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Ele disse, ela disse: Indefinição genérica.

| Desfavor | | 70 comentários em Ele disse, ela disse: Indefinição genérica.

Imaginemos o seguinte cenário: A pessoa com a qual você tem uma relação duradoura (namoro ou casamento) te conta que a partir daquele dia, vai começar a se vestir com as roupas do sexo oposto. Atenção: A pessoa não assumiu uma nova orientação sexual e pretende continuar o relacionamento. Sally e Somir pensam de forma oposta na hora de reagir. E os impopulares estão convidados a viver a mesma situação.

Tema de hoje: Você tentaria ficar com um(a) parceiro(a) que deseja vestir as roupas do sexo oposto?

SOMIR

Não. Nem digo que ficaria furioso ou tentaria forçar a mulher a mudar de ideia, mas pra mim algo estaria quebrado de vez a partir dessa mudança de visual dela. Desconfio que vou levar algumas pedradas da ala mais liberal aqui da RID, mas faço questão de defender o sagrado direito de uma pessoa não querer manter um relacionamento amoroso de acordo com parâmetros pessoais.

Se eu bem conheço minha CARA, ela vai tentar levar isso para o campo da discriminação sexual. Espero que os impopulares sejam melhores do que isso e não caiam nessa armadilha. Espero, mas não apostaria nisso. Portanto: Eu acho que quem é capaz de levar essa situação numa boa e tentar DE CORAÇÃO manter o relacionamento uma pessoa melhor do que eu em vários aspectos. É uma tolerância que se eu não desejo, invejo.

Mas o mundo humano está cheio de qualidades que nem todos possuímos. A minha adaptabilidade no aspecto de aparência é limitada. E não é aquele papo de nerd elitista que fica chamando tudo quanto é mulher de feia na internet, é baseado na gama de características que me atraem (e não só visualmente) numa mulher.

Uma que tenta emular a imagem que eu tenho construída como masculina na minha mente simplesmente não é atraente para quem espera e deseja o “pacote feminino” (sem pacote nas calças).

As pessoas são mais do que roupas? Evidente. Mas mesmo alguém que se recusa a usar terno até mesmo para casar, como este que lhes escreve, entende que a forma como uma pessoa se veste impacta na imagem que ela passa para o mundo. Quando eu me recuso a usar uma roupa “social”, sei a imagem que estou passando e o preço que estou pagando. Nada nessa vida é de graça.

Uma mulher que se veste e tenta parecer um homem, e estou considerando que ato contínuo dessa troca de guarda-roupa venham coisas como corte de cabelo “masculino”, falta de depilação e alguns maneirismos mais machos, perde boa parte da graça para um homem que se sente atraído por mulheres. Sei que não é obrigatório, mas eu só tenho o que argumentar aqui se for uma transição mais completa. (E também porque no caso do homem se vestindo de mulher, DUVIDO que ele vá continuar peludo e barbado.)

E aposto que vai vir um “mas nem todo homem precisa parecer um lenhador barbudo”, só que não estamos falando de casos sutis. É uma pessoa que realmente quer mudar de imagem sexual (mesmo que não mude de orientação). A tendência é partir para roupas CLARAMENTE do sexo oposto. O homem que quer se vestir de mulher não vai continuar de camiseta e calça, mesmo que muitas mulheres se vistam assim, não? Cidadão vai mandar ver num vestido e em vários casos, uma peruca. Não podemos cometer o erro de tratar a mulher deste exemplo como algo que não desafie explicitamente a expectativa social sobre como se vestir, agir e parecer.

Uma mulher vestida feito um homem “feminino” (e convenhamos que os metrossexuais tornaram isso possível) e mantendo toda a vaidade típica do gênero não seria nem registrada como mudança completa por um homem. No máximo a mulher ouviria um “faz tempo que eu não te vejo de saia…”.

Imagine uma daquelas pit-lésbicas, que conseguem até ter bigode. Não vamos confundir uma mulher vestindo suas cuecas na manhã seguinte e uma que gostaria de ter mais cabelo no peito… Homem que fica dizendo que encara qualquer coisa com uma buceta está só fazendo pose. Podemos até ter uma gama de atração bem mais ampla do que as mulheres acreditam, mas pode ter certeza que quando dizemos que gostamos de uma mulher com mais carne não estamos dizendo que obesas mórbidas estão definitivamente em nosso leque de possibilidades.

