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Ele disse, ela disse: Dando o sangue.

| Desfavor | | 86 comentários em Ele disse, ela disse: Dando o sangue.

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Os fiéis da denominação cristã Testemunhas de Jeová seguem um conjunto de regras que proíbe transfusões de sangue. Transfusões de sangue podem ser a diferença entre viver e morrer em inúmeros casos na medicina. Junte as duas coisas e temos o impasse desta coluna. Os impopulares injetam sangue novo na discussão.

Tema de hoje: Um médico deve fazer transfusão de sangue para a salvar a vida de uma Testemunha de Jeová?

SOMIR

Sim. Eu enxergo este tema como uma extensão daquele sobre devolver dinheiro dos fiéis ocorrida há algumas semanas atrás. E apesar de ter sido contra naquela ocasião, estou sendo coerente dizendo sim desta vez: O “elemento real” passa por cima de qualquer vontade ou ideia fantasiosa. Se naquele caso eu considerei a transação financeira como mais sólida do que a expectativa imaginária do religioso, dessa vez coloco o dever do médico acima da insanidade do paciente.

Como, de fato, é aceito como razoável em todos os casos onde o paciente não tem uma justificativa socialmente aceitável para sua incapacidade de compreender a realidade. Se uma pessoa aparece dizendo que não aceita transfusão de sangue por coerência com qualquer outra obra de ficção que não escrituras sagradas de qualquer religião, o médico seria execrado por dar ouvidos a alguém claramente fora do controle de suas faculdades mentais…

O médico – especialmente o plantonista de emergência – tem uma função social muito bem definida: Utilizar seus conhecimentos para salvar vidas. Eles não são pagos para fazer análises complexas sobre a natureza humana, eles normalmente mal tem tempo de fazer um serviço decente, imagina só colocar esse peso escroto de ter que fazer escolhas sobre o desejo do paciente em sobreviver ou não. Médicos salvam a vida de suicidas incompetentes todos os dias!

Tudo bem que ninguém é robô para ter só uma função repetitiva, mas essa coisa de especialização é uma das bases do sucesso da sociedade como um todo. Cada um na sua atribuição. Médicos salvam vidas… isso tem que ser o básico. Não importa quem está na frente deles, não é a função primária deles decidir mérito na vida de quem cuidam. Sei que a Lei permite que Testemunhas de Jeová escolham o elevado risco de morte oriundo da recusa de fazer transfusões, mas não estamos discutindo se leis existem ou não. Estamos indo além. Leis estão erradas se produzem absurdos, e apesar do direito à crença religiosa existir, o direito à vida é algo ainda mais básico.

E como a própria Constituição diz:

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa(…)

Apesar de ainda acreditar que no futuro a Fé estará devidamente cadastrada no CID e teremos tratamento, não estou falando apenas da maluquice de arriscar a vida por causa da interpretação “analfabeto-funcional” de uma passagem aleatória de um livro sagrado escrito (e reescrito inúmeras vezes) por ignorantes e estelionatários… Estou falando do absurdo que é dar chancela legal para alguém dispor da vida de seres humanos para se conformar a qualquer ideologia.

Se você sacrificar uma pessoa no Brasil (ou em 99% do mundo civilizado), não importa a porra da religião que você alega para o juiz, você é um assassino. Pode dizer que foi Jesus que te disse para matá-la num altar, na melhor das hipóteses a pessoa sai com sentença judicial de insanidade. Foda-se o direito à crença religiosa quando comparado com o direito à vida. Esse absurdo da transfusão de sangue só existe porque o Brasil abre as pernas para religiosos (quem mais vota e faz filho…): Se você for do Santo Daime, por exemplo, é legal produzir e consumir drogas!

A vida vem em primeiro lugar. E olha que eu sou a favor da legalização do suicídio e da eutanásia… Tem diferença porque são escolhas pessoais com resultados conhecidos pelos praticantes. A pessoa está se matando sabendo que vai morrer. A Testemunha de Jeová acredita que pode se safar de uma condição claramente desvantajosa se recusando a ser tratada da forma adequada. Isso é dar poder de decisão adulto para crianças!

