Desfavor Convidado: Vícios.

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Série Jornalismo Literário: Vícios.

VIII

Sou um grande empresário aqui de Campinas e fumo maconha, que dizem ser a porta de entrada das drogas. Como viajo muito e meu trabalho é estressante, uso ela apenas para relaxar e tentar fazer minha mente parar de trabalhar por alguns minutos. Dizem que maconha não vicia, que não faz mal por ser natural e coisa e tal. Isso é uma mentira, pois hoje fumo maconha feito cigarro e tenho os mesmos problemas que um fumante como falta de ar, problemas arteriais, etc. Sou viciado sim e a maconha nunca me deixou relaxado por completo.

Quando eu tinha 15 anos eu fui numa festa de uma amiga minha, que tinha a fama de ser biscate. Eu achava que isso era apenas inveja do pessoal da escola, mas quando cheguei no local da festa, parecia realmente um puteiro. As pessoas se esfregavam seminuas nos quartos e minha maior vontade era sair dali, mas como era adolescente e de mente fraca, acabei ficando. Dois homens se aproximaram de mim e ofereceram uma bebida. Eu nunca havia bebido até então, mas mesmo assim experimentei. A bebida era um drink bem docinho e bebi várias doses até ficar completamente bêbada. No dia seguinte acordei nua, com dor de cabeça e sangramento vaginal fruto de um estupro. Para esquecer a dor voltei a beber e bebi cada vez mais e mais. Hoje não sei qual meu limite de doses em uma noite, só sei que a bebida é a única coisa que mantém viva e sem ela já teria me matado a muito tempo.

Com oito anos de idade fugi de casa por causa do meu pai, que vivia me batendo. Fui morar na rua e andei na companhia de outros meninos que encontrei por aí. Nós passávamos o dia a procura de comida e muitas vezes nos alimentávamos do lixo mesmo, já que dificilmente alguém estendia a mão para nos ajudar. Um dia um homem mais velho nos recrutou para um assalto. Ele nos deu armas e dinheiro, então aceitamos na hora. Naquela tarde, invadimos um postinho de saúde e roubamos remédios, computadores e tudo o mais que víamos pela frente. Ao final da ação, o homem mais velho nos entregou uns papelotes e nos disse para procurá-lo sempre que precisássemos de um dinheirinho. Nos papelotes havia um pó chamado cocaína e cheiramos ele sem titubear. A vontade por mais nos levou de volta ao homem, que sempre nos mandava cometer crimes pela cidade em troca da droga e de um punhado de dinheiro. Como resultado já fui preso várias vezes e até hoje continuo cheirando aquele pó mágico.

Minha vida mudou com a heroína. Heroína, nome engraçado para se dar a uma droga. Heroínas costumam salvar a vida das pessoas, mas essa só trouxe desgraça pra mim. Mesmo com um bebê em casa, eu me injetava diariamente e vivia doidona. Fiquei tanto tempo drogada que até o pai do meu filho me abandonou, mas a gente ia levando. Até que uma vez, ao voltar da viagem, fui acudir meu filho que estava chorando. Eu devia ter passado muitas horas sem cuidar dele, já que ele estava cheio de merda e morrendo. Fiquei furiosa, mas mesmo assim troquei sua roupa e o lençol da cama. Como não tinha comida em casa, preparei uma dose e injetei no meu bebê e depois em mim. Achei que aquilo seria uma boa ideia, já que a heroína sempre saciava a minha fome. Quando o barato terminou, percebi que meu filho havia morrido de overdose nos meus braços.

O meu vício podia ser encontrado em qualquer farmácia e se chama anfetamina. Eu queria emagrecer, mas tinha muita dificuldade, por isso meu médico me indicou o uso de anfetaminas. Na época não havia muita divulgação que a utilização do remédio podia viciar, além do mais muitas pessoas divulgavam os benefícios da anfetamina. Para se ter uma ideia, eu pesava 130 quilos quando comecei a usar a droga, hoje peso cerca de 50. O pior é que o efeito da dependência é lento, então demorei para perceber que estava ficando viciado. Quando percebi eu mais parecia um cadáver ambulante e precisei ficar internado em uma clínica. Hoje estou limpo e coisa engraçada, quero engordar mas não consigo.

Muita gente me chama de safada, vagabunda ou sem vergonha, mas a verdade é que sou viciada em sexo. Minha primeira experiência sexual foi aos sete anos, quando enfiei um pepino na vagina. Tive a infelicidade de ser pega pela minha mãe, que era muita puritana e me deu uma surra de cinta que mais me deu prazer do que doeu. Além disso eu tinha um irmão mais velho e vivia pedindo pra ele mostrar seu pênis, mas ele nunca deixou. Meu primo, em compensação se rendeu aos meus pedidos e foi meu primeiro parceiro sexual, quando eu tinha apenas 9 anos e ele 17. Fui ficando velha e a vontade de fazer sexo foi ficando cada vez maior. Na adolescência eu não me aguentava de calor e acabei me prostituindo pois não conseguia ficar sem sexo. Só consegui terminar a faculdade porque usei de artimanhas, como colocar um vibrador na calcinha para ver se aliviava a vontade. Um dia cheguei ao extremo de dar pra um cachorro, já que não havia nenhum homem por perto para me comer.

