reginaldo
REGINALDO: Onde?
FERNANDA: Meu Deus, não consegue seguir um dedo?
REGINALDO: Cacete, mulher, larga de ser chata! Onde?
FERNANDA: Ali, po… ué… mas estava lá.
REGINALDO: Eu perdi uma trilha, mas você conseguiu perder um planeta!
FERNANDA: *mostrando o dedo médio

Pode-se ouvir um curto zunido. Fernanda acusa um golpe pelas costas, e em questão de segundos, seus olhos reviram e seu corpo cai inerte no chão.

REGINALDO: FÊ?

Reginaldo abaixa para acudir sua namorada, ao mesmo tempo que ouve outro zunido, que dessa vez é sucedido pelo som de algo batendo numa das árvores próximas. Alheio ao seu redor, Reginaldo tenta chacoalhar Fernanda de volta à consciência. É quando percebe um dardo que acertara em cheio as costas dela. O desespero não permite que ele perceba a aproximação de outra pessoa…

VOZ: Ela vai acordar daqui há algumas horas. Foi apenas um dardo tranquilizante.

Reginaldo levanta os olhos e percebe um homem vestindo um terno perto, óculos escuros e uma zarabatana em mãos.

REGINALDO: O que você fez com ela?
HOMEM: Eu… acabei… de te dizer. Dardo… lembra?
REGINALDO: POR QUÊ você fez isso?
HOMEM: Os dardos com veneno fatal acabaram.
REGINALDO: Veneno? FATAL?
HOMEM: Ou aquele foi o último? Ih, acho que eu a acertei com o fatal.
REGINALDO: FÊ! Ai meu deus! FÊ!
HOMEM: Não… não… alarme falso. Foi o tranquilizante mesmo.
REGINALDO: O que está acontecendo aqui?
HOMEM: Peraí… *indo até uma árvore próxima

Enquanto isso, Reginaldo agarra a namorada em seus braços e ensaia uma tentativa de fuga.

HOMEM: Deu sorte, o envenenado era o seu, e acabou preso aqui nessa árvore, derramando tudo. Você abaixou bem na… *olhando para trás

Reginaldo percebe que está sendo observado e tenta acelerar o passo. O que se prova bem difícil com uma mulher desmaiada em suas costas.

HOMEM: A civilização mais próxima é no sentido oposto. Vocês vão acabar ainda mais perdidos indo por aí. Você é ruim mesmo nisso, hein?
REGINALDO: SOCORROOOO!
HOMEM: Quem você acha que vai vir te salvar, o Tarzã? *aproximando-se
REGINALDO: Leva o que você quiser, cara… Só deixa a gente em paz.
HOMEM: E eu lá tenho cara de ladrão? Este terno é mais caro que tudo o que você tem aí. E olha que eu estou contando a garota…
REGINALDO: *sofrendo para carregar
HOMEM: Dica: Quando ela perguntar se está gorda, diga a verdade.
REGINALDO: O que você quer com a gente? *colocando a namorada no chão
HOMEM: Na verdade é o que eu NÃO quero com vocês. Nada pessoal, vocês são testemunhas, e eu fiz um juramento sobre deixar testemunhas.
REGINALDO: Ela não viu nada! E eu esqueço que isso aconteceu!
HOMEM: Da última vez que eu fiz isso, o safado deu uma entrevista de cinco páginas para um jornal sensacionalista.
REGINALDO: Então você vai ter que me matar do jeito difícil! *entrando em posição de boxeador
HOMEM: Duvido. *puxando uma arma
REGINALDO: Vamos conversar!
HOMEM: Hmmm… não. *apontando

Um flash de luz branca banha toda a cena.

HOMEM: Maldito… timing…

A luz cede, e uma voz fina, quase infantil, pode ser ouvida.

VOZ: Mzhelikah Agnactic!
HOMEM: Se esconde! *empurrando Reginaldo
REGINALDO: O que… o que é isso?

