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Ele disse, ela disse: O chespírito da coisa.

| Somir | | 37 comentários em Ele disse, ela disse: O chespírito da coisa.

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O bom de títulos assim é que ninguém acha na pesquisa depois… De qualquer forma, hoje Sally e Somir discutem sobre as criações de Roberto Gómez Bolaños, cada qual com sua série predileta. Os impopulares estão convidados a dar sua opinião.

Tema de hoje: Qual a melhor série, Chaves ou Chapolin?

SOMIR

Gosto das duas, cada qual com sua graça. Mas se fosse para escolher só uma: Chapolin Colorado! Sim, previsível que eu escolha o lado menos popular, mas não é só a menor exposição da série que me cativa nessa escolha… Chapolin é mais série e Chaves é mais… novela.

E quando digo isso, não entendam como uma ofensa à série do Chaves, Seu Madruga e cia., é só uma constatação sobre a estrutura e os estilos de histórias contadas. Séries costumam ser obrigadas a colocar muito mais conteúdo em cada um dos seus episódios, ao passo que novelas podem lidar com mera encheção de linguiça sem maiores problemas. Além disso, em séries temos menos personagens recorrentes…

No Chapolin, temos basicamente a personagem principal e a história que acontece ao redor dele. No Chaves existe um personagem central, mas vários outros que exigem… tempo de tela… no meio das histórias. Se por um lado isso permite personagens antológicas como o Seu Madruga, às vezes cansa quando passa-se muito tempo longe das figuras realmente engraçadas da série. Chaves se assemelha a uma novela no sentido de que dá para dormir por metade do tempo, acordar e ainda saber o que está acontecendo.

Chapolin nem tanto. É uma narrativa mais caprichada baseada em exposição e “entrega”. As piadas são preparadas por cenas anteriores, as situações malucas vão criando o humor. Quanto melhor você acompanha, mais entende as piadas e os “mimos” que os redatores deixaram para uma audiência mais adulta. Além disso, como os outros excelentes atores humorísticos da trupe não tinham personagens fixas, eles podiam construir outros tipos e depender MUITO menos de bordões. Eles tinham que fazer a personagem engraçada e memorável através da história.

E precisamos definir algo agora: As duas séries são infantis. Por mais que você ainda goste delas, elas foram planejadas para crianças. E não adianta usar o argumento do politicamente correto, no tempo e no lugar onde elas foram concebidas, esse tipo de humor não era nada demais. Essa era de chororô com bullying não se assemelha em nada com o que passava por humor sadio nos anos 70 e 80. Chaves e Chapolim não são ousados, nossa sociedade atual que é uma viadagem…

Como as piadas de ambas as séries são muito bem boladas, perduram até hoje com o público que cresceu assistindo. Ponto para Chespirito, redatores e os atores que as fizeram. Mas as duas são séries para crianças. As pessoas tem mania de achar significados secretos para justificar seus gostos mais… infantis, mas isso não muda a realidade.

No Chaves, a proposta é clara: O mundo na visão das crianças. Os adultos são todos caricatos, exibindo características típicas que ficam acentuadas sob a ótica de uma criança. Todos comicamente austeros, apesar da incoerência de suas atitudes. No Chapolin, é uma história “atenuada” para crianças, mas lidando com temas pesados como criminosos e violência bem menos inocente. Os episódios começam com a preparação da história, a chegada do herói, o desenvolvimento da trama, a exposição do vilão… até chegar ao clímax (sempre positivo, é para crianças, oras!). Chapolin ensina as crianças a entender uma estrutura narrativa que vão encontrar seguidas vezes no decorrer da vida.

E nesse contexto “infantil”, Chapolin é bem mais ousado que Chaves. Na época, Chespirito criou um herói que ia na contramão dos heróis americanos, todos perfeitos e infalíveis. Todos floquinhos de neve especiais que se deram bem na vida por causa de uma vantagem inata… Mas Chapolin não… Chapolin era pobre, feio, burro, fraco, covarde… E ainda sim dava conta do recado, mais na sorte do que no juízo. Tem uma crítica social das grandes aí dentro. Hoje em dia é comum subverter esse conceito de super herói para fazer uma piada, mas quando Chapolin foi lançado, não era bem assim.