Eu era um homem rico, tinha família, tinha amigos, mas um dia perdi tudo isso. Começou como um joguinho de bar, onde apostávamos moedas e trocados. O carteado era minha preferência e me considerava um mestre do truco e do pôquer. Ganhei muito dinheiro, mas acabava perdendo a maior parte do que ganhava. Um dia me juntei com alguns sócios e resolvemos abrir um bingo. Eu estava tão viciado que jogava nas minha próprias máquinas, até que um dia surgiu um grupo de jogadores experientes. Eles me desafiaram no pôquer e eu aceitei a aposta. A aposta era o alvará do bingo, se eu perdesse, ia ter que passar o ponto para eles, mas se ganhasse, levaria como prêmio uma segunda casa de jogos. Eles acabaram comigo em poucas rodadas e logo perdi minha fonte de renda. Fiz novas apostas e cobri com meu carro, minha casa e chegue a apostar até a minha esposa. Perdi tudo, mas o outro apostador teve a consciência de não levar minha mulher embora, deixando-me com a vergonha de contar para ela sobre tudo o que havíamos perdido.

Eu era um menino exemplar, tirava boas notas na escola e era o xodó da família. Um dia um novo rapaz foi transferido para a minha sala de aula e logo fizemos amizade. Ele andava com pessoas erradas, mas tinha ideias filosóficas interessantes. Um dia saímos para beber e começamos a conversar com duas meninas. Levamos elas para minha casa, pois naquele dia meus pais estavam viajando. Já em casa, esse meu amigo tirou um cachimbo do bolso, colocou umas pedras e começou a fumar. As meninas aceitaram e fumaram de boa, mas eu fiquei meio de cara com aquele negócio. Mesmo assim acabei experimentando e não me lembro mais nada daquela noite. Só sei que no dia seguinte eu queria mais daquilo e logo minha vida foi ladeira abaixo. De aluno exemplar virei um problema e só dava trabalho para a minha família. Comecei a viver mais na rua do que em casa e só queria saber de fumar pedra. Um dia eu estava sem dinheiro e fui pra casa ver se arranjava alguma grana. Meu pai me pegou roubando dinheiro de sua carteira e ameaçou me colocar em uma clínica. Fui para a cozinha e peguei uma faca. Voltei para onde estava meu pai e anunciei um assalto. Quase desisti quando vi seu olhar de desgosto, mas o vício falou mais alto e dei uma facada nele, apenas para roubar sua carteira. Naquele dia fugi de casa e nunca mais voltei. Depois fiquei sabendo que meu pai se recuperou da facada, mas que nunca mais foi o mesmo. Naquele dia do assalto, de certa forma, ele havia morrido.

Às vezes eu gostava de pegar minha moto e sair por aí, sem rumo, sem destino. Eu sabia que não devia dar ouvidos às ideias erradas que surgiam na minha mente, mas a tentação era forte demais e eu não conseguia resistir. Tinha vezes que eu via elas paradas no ponto de ônibus e já as imaginava como modelos para a minha arte. Era assim que eu conseguia convencê-las, dizendo que eu era um famoso produtor do mundo da moda. A maioria não caia na conversa, mas algumas acreditavam e eu as levava para um lugar bem escondido. Lá eu colocava minha arte em prática, pegando-as pelo pescoço, forçando-as a abrirem as pernas e serem minha modelos, minhas putas. Depois disso eu as matava e só quem sente o sangue escorrendo pelos dedos sabe como o prazer da morte pode viciar. Amor e ódio são as duas faces da vida e eu sou apenas seu agente. Por isso eu digo: renda-se, pois é inútil resistir. Viva a vida plenamente, aceite suas fraquezas, seus vícios e apenas renda-se ao prazer da morte. Renda-se e venha até mim que te mostrarei a minha arte.

Chester Chenson

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Comments (13)

  • Eu quase perdi tudo, inclusive minha vontade de viver pelo meu vicio acentuado pela bipolaridade.

    Como tive um infarto oficial semana passada, e sai do hospital a poucos dias, deixei de lado a discrição e estou compartilhando.

    No momento, ou supero ou perco tudo o que me resta.

  • Eu entendi como várias histórias de diferentes pessoas, homens e mulheres.

    Realmente, meus “vícios” perto desses daí são piada e posso dizer que me sinto afortunada depois de ler tudo isso. Tem gente por aí tendo que conviver com problemas maiores, bem maiores.

  • depois de ler isso meus vicios até parecem sob controle se comparado as pessoas do texto, apesar da aparecia fake tem muita coisa ai que acontece na realidade;de repente ser viciado em cafeina e internet não me parece tão ruim

  • O autor esta mostrando uma serie de relatos, coisas que aconteceram e acontecem com pessoas variadas, podem ser, hora um homem, hora uma mulher.

  • Não entendi. O autor do texto é um homem ou uma mulher? Por vezes refere-se a si mesmo como homem e por vezes, como mulher.

    • No paragrafo do vicio em internet ficaria assim: “Antes da internet eu lia livros, dormia, namorava, foi então que contratei um provedor de internet banda larga, a partir dai as coisas começaram a desandar, no começo era só umas olhadas rápidas nos posts do Facebook, um tweet ou outro, uma foto inocente de um evento que participei postada no Instagram, e uma partidinha de Candy Crush depois do trabalho… Hoje eu não saio de casa sem meu notebook, smartphone e tablet, se não checar minhas contas em redes sociais de 5 em 5 minutos, conversar online com meus amigos e não ficar sempre a frente deles nas fases dos jogos pagando créditos dentro do jogo, eu começo a surtar, se cai a conexão do provedor por algum motivo eu fico a beira de um ataque de nervos! kkkkk…
      Estou apenas generalizando esse povo que vive grudado em internet, que sofre daquela sindrome relatada pela Sally em outro post, o tal do FOMO.

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