Desfavor Convidado: Agora e na hora de nossa hora.

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Série Jornalismo Literário: Agora e na hora de nossa hora.

Além de telejornais e programas especiais, o jornalismo se faz presente também nos cinemas através dos documentários. Por ser autoral, o documentário é considerado uma forma de linguagem do cinema e a figura do diretor nesse tipo de filme é essencial para a sua existência, já que é o ponto de vista dele que será expressado ao longo da película.

Existem diversas maneiras do diretor se expressar na obra, inclusive aparecendo em algumas cenas ou entrevistas. Apesar de ter sua essência no cinema, é possível adaptar o documentário para a linguagem de TV. Porém, como o diretor fica limitado por questões técnicas e editoriais da rede em que estiver trabalhando, nesse caso é mais comum o diretor demonstrar sua autoralidade na forma de narração, o que também é conhecido como “A voz de Deus”.

Existem duas linhas de pesquisas sobre a voz de Deus, sendo que uma delas defende que essa voz é totalmente Onipresente, Onipotente e Onisciente. A defesa dessa linha é que o jornalista ou o diretor teve o poder de escolher as imagens que seriam exibidas durante a edição do material e com isso criar o roteiro que guiaria o espectador naquela história.

A outra linha admite a Onisciência, Onipresença e Onipotência, mas defende que elas são limitadas pela mesma tecnologia de edição. Afinal de contas, as câmeras não captaram 360 graus da cena durante todo o tempo, limitando a direção a apenas um único foco de gravação. Na literatura, a limitação da voz de Deus vai depender da criatividade e empenho do escritor.

Para assistir a documentários com a voz de Deus, basta ligar no Discovery Channel em qualquer horário de qualquer dia da semana, já que todos os vídeos do canal são narrados por um misterioso narrador que nunca aparece.

IV

A situação dos moradores no Brasil é um mistério, já que não existem políticas públicas eficientes para dar assistência a essas pessoas. Tanto que em 2004 o Estado fez um censo nacional para levantar o número de brasileiros que vivem nessa situação, mas muitas cidades não possuíam dados suficientes que colaborassem nesse levantamento. Fez-se então um questionário que foi enviado para 76 municípios com mais de 300 mil habitantes, sendo que 20 municípios responderam não ter dados sobre o assunto. A cidade do Rio de Janeiro estava entre esses municípios.

Em abril de 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome fez uma nova pesquisa nacional sobre a população em situação de rua, desta vez com dados mais esclarecedores. Na pesquisa, foram entrevistadas 27.647 pessoas, número aproximado ao conhecido pelo censo de 2004, que foi de 26.615 pessoas. Na pesquisa foram abordadas questões como: motivos para viver na rua, a utilização de drogas e álcool, relações familiares, preconceito, etc. No total, 71 municípios participaram da pesquisa, desta vez incluindo a cidade do Rio de Janeiro.

Não é de hoje que o descaso com moradores de rua vem à tona, já que em diversas situações as violências que essas pessoas sofrem são relatadas nas mídias nacionais. Porém, o ano de 2013 marcou o vigésimo aniversário de uma história que rendeu muito sofrimento ao povo Fluminense: a Chacina da Candelária.

A chacina ocorreu no dia 23 de julho de 1993 próximo à Igreja da Candelária, região que recebe moradores de rua diariamente. Ainda não se sabe o motivo, mas na madrugada do dia 23 alguns homens pararam ali e começaram a matar indiscriminadamente crianças e adolescentes que estavam dormindo na Praça Pio X.

No total foram oito mortos, entre eles:

  • Paulo Roberto de Oliveira, 11 anos
  • Anderson de Oliveira Pereira, 13 anos
  • Marcelo Cândido de Jesus, 14 anos
  • Valdevino Miguel de Almeida, 14 anos
  • “Gambazinho”, 17 anos
  • Leandro Santos da Conceição, 17 anos
  • Paulo José da Silva, 18 anos
  • Marcos Antônio Alves da Silva, 19 anos

Já os suspeitos foram:

  • Marcus Vinicius Borges Emmanuel, ex Policial Militar – foi condenado a prisão, mas já está livre
  • Nélson Oliveira dos Santos – foi condenado a prisão, mas já está livre
  • Marcos Aurélio Dias Alcântara – foi condenado a prisão, mas já está livre
  • Arlindo Lisboa Afonso Júnior – condenado a dois anos por ter em seu poder uma das armas usadas no crime
  • Carlos Jorge Liaffa – não foi indiciado, mesmo tendo sido reconhecido por um sobrevivente e a perícia ter comprovado que uma das cápsulas que atingiu uma das vítimas foi disparada pela arma de seu padrasto.

Dos jovens que escaparam da chacina, muitos se mudaram para um Viaduto em São Cristóvão e outros voltaram aos holofotes da mídia. Um deles foi Wagner dos Santos, um rapaz que foi elemento chave para a investigação dos suspeitos. Durante a investigação ele sofreu outro atentado de morte e teve que ser colocado no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas. Hoje ele mora na Suíça.

Outro jovem que ganhou notoriedade foi Sandro Rosa do Nascimento que, em 2000, acabou sendo morto após sequestrar o famoso ônibus 174. Porém, dos outros sobreviventes não se teve maiores notícias a não ser pequenos relatos sobre o dia da chacina.

Um desses relatos acabou sendo o ponto de partida para a peça teatral “Agora e na hora de nossa hora”, com o ator Eduardo Okamoto. Na peça ele representa um menino de rua que sobreviveu ao massacre e é conhecido como Pedrinha, por ser viciado em crack (uma liberdade que ele tomou, já que em 1993 o crack ainda não estava tão difundido no Brasil).

Na peça, o sobrevivente escapa da chacina por preferir dormir em cima de uma banca de jornais ao invés do chão. Alucinado pelas drogas, o menino então coloca a culpa das mortes nos ratos que fazem barulho ao passar pelos bueiros da Candelária, o que teria incomodado o sono e chamado a atenção dos autores do crime.

Okamoto diz que vários fatores levaram-no a pesquisar sobre a chacina da Candelária, desde trabalhos anteriores com moradores de rua quando ainda fazia parte do Grupo Matula Teatro até a indiferença dos brasileiros para com os mais pobres. Durante a pesquisa para a peça, chegou a morar na rua e quase enlouqueceu, mas com a ajuda da diretora Verônica Fabrini, conseguiu transformar a essência da pesquisa em texto cênico.

No entanto, o ator não possui a pretensão de passar uma mensagem revolucionária, apenas quer relatar um fato histórico trágico. Porém, é firme ao dizer que em vinte anos não viu nenhuma mudança sobre a relação do povo ou do governo brasileiro para com os mais humildes. Para ele, a população prefere se fechar e transferir seus medos sociais para os mais pobres do que simplesmente entendê-los e ajudá-los da melhor maneira possível.

Nota: Para conhecer melhor o trabalho de Eduardo Okamoto ou até mesmo entrar em contato com o rapaz, recomendo o site do ator. Já a pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome pode ser encontrado aqui.

Chester Chenson

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Comments (1)

  • Essas pesquisas sao arrumadas e ninguem se importa com moradores de rua. As pessoas ate sentem raiva porque eles assaltam, sao drogados e sujam as ruas.

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