Um médico poderia deixar um paciente tomar veneno se o paciente acreditasse piamente que o frasco contém suco de fruta? Tem um ponto onde as pessoas com noção mais apurada da realidade tem que colocar limite em quem está claramente perdido! Até pelo sagrado direito de arrependimento… A pessoa que se recusa a ser salva num momento poderia muito bem mudar de ideia pouco tempo depois. Nem digo deixar de ser religiosa, mas mudar de denominação e escolher uma que não tente matar seus fiéis tão descaradamente.

Escrotíssimo jogar na mão do médico – alguém que tem o dever de cuidar e sempre que possível salvar vidas – a responsabilidade de condenar alguém à morte por causa de capricho e/ou insanidade temporária. Muito se engana quem acha que a Testemunha de Jeová está chamando para si essa responsabilidade, eles estão apenas a empurrando para um ser imaginário. O médico deve abstrair dessas particularidades do contratos alheios… ele está lá para salvar vidas, não para segurar a bronca de decidir quem pode ou não viver. Ninguém paga para eles fazerem isso. E mesmo que pagasse, pouca gente MERECE um poder desses.

Tem que fazer a transfusão sim. Essa é a porra do trabalho do médico… Se vão processar ou não depois, azar. Isso sempre pode acontecer, mesmo com pacientes que não eram Testemunhas de Jeová. Repetindo: Não é a mesma coisa que eutanásia… a pessoa não está pedindo para morrer, a pessoa está num hospital esperando tratamento médico. O médico está liberado para fazer tudo que não envolva transfusão de sangue, oras.

Você quer viver num mundo onde médicos não toquem o foda-se para questões como essas e salvem a vida das pessoas sempre que puderem? Eu não aceito botar mais um empecilho na já complicada vida de médicos de emergência só para agradar um bando de fanáticos. Ou acredita no direito à vida ou não, não tem meio termo. Considerar a escolha de se recusar a receber um tratamento médico arbitrariamente por questões religiosas é bater palma para maluco dançar.

E nem sonhem em achar que a morte de Testemunhas de Jeová tenha qualquer aspecto educativo para os outros: Tragédias NUNCA tiram as pessoas da religião, racionalidade sim. De uma certa forma, religião é meio time de futebol… você não começa a torcer por outro quando o seu perde. Ou você nunca ligou para isso, ou você perde o interesse.

Se não quiser transfusão, morra em casa. Pelo menos é uma escolha consciente.

Para dizer que assim que eu passar no exame da OAB você se importa com minha visão sobre as leis, para dizer que salvar o mundo de religiosos é mais importante do que salvar os religiosos, ou mesmo para reclamar que é religioso e não se acha maluco (nenhum maluco se acha): somir@desfavor.com

SALLY

Atenção ao tema proposto: Focando apenas na sua opinião pessoal, um médico deve fazer uma transfusão de sangue em um adulto Testemunha de Jeová se ele estiver inconsciente e esta for a única forma de salvar sua vida, ainda que seja público e notório que ele não quer esta transfusão?

É sabido que os adeptos desta religião se recusam a receber transfusão de sangue e por lei eles têm esse direito. Se o médico tiver conhecimento de que se trata de um paciente Testemunha de Jeová ele sabe que automaticamente esta pessoa não quer receber sangue. Supondo que ele fale com a família e a família mostre um documento assinado no qual o paciente pede expressamente para não receber transfusão e supondo que esse paciente seja maior de idade e mentalmente capaz… eu acho que o médico não tem que fazer a transfusão.

