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Ele disse, ela disse: Um dilema espacial.

| Desfavor | | 68 comentários em Ele disse, ela disse: Um dilema espacial.

Em mais uma discussão de vital importância para a vida dos impopulares, Sally e Somir discordam sobre a reação adequada após um contato imediato de quarto grau. Sim, vamos discutir sobre abduções alienígenas.

Tema de hoje: Você contaria a alguém que foi abduzido?

SOMIR

Não. Minha vida não é domínio público e saber sobre ela é privilégio, não direito. Nunca senti um pingo de remorso por não dividir o que aconteceu ou deixou de acontecer comigo, as pessoas podem decidir que informações vão liberar sobre si mesmas e assumir as responsabilidades por essas escolhas. Eu sou partidário de intromissão mínima na vida alheia, então considero que tenho consistência nas minhas ações para definir essa política de “se abrir é para mulherzinha”.

Mas minha opinião não é apenas uma represália aos hippies emocionais, parto do princípio que é extremamente improvável que já tenhamos sido visitados por civilizações alienígenas durante nossa história (pelo menos que tenham sido registrados). Já escrevemos uma coluna sobre isso, e em resumo: É sim muito lógico que exista vida, até mesmo inteligente, em diversas outras localidades do universo conhecido, mas… Fazer a viagem tripulada entre uma civilização e outra já são outros quinhentos.

Distâncias absurdas, limite de velocidade fixo, radiação… A conquista do espaço provavelmente depende de um grande número de singularidades tecnológicas na história de uma espécie inteligente. A probabilidade de estarmos sendo monitorados e visitados não é tão generosa quanto a de existir vida alienígena.

A falta de material conclusivo (ver uma luz não significa que você reconheceu tecnologia oriunda de outro planeta) coletado até hoje corrobora com a hipótese que toda essa história de abduções seja mesmo fabricação da mente humana. Mesmo que não ocorra obrigatoriamente por má-fé.

E antes que alguém use a manobra Sally: “Mas não é possííííível?”. Sim, é possível. Mas numa discussão séria e científica, isso não tem tanto valor como as pessoas gostam de acreditar. Muitas coisas possíveis pelas leis da física simplesmente não são observadas. Atualmente, abdução é uma hipótese sem evidências claras e dependente de muitos fatores alheios ao nosso conhecimento. Até por isso eu tenho uma postura cautelosa com ufólogos… É muito positivo estudar algum assunto a fundo, mas é terrível a quantidade de conclusões forçadas e fantasiosas pipocando da comunidade (principalmente de quem tem um pé na cozinha do misticismo).

Não fiquei maluco ou esqueci sobre o que estava falando, estou conjecturando sobre a veracidade das abduções porque minha escolha no tema de hoje se baseia no conhecimento que acumulei. Não posso jogar fora tudo o que entendo sobre a realidade por causa de uma experiência pessoal. A imaginação e os sonhos estão aí para provar que vivenciar algo não tem obrigatoriedade nenhuma de se relacionar com a realidade.

Não tenho por política dizer que todo mundo que relata acontecimentos fantásticos em sua vida está mentindo, mas definitivamente faço pouco das explicações tiradas da cartola que abundam entre esses “escolhidos”. A experiência acumulada de anos tirando xerox num cubículo ou servindo mesas com certeza faz da pessoa capaz de reconhecer tecnologia inequivocadamente alienígena, certo?

Da forma como a mente humana funciona, uma alucinação bem disfarçada pelo subconsciente passa FÁCIL como verdade. Inúmeros fatores muito mais prováveis que o contato com alienígenas podem explicar uma experiência com abdução. E se eu trabalho com a hipótese de que pirei momentaneamente e acreditei ter visto alienígenas mexendo no meu corpo, do que me adianta ficar desabafando por aí? Alucinação não é coisa de gente que já perdeu a cabeça de vez, existem substâncias que fazem isso em questão de minutos, achar que precisa correr para um “psi-algumacoisa” depois de uma viagem dessas é a mesma coisa que desconfiar de pneumonia depois de tossir uma vez.