Já parou para pensar como os heróis americanos da época nunca dependiam exclusivamente de trabalho duro e dedicação? Alguns nasciam com os poderes (americanos nascem no país certo), alguns nasciam ricos (capitalismo é a resposta), e outros eram modificados pelo governo para virarem heróis (o governo vai cuidar de você). Chespirito queria fazer um herói fora da máquina de propaganda ianque.

E mesmo que ambas as séries se caracterizem pelos hilários (d)efeitos especiais, eles saltavam mais aos olhos justamente no Chapolin, justamente porque era a série que se arriscava mais, que tinha bolas de fazer uma cena em “Júpiter” com asteróides de isopor, e se ficar divertido, está de bom tamanho! Isso é se importar mais com contar uma história do que com limitações, isso é a alma do que é uma série como Chapolin. Não ficar glorificando o que está errado e usar como desculpa, é o herói do “possível”.

Ah sim, estou evitando falar dos bordões propositadamente. Esse é o estilo de humor do Chespirito e é óbvio que seria assim. Poderia ficar apelando para a nostalgia para cativar os leitores e enfrentar melhor o texto de Sally, mas eu gosto de ganhar jogando bonito. Ou vai na argumentação, ou não vai… Você provavelmente vai se lembrar da maioria deles e se for meio tonto como eu, ainda deve usá-los de vez em quando. Essa é a força de uma personagem bem desenvolvida… E é o bastante por aqui.

E vamos nos lembrar do que estamos discutindo: Qual a série melhor. Não é a série que passou mais na TV ou a que é mais fácil de assistir repetidas vezes, é a MELHOR série. A mais bem trabalhada, a mais “arriscada”, a que tem mais elementos criativos… Chaves é novela (uma que eu gosto), Chapolin é série.

E se você só quer ficar relembrando bordões e momentos, divirta-se. Mas lembrem-se que isso não é um argumento em si. O que passa mais se lembra mais… Sigam-me os bons!

Para dizer que esse monte de texto não esconde minha pose de hipster, para reclamar que eu não escrevi o bordão que você gostava, ou mesmo para dizer que eu perdi quando lembrei a todos que as duas séries são para crianças: somir@desfavor.com

SALLY

Tema bom, bonito e barato: Quem é melhor, no sentido do programa em si, Chaves ou Chapolin? Atentem para o fato de que escolhendo um não estão dizendo automaticamente que não gostam do outro. É perfeitamente normal gostar de ambos mas ter um favorito. No caso, meu favorito é o Chaves, acho o programa melhor do que Chapolin.

Eu poderia usar um único argumento: Chaves tem o Seu Madruga. Mas pelo amor ao debate, vou desenvolver. Chaves é o último bastião de liberdade da TV aberta. Dentro da minha escala de valores, isso é algo muito valioso que o coloca à frente de Chapolin. Chaves se permite ser tudo que é, por ser humor.

Pense rápido e me diga o nome de três personagens do Chaves! Aposto que todos que conhecem o programa lembraram. Agora me diga três personagens do Chapolin… Pois é, todos os personagens do Chaves são praticamente personagens principais e todos marcaram o programa, enquanto no Chapolin excelentes atores são usados como meros coadjuvantes, sem oportunidade de explorar todo seu potencial. Muitas pessoas inclusive assistem e gostam de Chaves mais pelos personagens “secundários” do que pelo próprio Chaves, dá para se identificar com pelo menos meia dúzia deles.

Chaves tem todo um contexto social, uma reprodução de uma mini-sociedade onde fica quase impossível não encontrar personagens com os quais não nos identifiquemos ou identifiquemos pessoas que nos cercam. Chaves tem, em certa medida, uma pitada de crítica social, uma verdade dolorosa, uma identificação. A construção dos personagens (me recuso a usar no feminino, acho feio “a personagem”) é muito mais rica no Chaves, a continuidade da história de cada um deles, as tramas paralelas, tudo é mais bem amarrado. No Chapolin tudo gira em torno do bem contra o mal e de três ou quatro bordões dele, mais previsível e mais repetitivo.

