Skip to main content

Colunas

Arquivos

Ele disse, ela disse: Deus lhe pague.

| Desfavor | | 67 comentários em Ele disse, ela disse: Deus lhe pague.

eded_deuslhepague

Pessoas cedem suas posses e riquezas para inúmeras religiões desde… bom, desde que elas existem. Sally e Somir concordam que isso é péssimo, mas discordam sobre… os direitos do consumidor… envolvidos no caso. A discussão desta coluna parte da premissa que um fiel perceba que está sendo enganado e exija seu dinheiro de volta. Os impopulares fazem sua contribuição.

Tema de hoje: O Judiciário deve condenar uma igreja a devolver o dinheiro de um ex-fiel?

SOMIR

Não. Apesar de achar que religião é atraso e torcer pelo dia no qual a humanidade vai se livrar desse parasita social e intelectual, não dá para se guiar apenas por simpatia ou antipatia em relação a um tema. O processo de entregar o dinheiro para uma igreja e/ou representante dela é muito semelhante com vários outros tipos de negócios devidamente regulamentados. E é aí que as coisas ficam complexas…

Você pode considerar uma igreja como um negócio ou como uma instituição sem fins lucrativos. E em ambos os casos, não faz sentido devolver o dinheiro dos fiéis insatisfeitos ou mesmo dos ex-fiéis que finalmente perceberam que a merda fede… Pessoalmente, eu me guio pela ideia de que é um negócio. Mas vou argumentar pelos dois lados.

Mas como é de costume, primeiro os negócios:

Se você tiver o distanciamento necessário do conto-de-fadas contado pelas religiões, percebe como igreja é um negócio. E um com fins lucrativos, tendo em vista a quantidade assustadora de recursos amealhados pelos líderes evangélicos, o luxo e a ostentação de instituições como a ICAR… Isso só para ficar no “bloco cristão” tão famoso por essas bandas. Sim, eu sei que eles gozam de uma duvidosa isenção fiscal pela função social, sei que são espertos o suficiente para chamar tudo de doação, mas… sejamos honestos: É um negócio.

E um negócio se baseia em entregar valor para o cliente em troca de uma compensação financeira. Pode-se vender um produto, que é algo quantificável, estocável, utilizável… como uma televisão, por exemplo. Mas existe uma outra categoria de “valor” que também pode ser vendida: Serviços. Desde uma oficina mecânica até um salão de beleza, todos vendem serviços. Vendem algo que não se pode estocar ou usar quando quiser… Por isso em marketing se diz que o serviço é imediato. Ele tem valor enquanto é prestado. Você não pode guardar um corte de cabelo dentro da gaveta até precisar dele, não é mesmo?

E apesar dos inúmeros produtos que as igrejas enfiam goela abaixo de seus fiéis, tais como óleos sagrados, velas, crucifixos e discos de música horrível; o grande negócio de uma igreja é vender um serviço: a sua salvação. Ou, em termos mais corretos de um ponto de vista mercadológico: auto-ajuda. O cidadão ou cidadã vai até a igreja e doa seu suado dinheirinho na esperança de encontrar significado ou rumo para sua vida, para lidar com momentos difíceis, para ouvir uma palavra de apoio…

Fazer uma igreja devolver o dinheiro de um fiel que pagou para se sentir melhor com sua vida depois que esse percebe que tudo não passa de asneira é mais ou menos como fazer um palestrante cretino qualquer devolver o dinheiro para quem percebeu que seu plano de sei lá quantas etapas para a felicidade não passa de obviedades estruturadas de forma arbitrária. Gostando ou não, o serviço da igreja ou a palestra do babaca da auto-ajuda é imediato, vale enquanto é prestado. A pessoa não paga pelos resultados, ela paga para “estar lá”.