Não, valeu, prefiro me preservar. Até porque a pior parte de trilhar o caminho do ceticismo (com bom-senso) é a falta de companhia. Vai que eu conto para alguém que acredita de verdade que eu fui abduzido? Vai que essa porra estoura para o conhecimento público? Não quero ficar com a presunção de maluco por uma coisa que eu também acho maluquice! Até mesmo gente na qual você confia pode dar com a língua nos dentes, sem a menor má intenção… Pra quê colocar essa mina no próprio caminho?

Outra: Eu me sentiria um hipócrita irracional contando isso para alguém. Uma civilização com tecnologia suficiente para viajar pelas galáxias precisaria de uns dez minutos para mapear toda a nossa genética e cultura. Imaginem a relação entre uma pessoa e uma formiga… Você é a formiga. Que porra de espécie incompetente é essa que demora tanto para estudar a humanidade? Essa coisa de achar que alienígena é só alguém estranho numa nave é a mesma merda de achar que o Sol é uma entidade mágica. Humanos humanizando o que não entendem. Me recuso a ignorar a questão lógica, mesmo diante de percepções pessoais dissonantes.

Ah sim, e se eu vivenciasse algo muito parecido com os inúmeros filmes que vi, teria muita segurança em definir que fora apenas minha imaginação. Engraçado como todos os supostos abduzidos emulam experiências baseadas na cultura de massa vigente. As pessoas viam aliens verdes há algumas décadas, hoje só veem os cinzas.

Que tipo de pessoa seria eu ao defender racionalidade no dia-a-dia e de repente sair dizendo que fui abduzido? Eu não fico contando todos os meus sonhos (inclusive os acordados) para todo mundo. Minha imaginação é algo muito pessoal, e relativamente irrelevante para as pessoas que me cercam. É evasão de privacidade que pode deixar pessoas que gostam de você muito preocupadas… Eu lido melhor com isso, pode deixar.

E só para a turma do “acredito em tudo” não reclamar demais, vamos considerar por questão de argumento mesmo que eu tenha vivido a experiência e acreditado que só existia a explicação de ter sido rato de laboratório de E.T….

Pensa no pacote que vem no imaginário popular com abduções. Você quer mesmo que alguém fique te imaginando com um tubo de metal enfiado no cu enquanto homenzinhos cinzas espetam coisas no seu corpo? É vender a própria dignidade MUITO barato.

Enfiem a sonda anal no… ahem… isso não deu muito certo.

Para fazer algum discurso apaixonado que eu não vou respeitar (com bons motivos), para dizer que adora atenção e não perderia essa chance por nada, ou mesmo para dizer que mesmo se tivesse entendido metade do que eu escrevi, continuaria acreditando piamente em abduções: somir@desfavor.com

SALLY

Vamos prestar atenção na discussão de hoje. A pergunta é: se você fosse abduzido, contaria para ALGUÉM ou ficaria calado? Não estamos falando de ir no programa da Sonia Abrão desabafar, postar no Twitter, criar um álbum “minha abdução” em uma rede social nem compartilhar esta informação com seus vizinhos ou colegas de trabalho.

A dúvida é se você permaneceria absolutamente calado ou se desabafaria com alguém, ao menos uma pessoa de sua confiança. Desculpa mas eu não consigo esconder uma porra dessas proporções de alguém muito próximo e não acho nem que seja saudável guardar uma coisa dessas para si.

Não acho possível alguém passar por uma experiência dessas e ser capaz de se portar como se nada tivesse acontecido. Se é para ficar todo estranho, que ao menos as pessoas de sua confiança, que seja uma delas, saibam a razão. Uma abdução alienígena não deve ser um ato isolado do qual você se recupera no dia seguinte, deve deixar algum tipo de trauma ou mudar de alguma forma a sua vida.