Outro ponto muito importante (ao menos para mim) é que Chaves é muito mais divertido, não tem medo de fazer humor: Seu Madruga bate em crianças, uma idosa (Bruxa do 71) é esculhambada, chamada de baranga e outros termos pejorativos, calote é colocado como algo engraçado e tolerável, vide Seu Madruga fugindo para não pagar o aluguel, o estudo é mostrado como algo chato, há violência física entre diversos personagens… São tantas situações tidas como “inaceitáveis” nos dias de hoje que meus olhos chegam a se encher de lágrimas de saudades dos tempos em que as pessoas sabiam diferenciar humor de apologia.

Chaves e a maior parte de seus personagens são amorais, corrompidos, demasiadamente humanos. Como eu disse, Chaves seja é último bastião de liberdade na TV aberta. Onde mais podemos ver pessoas debochando de alguém em função da sua obesidade, adultos agredindo fisicamente crianças como algo engraçado, comentários pejorativos e violência física como recurso constante para dirimir conflitos entre adultos. Isso hoje em dia não tem preço. Só é tolerado porque já vem sendo exibido por mais de trinta anos, se fosse algo novo o Ministério Público já tinha caído de pau.

Chapolin me passa mais uma ideia de personagem voltado para crianças mais novas, um anti-herói para o qual tudo dá certo no final. Chapolin é composto basicamente por trapalhadas que desembocam em um final feliz. Chaves não, com frequência os personagens se fodem: apanham, levam golpes (no sentido de prejuízo financeiro), são rejeitados, crianças desrespeitam adultos rotineiramente etc. Além disso as frases ditas em Chaves são antológicas, coisas como “Não existe trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar” (Seu Madruga) ou “Eu não ia fazer nada errado, só ia quebrar a cabeça do Quico!” (Chaves) ou ainda “Chaves, como se chamam os animais que comem de tudo?” Chaves: “Ricos!”. Chapolin é mais inocente, não se vê uma coisa dessas.

As historias do Chaves tem continuidade, fluem melhor. A única constante nos episódios do Chapolin é o próprio. Perde-se muito tempo apresentando personagens secundários a cada novo episódio. No Chaves os bordões são divididos, cada um dos personagens tem o seu e isso diluí os bordões ao longo do episódio, já no Chapolin os bordões são exclusividade do personagem principal, o que gera a massificação do “Sigam-me os bons”, “Não contavam com a minha astúcia”, “Suspeitei desde o princípio” e “Se aproveitam da minha nobreza”. Em alguns episódios acaba ficando meio maçante.

A graça do Chapolin não passa pelo politicamente incorreto, ele é um herói desqualificado e covarde, só isso. Não há maldade no Chapolin. Já no Chaves, a maldade e a trollagem habitam em todos os moradores da vila. O deboche, o sarcasmo, a implicância. Bem ou mal Chapolin passa uma mensagem positiva mostrando que mesmo sendo mais fraco é possível derrotar o adversário, já Chaves… adoro as mensagens que o seriado passa, mas estão longe de serem classificadas como positivas. Eu diria que são mensagens mais realistas.

Chaves é uma forma doce de mostrar o mundo cão. Chaves pega pesado sem que a atração fique pesada de assistir. Isso é algo muito difícil de conseguir. Chaves é aquele tipo de seriado que você assiste pela milésima vez e ainda ri. Duvido que alguém ria duas vezes vendo Chapolin. Para ser sincera, só de olhar para a cara do Quico eu rio, mesmo que seja em uma foto. O tosco dos cenários e dos “efeitos especiais” compõe bem no Chaves, afinal, é um seriado ambientado em uma vila pobre, mas ficam mais escrotos no Chapolin, onde a aventura e as lutas são o foco principal.

Enfim, Chaves é mais profundo, mais divertido e mais provocador. Chaves é crítica social misturada com ousadia, é o politicamente incorreto banhado de humor, é um clássico dos bons tempos em que se amarrava cachorro com linguiça e o Ministério Público se dedicava apenas a perseguir bandidos. Chaves é impagável, é sensacional, é bom, bonito e barato. E só para lembrar mais uma vez: Chaves tem o Seu Madruga.

Para mostrar quão nerd você é, levar a sério demais a proposta e brigar a ferro e fogo nos comentários, para fazer dos comentários uma homenagem e lembrar dos melhores momentos de ambos ou ainda para dizer que em matéria de politicamente incorreto bom mesmo é South Park: sally@desfavor.com

Comentários (37)

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