Pode-se argumentar que não é justo que pessoas possam vender auto-ajuda sem a certeza de que suas palavras vão ajudar, mas isso significaria eliminar qualquer modalidade de serviço que se baseie em disseminar conhecimento. Até mesmo escolas particulares! Foda-se que o papo da igreja é invencionice barata, eles são o lado ruim de uma liberdade de “venda” que nos permite coisas muito boas. Serviços são imediatos: A pessoa não paga pelo o que vai acontecer no futuro.

Pode-se argumentar também que muitos dos problemas que as pessoas tentam resolver com religião foram criados pela religião para começo de conversa. Sinto informar que publicidade é basicamente isso: Convencer a pessoa que ela precisa de algo, mesmo que ela não precise. A religião pode até ter popularizado o conceito, mas passa longe de ser a única a fazer isso. Precisaríamos de uma revolução social completa para nos livrarmos desse círculo vicioso de “oferta DE demanda”. Vamos punir SÓ a igreja? Eles ficam muito mais poderosos quando conseguem se vitimizar. Seria jogar contra a causa.

E, porra, onde fica a responsabilidade pessoal? Sei que é escroto negar o ressarcimento financeiro a uma pessoa que finalmente caiu em si sobre religião, mas ela comprou um serviço no qual acreditava na época. Poderia uma madame pegar seu dinheiro de volta da Louis Vuitton ao perceber que ostentação é coisa de gente retardada? É azar, mas sorte também. A vitória é se livrar da estupidez, não vamos considerar que isso é pouca coisa.

As pessoas tem o sagrado direito de mudar de opinião JUSTAMENTE porque isso altera suas decisões A PARTIR da mudança. Imagina o terror que seria se todo mundo que compra algo pudesse mudar de ideia e exigir o dinheiro de volta anos e anos depois? Ou pior, exigir o dinheiro de volta depois de consumir um serviço e decidir que ele não era importante? Existe prazo para arrependimento nas relações comerciais por um motivo… Na vida real não tem “save point”. Fez? Lida com isso.

Até porque com raras exceções, dinheiro dado para igreja não gera nota fiscal. Como se prova DE VERDADE que o dinheiro que a pessoa alega ter dado realmente foi entregue a igreja? Não tem nem recibo para dízimo, e adivinha como igreja enche o rabo de dinheiro? Eles demonstram seus recebimentos para manter as isenções fiscais COMO e QUANDO querem, ninguém corre atrás. Aparentemente é pecado desconfiar da idoneidade de liderança religiosa… E podem me xingar por isso, mas vai ter muito esperto alegando que doou mais do que realmente fez se abrirem essa porteira. As ovelhas vão se sentir ainda mais isoladas, os pastores e padres vão entrar em modo de emergência explorando ainda mais os pobres coitados que ainda acreditam em tudo que ouvem… E eles vão ter motivo sólido para alegar que qualquer um fora de sua fé é podre e desonesto. CUSTA não fortalecê-los?

Pode se ter uma visão crítica da religião sem perder a capacidade de entender a lógica das relações de consumo. Infelizmente as igrejas estão inseridas dentro de um conceito de mercado que vai muito além de suas promessas fantasiosas… elas vendem algo. E além disso, o simples fato de devolver o dinheiro de alguém que considerou o serviço algo sem valor acaba VALIDANDO o serviço prestado a pessoas que não pediram reembolso. Oras, se pode-se definir se o serviço de uma igreja através da satisfação de seus consumidores, pode-se definir que existe mérito CONCRETO nas afirmações que as religiões fazem. É um “Deus existe” por sentença judicial. E o Estado é laico.