Sim, é um risco. A pessoa pode, em princípio, achar que quem conta uma história dessas está surtando. Mas, se é uma pessoa que te conhece bem e confia em você, em algum ponto ela vai perceber que você está dizendo a verdade. Não acredito que seja possível digerir e elaborar uma história como essa sem conversar e desabafar com alguém, pois suponho que seja necessário algum apoio especial para tentar retomar a vida com normalidade. Nem que o desabafo seja com um psicanalista ou com um ufólogo, na tentativa de entender melhor o que aconteceu para poder poupar as pessoas próximas dos efeitos negativos que isso vai despertar em você.

Não sei até que ponto uma abdução pode ser considerada uma experiência pessoal, que só diz respeito ao abduzido. Eu me sentiria traída se uma pessoa com a qual tenho um relacionamento sólido (qualquer que seja: marido, pai, irmão…) não me conta uma porra dessas. Além de ficar ofendida pela falta de confiança, vamos combinar que é de bom tom informar que ET existe e é educado informar que eles estão na área.

Não contar é passar um recado muito claro: “não confio na sua capacidade de compreensão”. Fico magoada quando uma pessoa com a qual eu me importo não me acha confiável o suficiente para dividir um segredo importante. Valeria para qualquer outro segredo que me afetasse ou afetasse o relacionamento. Soa falta de confiança ou pior, soa como se você não fosse forte o bastante para lidar com isso. É como se você não tivesse estrutura emocional para ouvir aquela informação, daí ficam te protegendo como se faz com crianças quando o cachorro de estimação morre: “Ele foi para o sítio…”.

Isso sem falar do pequeno detalhe de que a experiência pode se repetir. Se eu sou um imã de ETs, acho que as pessoas ao meu lado tem o direito de saber dessa minha propensão para ir passear em nave espacial para, querendo, se afastar de mim por medo ou precaução. Acho que seria até uma questão de preocupação com a segurança de quem está ao meu lado. Abduz Eu! Mas deixa meus entes queridos em paz.

Quando eu digo “contar”, não quero dizer contar nos mínimos detalhes, principalmente se esses detalhes forem humilhantes e envolverem a tão temida sonda anal. A pessoa não precisa narrar o passo a passo da sua abdução, basta narrar que passou por uma experiência desse gênero e pronto. Basta para demonstrar confiança e transparência na relação. E se você tem medo de que a pessoa não acredite em você, bela merda de relação baseada na confiança que você tem. Não contar por medo de ser desacreditado é ainda pior do que não contar por causa da sonda anal.

Quando o problema se apresenta em tese, como um simples “conta ou não conta?” as pessoas podem presumir erroneamente que se tratará de um ato único, isolado. Mas na verdade, esta mentira vai virar uma bola de neve que demandará uma série de outras mentiras.

Será preciso explicar eventuais reações de medo, dificuldade para dormir, sustos, estresse pós-traumático e tantas outras seqüelas que uma pessoa que conviva com você, a qualquer título perceberá. O máximo que você vai conseguir não contando é a presunção de que está usando drogas se morar com seus pais ou que está traindo se morar com seu parceiro, ou seja, em vez do apoio necessário.

Dependendo do caso e dependendo para quem se conte, a pessoa pode ser de muita valia para ajudar a superar o trauma ou o problema. Chega dessa merda de auto-suficiência, porque ser humano foi feito para conversar com ser humano. Achar que pode superar sozinho um baque desse tamanho é arrogância. Achar que pode esconder com perfeição qualquer conseqüência de algo tão bizarro também. E achar que pode dizer a alguém “aconteceu uma coisa mas não quero te contar o que é” é ser muito do escroto. Isso não se faz.

Para perguntar se videocolonoscopia conta como sonda anal, para desabafar e contar que já foi abduzido esperando por afeto nos comentários ou ainda para prometer que se você for abduzido vai escrever um Desfavor Convidado e mandar para a gente: sally@desfavor.com

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