Se a própria pessoa tornou público de forma inequívoca que pertence a um grupo no qual é proibido receber uma transfusão de sangue, quem o médico pensa que é para passar por cima dessa decisão? Vai se complicar a toa. Já vi médicos processados e até mesmo com sua licença caçada por ter feito transfusão em Testemunha de Jeová por conta própria, sem acessar o Judiciário para conseguir autorização. O elemento que recebeu a transfusão disse que o médico havia “arruinado sua vida” e que por causa da transfusão estaria “condenado”. Tem cabimento se encrencar assim, correr o risco de não poder mais exercer sua profissão, para salvar uma pessoa com essa mentalidade? Delega, deixa que Deus salve. E se não salvar, bem, era essa “vontade divina”.

Não vou discutir a questão da escolha. É idiota não querer receber uma transfusão? Sim, demais da conta. Mas é escolha da pessoa, as pessoas tem o sagrado direito de escolherem ser idiotas. Se ela quer ser uma fanática e egoísta com todos que a cercam (não é só a pessoa que morre, é uma mãe que fica sem um filho, é um filho que fica sem um pai, etc.) azar o dela. O médico que largue esse paciente e vá atender outro que fez por onde querer viver! E pensar que ainda tem médicos que acabam fazendo a transfusão escondida… tremendo desfavor! Daí paciente e família ficam achando que aquele Deus operou um milagre e que fizeram muito bem em seguir essa religião.

Atentem para o fato que excluímos as crianças da pergunta, porque uma criança não pode ser penalizada (muito menos com a própria vida) pela imbecilidade de seus pais. Se uma criança precisa de transfusão de sangue para não morrer e os pais tentarem proibir por motivos religiosos, não apenas tem que fazer a transfusão como o Ministério Público deve ser notificado pois não me parece que esse pais sejam bons tomadores de decisões para essa criança.

Mas porra, sendo uma pessoa adulta e fazendo esta escolha, sinceramente, não tem o que fazer. Deixa o Deus dela salvar, pois se salvar com transfusão periga escutar que arruinou a vida da pessoa, . Já vi casos de pessoas que receberam sangue contra sua vontade e se sentiram “condenadas” a vida toda, dizendo que preferiam ter morrido. Não tem dilema algum: a pessoa deixou claro de forma inequívoca quando estava consciente que não desejava uma transfusão, logo, não deve ser dada uma transfusão. Se morrer, é responsabilidade do paciente, da família do paciente ou de Deus, não do médico. Médicos: lidem com isso, tem gente que se coloca em risco de morte e a pessoa tem esse direito.

Deixa um choque de realidade cair na cabeça da família. Vai se arriscar por uma pessoa que provavelmente vai te processar e ainda vai te acusar de ter arruinado sua vida depois? Vai colocar sua profissão em risco por alguém que optou conscientemente por recusar um procedimento que poderia salvar a sua vida?

Escolhas tem consequências. Escolhas idiotas costumam ter consequências sérias. Escolhas idiotas envolvendo procedimentos de saúde costumam ter consequências seríssimas. Só porque a consequência é séria não quer dizer que a pessoa não mereça passar por ela. Merece. Quem faz esse tipo de escolha o faz sabendo das consequências e deve pagar por elas.

Tem até um caráter didático: quem sabe assim as pessoas percebem que Deus quer te salvar mandando bons médicos para você. Quem sabe assim as pessoas percebem que não vale a pena virar as costas para a ciência. E, para o médicos, quer salvar alguém? Salve uma criança que está nas ruas, interne um viciado que está prestes a se matar de overdose, sei lá, procure pessoas que realmente queiram a sua ajuda. Gastar energia com quem vai achar sua ajuda uma maldição não é uma boa escolha.

O limite de atuação do médico está na lei. E a lei garante o direito a se recusar a receber transfusão de sangue. Por mais nobre que pareça o ato de fazer uma transfusão na marra, ele viola a lei. Lei é para ser respeitada.

Para me explicar com detalhes religiosos que eu não quero saber os motivos da transfusão ser ruim, para dizer que não apenas não tem que fazer a transfusão como também tem que deixar claro para a família que morreu por não receber a transfusão ou ainda para dizer que Darwin curtiu este texto: sally@desfavor.com

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