O conceito de salvação religiosa tem que ser subjetivo. Infelizmente… Essa porra está infiltrada fundo demais na nossa sociedade para ser atacada dessa forma. E olha que eu estou escrevendo isso mesmo tendo visto este link. Religião como conceito se combate com educação e aumento da qualidade de vida da população. Ninguém disse que teria um atalho…

Ah, e se você acha que a igreja não é um negócio, mais fácil ainda: Doação não é compra. Inclusive é assim que as igrejas se defendem: “Prova que eu te enganei, prova o quanto você doou, prova…”

O mundo não é do jeito que a gente gostaria, e solução “mágica” sempre dá merda. MESMO transformando igrejas em empresas com fins lucrativos sob os olhos da lei, ainda seria muito mais complexo do que simplesmente vingar os pobres iludidos…

Para pedir seu dinheiro de volta por não concordar com meu texto, para dizer que eu vou ser expulso do clubinho dos ateus, ou mesmo para dizer que prefere sempre ir com a advogada numa questão dessas: somir@desfavor.com

SALLY

Não é invenção nossa, um processo judicial com este pedido inspirou o tema de hoje: o Judiciário deve condenar uma igreja a devolver a quantia doada por fiéis que percebam terem sido enganados? SIM, PORRA! Que bom seria se isso acontecesse sempre!

Vamos lá. A pessoa foi inocente o bastante para acreditar nas historinhas babacas de um pastor qualquer, para comprar um pedacinho do céu, o tijolinho da prosperidade ou o que mais exista em matéria de estelionato religioso por aí. Ela gastou dinheiro em troca de um benefício prometido que nunca vai ter e que quem o prometeu sabia ser falso. Esta é por excelência a definição do crime de estelionato, artigo 171 do Código Penal. Com isso quero dizer que a legislação repudia esta conduta, a ponto de tratá-la no mais rigoroso dos Códigos: o Código Penal, “ultima ratio” (último recurso) onde só entram condutas tão reprováveis, mas tão reprováveis que justificam tirar o autor do convívio social e pendê-lo.

Daí se percebe que esta conduta é uma coisa grave, é uma coisa socialmente reprovável. Se um dia a pessoa que doou dinheiro consegue reverter seu quadro de cegueira, parar e questionar, perceber que aquilo foi uma enganação, nada mais justo que possa reaver o dinheiro que tomaram dela enganando-a. É assim com qualquer outro caso de pessoas enganadas: se você dá a um criador de cavalos uma quantia X em troca de um cavalo reprodutor premiado e ele te entrega uma mula, ou pior, nem te entrega nada, você pode recorrer ao Judiciário para reaver seu dinheiro. Porque não poderia quando entrega seu dinheiro a um pastor em troca de um benefício que nunca chegará?

Acho um puta mérito estar imerso nesse contexto de religião que arranca dinheiro de fiel como premissa e conseguir, sozinho, questionar e sair dele. Não é algo fácil de fazer, é assustador e esses pastores fazem várias ameaças veladas de como a vida da pessoa vai ser desgraçada se a pessoa “virar as costas para Deus”, ou seja, se a pessoa parar de dar dinheiro ao pastor. Assusta. Dá medo. É mérito que alguém rompa com isso e quando o faz merece ser recompensado, ressarcido dos prejuízos que tomou.

Quem teve a capacidade de parar, pensar, questionar e a coragem de admitir que foi feito de otário, de que se enganou, merece ser premiado. Quem sabe isso não seria um estímulo para que as pessoas reflitam um pouco mais sobre os resultados prometidos pelos pastores x os resultados alcançados? Não é uma discussão sobre Deus ou religião, é uma discussão sobre estelionato: pastor que arranca dinheiro de fiel na base da mentira, manipulação e ameaça.

Essas igrejas que arrancam dinheiro de fiel não vem tratando seus fiéis como clientes, vendendo produtos? Então que sejam tratados como relação de consumo mesmo, que responsam por propaganda enganosa, que sejam obrigados a devolver o dinheiro da pessoa se o Tijolinho da Prosperidade não enriquecer o fiel em seis meses! Garanto que depois que meia dúzia começar a pedir o dinheiro de volta vão tomar mais cuidado com o que prometem e vão pensar melhor antes de enganar, manipular e ameaçar.