Um ser mirrado, de pele acinzentada, ziguezagueia por entre os troncos das árvores, chegando à clareira onde Reginaldo, sua namorada desacordada e o misterioso homem de terno preto estavam.

SER: Gzortilich?
HOMEM: M… mira Lobop… Agnic. Não! Labic Agnop! Labic Agnop, né?
SER: Não se preocupem, irmãos de cosmo, suas linguas já fazem parte do nosso treinamento.
REGINALDO: Um alien! PUTAQUEPARIU! É pegadinha? *procurando a câmera
HOMEM: Quieto! *estapeando Reginaldo
REGINALDO: AI!
ALIEN: Violência?
HOMEM: Não… não… É uma brincadeira, nós somos amigos!
REGINALDO: Amigos o cara…
HOMEM: *tapando a boca de Reginaldo – O CARA! Ele disse que eu sou O CARA! Viu? Amigos. *sorriso amarelo
ALIEN: Lembrem-se do tratado. Evolução pela paz!
HOMEM: Evolução pela paz!
ALIEN: E a humana desacordada?
REGINALDO: *escapando brevemente das mãos do homem de preto – Foi ele!
HOMEM: Desmaiou de emoção quando eu contei sobre vocês! Então, de uma certa forma, fui eu mesmo. Nós não gostaríamos de virar poeira cósmica aqui mesmo por quebrar o tratado, não é mesmo? *risada nervosa
REGINALDO: … *pensativo
ALIEN: Deixem minhas mais sinceras desculpas por não ter esperado por ela para fazer essa reunião.
HOMEM: Opa! Pode deixar. Você… *olhando para Reginaldo – Vai dar uma volta, ok?
ALIEN: Minha mensagem é para todos. Faço questão da permanência deste humano.
REGINALDO: Você ouviu… *desvencilhando-se
ALIEN: Continuamos encontrando dificuldades de conseguir imagens e relatos de nossas sondas autônomas em sua atmosfera.
HOMEM: A conexão aqui na Terra é complicada mesmo. Eu vivo ficando sem rede no meu notebook! Mas pode ter certeza que continuamos nos esforçando para resolver o problema.
ALIEN: Respeitamos o desejo de sua espécie, mas aconselhamos que aceitem nossa oferta de apoio tecnológico o quanto antes.
HOMEM: Nós, os humanos, somos muito orgulhosos, sabe? Não somos?
REGINALDO: É… isso é…
HOMEM: Ainda sentimos a necessidade de resolver este problema por nossa conta, entende? Como uma prova de boa-vontade nossa, tendo em vista tudo o que vocês estão nos oferecendo.
ALIEN: Sim, mas sem a análise das sondas, não podemos decidir se vocês realmente estão aptos para a partilha da nossa tecnologia.
HOMEM: Nós queremos merecer. Espero que vocês respeitem esse desejo.
ALIEN: Está escrito no tratado. Assim será feito. Neste comunicador estão as coordenadas de nosso próximo encontro. Esperamos reencontrá-los daqui a dez translações, terráqueos.
HOMEM: O desejo é mútuo, e eu estou com um bom pressentimento sobre o próximo.
ALIEN: Esta foi a frase final dos últimos sete encontros.
REGINALDO: Já vai? Não! Me responde algumas coisas antes!
ALIEN: Isso quebra um pouco o protocolo, mas fomos instruídos das peculiaridades de sua espécie. Ficarei feliz em responder.
REGINALDO: Deus existe?
HOMEM: HAHAHAHAHA! *dando um tapa nas costas de Reginaldo
ALIEN: Uma piada, presumo.
HOMEM: Claro! Olha só para ele, o brincalhão! Ele sabe que essa é uma das condições para o nosso tratado. Ah, vocêêê… *olhar maníaco para Reginaldo
REGINALDO: Ha… haha… Humor terrestre. *disfarçando
ALIEN: Devo partir. Até o próximo encontro.
HOMEM: Hutgrelli Agnaliz!
ALIEN: Você acaba de fazer um comentário sobre a orientação sexual de meu progenitor.
HOMEM: T… t… tchau!