Assim como eu posso dizer que embora ache até bacana uma mulher com estilo mais masculino de se vestir, não significa que não seja triste ter uma companheira que nunca mais vai sussurrar no seu ouvido que embaixo daquele vestido não tem uma calcinha… Uma coisa é “brincar” com a imagem masculina com algumas roupas, outra é querer assumi-la de vez.

E eu imagino que mesmo só para trollar, alguém vai apontar que essa importância que eu dou ao estilo de se vestir, vaidade e maneirismos femininos signifique que eu encararia a situação oposta. Só que não é a mesma coisa. Um heterossexual vai contabilizar o corpo feminino como condição básica e traçar as variáveis a partir daí. E sim, isso é mais do que simples defesa da própria heterossexualidade na internet (sempre muito importante), é parte integrante da argumentação. Não pode ser só ser geneticamente mulher ou só parecer com uma, acredito que não seja pedir demais querer as duas coisas.

Se quer se parecer com um homem, seja muito feliz, de coração. Mas tem um preço: Parecer cada vez menos atraente por alguém que considera a aparência feminina atraente. E se tirarmos atração sexual da equação, relacionamento amoroso volta para seu lugar tradicional na classificação de relações, que é MUITO abaixo de uma grande amizade. Se eu gosto muito de uma mulher que não me atrai sexualmente, muito melhor manter uma amizade. Amizade não tem tanto drama, exigência e clima ruim.

Estou dizendo que não a odiaria (pelo menos não mais do que a reação passional imediata, afinal, quebraram meu brinquedo…), mas não tentaria dar murro em ponta de faca. Capacidade de adaptação é a chave do sucesso da evolução dos humanos, por que não utilizá-la para extrair o melhor da situação? Ela escolheu um caminho que vai acabar com minha atração sexual, então manter o relacionamento amoroso é tortura inútil. Vamos tomar uma cerveja e rir disso, oras!

Tem muita mulher e homem nesse mundo, com os gostos mais variados. Não me acho tão última bolacha do pacote ao ponto de acreditar que eu de má-vontade vá ser melhor companhia do que alguém que gosta do novo visual da pessoa… Ao contrário de alguém cujo texto você vai ler em seguida.

Nem todas os sacrifícios são vantajosos.

Ah, eu vou lembrar de quem disser que a discussão não vale porque estamos falando de sexos opostos. Essa foi minha argumentação inúmeras vezes e muitAs de vocês (Sally puxando o coro) vieram com a ladainha de que é SEMPRE igual para ambos os sexos. Fez a cama, deita nela.

Para dizer que eu sou preconceituoso por não gostar de algo que eu já sei que não gosto, para reclamar que o texto está muito pouco machista para te facilitar o comentário, ou mesmo para dizer que eu sou sim a última bolacha do pacote… aquela murcha e quebrada que ninguém quer: somir@desfavor.com

SALLY

Não estamos falando de “alguém” com quem você se relaciona. Estamos falando DA PESSOA, aquela pessoa que você tinha escolhido para passar o resto da sua vida ao seu lado. Aquela pessoa que se chama “o amor da sua vida”. Uma pessoa com a qual você construiu um relacionamento bacana, feliz, satisfatório.

Se esta pessoa, rara e difícil de encontrar, descobrir de alguma forma que é mais feliz se vestindo com roupas do sexo oposto, porém afirmando que continua heterossexual, você TENTARIA continuar com essa pessoa? Reparem que a discussão de hoje não é se você conseguiria ficar com ela, ou se ficaria com ela. A discussão é se AO MENOS TENTARIA fazer isso funcionar.

Não, não somos pessoas desesperadas sem assunto inventando situações. Isso tem nome, se chama Crossdressing. Pessoas que encontram satisfação em se vestir roupas ou usar objetos relacionados ao sexo oposto. Abra sua mente, crossdressing não está ligado à orientação sexual da pessoa. Existem pessoas que se vestem como o sexo oposto mas são tão heterossexuais quando eu. Não estamos falando de travestis, que modificam seu corpo com silicone, hormônios e cirurgias invasivas. Estamos falando de uma pessoa que vai usar roupa trocada.

Eu não sei se eu conseguiria ficar com um homem que usa minhas saias. Sinceramente, eu acho que não. Mas, eu ao menos tentaria se achasse que é “o amor da minha vida”. Eu sei que não existe um único amor da sua vida, várias pessoas podem ocupar esse papel, mas, minha gente, como é difícil encontrá-las.