“Mas Sally, quem é otário merece se foder”. Eu quero viver em um mundo no qual explorar a vulnerabilidade das pessoas seja crime e você também deveria querer. “Mas Sally, a pessoa doou porque quis!” Sim, mas doou enganada achando que teria algum benefício com isso, mesmo que o benefício fosse apenas ajudar uma igreja honesta que estivesse fazendo um mundo melhor. Ao descobrir que seu dinheiro virou um iate para fazer a vida do pastor melhor, tem todo o direito de pedir o dinheiro de volta.

Imagina se cada fiel que caiu em si e começou a raciocinar quiser de volta todo o dinheiro doado? Seria muito engraçado, inclusive muitas igrejas teriam até que fechar as portas. Acho que seria um belo freio para essa máfia, essa indústria de Cristo: abrir uma igreja para explorar a ignorância das pessoas e tomar dinheiro delas deixaria de ser uma mina de ouro, um dinheiro fácil e passaria a ser um negócio arriscado.

Eu chego a apostar que muita gente não joga tudo para o alto e abre mão da sua religião porque não conseguiria viver com a raiva de ter perdido tanto dinheiro para um bando de filho da puta. A pessoa não quer ser otária aos olhos da sociedade ou não quer admitir isso para si mesma. Se ela pudesse recuperar seu dinheiro doado, ela não sairia como otária daquela religião, ficaria mais fácil se libertar, afinal, a pessoa estaria mais para a categoria “se deu bem”, ganhou uma bolada!

Ser pastor e tomar dinheiro de gente desesperada e ignorante está virando profissão, é hora do direito intervir, pois a coisa está tomando proporções enormes e já pode ser classificada como um problema social. Percebam que o problema não é religião nem sem pastor, é ser pastor e explorar a vulnerabilidade das pessoas tomando dinheiro delas, vendendo milagres que não existem. Gente assim não pode ficar impune. Vai fazer o que? Vai prender? Adianta alguma coisa prender? Tem que bater onde dói para desmantelar essa quadrilha de filhos da puta exploradores sem caráter: no bolso.

Sim, em um mundo ideal as pessoas teriam o discernimento de ver trocentos vídeos de pastores admitindo que é estelionato, rolando no dinheiro e chamando os fiéis de otários e perceber que é uma furada. Mas infelizmente não acontece. Infelizmente as pessoas são tão vulneráveis que se agarram a uma esperança de melhora de vida e nada é capaz de abrir seus olhos. O Judiciário vai fazer o que? E vamos combinar, quem nunca agiu de forma idiota aqui? Quem nunca tomou um golpe? Quando é com a gente, queremos reaver nosso prejuízo e quando é com os outros tem que deixar se foder?

Mesmo que você não concorde com nada do que eu estou falando, pense apenas na consequência: pastores estelionatários perdendo dinheiro. Seria ou não seria um mundo melhor? Igrejas que exploram vulneráveis tomando prejuízo, fechando as portas. Carros importados, lanchas e apartamentos de pastores estelionatários sendo leiloados para indenizar pessoas enganadas. Sim, Querido Leitor, um mundo melhor.

Não interessa se a pessoa enganada foi idiota. Não pode tirar proveito de ninguém. Não pode aplicar golpe em ninguém. O critério não é avaliado conforme o QI da vítima e sim conforme o ato do autor. Tirou dinheiro de uma pessoa prometendo algo que sabia ser mentira? Deveria ser obrigado a devolver. Caso contrário, sabe como os pastores vão pensar? “Vamos mentir à vontade, tomar dinheiro à vontade, o pior que pode acontecer é a pessoa desistir e ir embora”. Não! O pior que pode acontecer tem que ser a obrigação de devolver o dinheiro, para, quem sabe, desencorajar a exploração do povo.

Para dizer que o Tijolinho da Prosperidade funciona, para dizer que o Martelinho Ungido não falha ou ainda para dizer que é tudo inveja dos ateus: sally@desfavor.com

Comentários (67)

Deixe um comentário para cherryB. Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.