A brilhante luz toma conta do ambiente novamente, deixando apenas os três humanos dividindo a clareira.

REGINALDO: Você é tipo os homens de preto!
HOMEM: Tipo.
REGINALDO: O que acabou de acontecer aqui?
HOMEM: Posso ter ganhado dez anos de existência para a raça humana, ou você pode ter nos colocado num caminho sem volta para a extinção.
REGINALDO: O que eu fiz?
HOMEM: Escapou daquele dardo. Tenho quase certeza que ele desconfiou que alguma coisa estava errada! “Deus existe?” *imitando voz abobalhada
REGINALDO: Muita gente quer saber isso! E tem alguma coisa errada para desconfiar?
HOMEM: Esses caras vieram para cá há oitenta anos atrás e deram de cara com a Segunda Guerra Mundial, a produção das bombas atômicas e tudo o mais… Pode ter certeza que a nossa espécie não pareceu muito simpática aos olhos deles. Ainda mais com tanta tecnologia militar.
REGINALDO: E eles iam acabar com a gente?
HOMEM: Não se seguíssemos uma série de exigências para entrar em conformidade com as resoluções das Civilizações Unidas. Guerra, fome, religião… Tudo tinha que acabar para garantirmos nossa existência.
REGINALDO: E como estamos vivos?
HOMEM: Eles são muito inteligentes, mas perderam a esperteza em algum beco escuro da evolução intelectual. Os líderes mundiais conseguiram tecer um acordo onde nos comprometíamos a aceitar inspeções deles em troca de mais tempo para botar… a casa em ordem.
REGINALDO: Repetindo… como estamos vivos?
HOMEM: As inspeções são feitas com naves não tripuladas em órbita baixa. No começo derrubávamos todas mesmo, mas começou a ficar meio na cara. Hoje em dia temos satélites bagunçando o sinal delas. A Guerra Fria foi basicamente uma desculpa para desenvolver essa tecnologia em segredo.
REGINALDO: Por isso que todos os OVNIs parecem guiados por um cego bêbado?
HOMEM: Também. Não acredito como eles ainda caem nessa, mas enquanto funciona, vamos seguindo.
REGINALDO: É basicamente uma ameaça? Eles nos matam se não fizermos o que eles querem?
HOMEM: Acreditamos que não. Deve ser mais para nos assustar mesmo. Convenhamos, já era para termos conseguido alguma coisa nesse meio tempo.
REGINALDO: Então por que o segredo?
HOMEM: No penúltimo encontro, eles ofereceram também partilhar sua tecnologia de fonte de energia, alimentação, remédios e tratamentos… Desde que, claro, aceitássemos as regras.
REGINALDO: E os governos não querem isso?
HOMEM: Talvez, não perguntamos.
REGINALDO: Você não é um dos homens de preto?
HOMEM: Tipo. Digamos que a tarefa de contatar os alienígenas foi passada para a iniciativa privada alguns anos atrás. Deve ter custado uma nota simular aquele contato dez anos atrás… Acharam que estava resolvido, estão quase fechando a NASA!
REGINALDO: E você trabalha para quem?
HOMEM: Os alienígenas oferecem energia, alimentação e medicina limpas, livres e abundantes? Adivinha.
REGINALDO: E por que você está me contando isso?
HOMEM: Porque você vai ter que estar comigo no próximo contato. Não quero desapontar o nanico. E se eu não posso te matar, eu te contrato.
REGINALDO: Você acha que eu vou trair a espécie humana inteira por um emprego?
HOMEM: *pegando um papel, anotando algo e mostrando – Por mês.
REGINALDO: Colega!

Enquanto isso, orbitando Marte:

ALIEN 1: A gente não deveria ficar acobertando…
ALIEN 2: Se você souber de outro trabalho fácil que paga tanto assim, sou todo ouvidos…

Para dizer que eu preciso controlar esse ataque de nerdice logo, para me chamar de racista por ter vilanizado o homem de preto, ou mesmo para dizer que nemleumesmotendolido: somir@desfavor.com