Não apenas encontrá-las, como ainda que elas estejam solteiras, que elas se interessem por você, que elas sejam compatíveis com você, que morem na mesma cidade, que… que… é “que” que não acaba mais. Talvez eu seja muito exigente, mas para mim encontrar uma pessoa assim não é uma tarefa fácil. Por isso acredito que quando se encontra, tem que tentar fazer dar certo de todas as formas possíveis, desde que não implique em uma violência para você.

Claro que ao ler sobre Crossdressing a gente sempre imagina o pior: um homem todo maquiado, com esmalte de unha, saia e salto alto, indo buscar seu filho ao colégio assim. Mas, será que tem que ser sempre esse estereotipo? Eu conheci uma pessoa que praticava (é assim que se fala? Isso se pratica ou se é?) Crossdressing mas em seu ambiente de trabalho ninguém dizia. Era apenas um rapaz de cabelos longos devidamente presos em um rabo de cavalo, com ternos de muito bom gosto. Chegava em casa, usava roupas e acessórios de mulher. Sua esposa me confidenciou que no começou ficou chocada, mas que com o tempo aprendeu a se acostumar e hoje diz ela não se importar mais. “Ele é mais do que uma roupa”. Faz sentido.

Não estou dizendo que se você ama você deve se violentar e aceitar uma coisa dessas mesmo que te provoque repulsa. Estou dizendo que se você ama você pode tentar estabelecer regras na esperança de que esta situação se torne suportável para você, em nome do relacionamento. Se não der, bem, paciência, ao menos você tentou. Eu tentaria.

O fato de não ser socialmente declarado, por exemplo, ajudaria a diminuir o grau de insuportabilidade da situação. É questão se sentar, conversar e ver até onde ambas as partes podem ceder sem que isto implique em frustração e infelicidade. Caso não se chegue a um acordo, ao menos terão o consolo de ter tentado.

Eu sei que é um choque. Eu sei que ao receber uma notícia assim as pessoas imaginam automaticamente o pior cenário possível. Entretanto, se a gente pensar racionalmente, até que ponto não toleramos coisas piores do que estas em um relacionamento? Por exemplo, já vi mulheres que apanham do marido dizendo que jamais continuariam casadas no caso dele se revelar um crossdresser. A pessoa suporta levar porrada mas não suporta ver o marido de saias? Não cheira a preconceito mais do que a escolha de vida?

Eu sempre digo que a gente se apaixona por pessoas, por seres humanos. Aquele ser humano pelo qual você se apaixonou continuará ali, só que usando uma roupa diferente. Será que isso é tão grave a ponto de não merecer nem ao menos uma tentativa? Eu tentaria focar no ser humano que eu amo, independente da vestimenta, da “casca”. É nessas horas que a gente vê quem realmente acha futilidade padrão estético ou quem apenas fala isso para posar de pessoa com conteúdo. Cadê o tesão intelectual? Acabou, só porque a pessoa vestiu uma roupa sua?

O novo assusta. O inusitado apavora. O que sai dos padrões nos deixa sem chão. É preciso tempo para assimilar coisas como estas. Talvez na prática não seja tão desesperador como parece na teoria. Talvez na prática seja possível encontrar uma forma de fazer funcionar. Soa bizarro, eu sei, eu também teria muita dificuldade de assimilar uma coisa dessas. Mas eu sempre sou a primeira a dizer que uma pessoa é muito mais do que um corpo ou uma roupa e a dizer que minha prioridade para me relacionar com alguém não é corpo ou roupa. Seria contraditório ao menos não tentar.

Se pudéssemos dissociar com mais facilidade a idéia de que quem usa roupa do sexo oposto é homossexual, tudo ficaria mais fácil. Em uma sociedade onde fosse “autorizada” a vestimenta trocada sem que isso implique em presunção de homossexualidade, não nos chocaríamos tanto com o Crossdressing. A questão é social. Parece bacana desistir de uma pessoa que você ama por uma questão social?

Repito: não estou afirmando que é fácil, que é bonito e que tem que conseguir. Muito pelo contrário, eu mesma acho que não conseguiria no final das contas. Mas acho que tem que tentar. Pode ser que na prática a coisa não seja tão assustadora como parece. O que não pode é abrir mão de uma pessoa bacana, importante na sua vida, porque está chocado ou assustado demais para tentar.

Para dizer que em tese concorda comigo mas na pratica nem fodendo, para dizer que isso é “pura viadagem” ou outra generalização qualquer ou ainda para concluir que no final das contas, a marombeira é mais desapegada da aparência do que o intelectual: sally@desfavor.com

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