Skip to main content

Colunas

Arquivos

Ele disse, ela disse: Irremediável.

| Desfavor | | 55 comentários em Ele disse, ela disse: Irremediável.

eded-irremdiavel

A medicina avançou muito no último século, foram criadas drogas para virtualmente todos os problemas de saúde do ser humano. Sally e Somir apreciam o valor dos remédios, mas não concordam quando o assunto é tomar esse remédio. Os impopulares oferecem doses de suas opiniões.

Tema de hoje: Quando se sente um mal estar significativo, vale a pena tomar remédio?

SOMIR

Calma, calma… não estou propondo uma nova revolta da vacina. Apenas uso consciente tanto de remédios quanto das inúmeras habilidades de cura que seu organismo já tem. Não vale a pena tomar remédio por conveniência. O mal estar significativo neste caso OBVIAMENTE não configura algo que ameace sua vida ou cuja prescrição de remédios tenha vindo de um médico.

Estamos falando de coisas mais sérias que uma indisposição, mas menos dramáticas que uma pneumonia, por exemplo. A chave para entender o lado correto desta discussão é entender essa faixa de problemas, doenças e moléstias em geral onde tomar remédio não é exatamente uma obrigação. Se você não for capaz de diferenciar, vai concordar com a Sally. Se for, bem vindo ao lado ponderado do argumento.

E favor não me confundir com algum desses BABACAS que pregam tratamentos alternativos. Quando for ditador do mundo, vai ter campo de concentração especial para a turma da homeopatia, dos cristais, das florzinhas e tantas outras formas de superstição travestida de medicina. A alternativa que sugiro é deixar seu corpo lidar com o problema do jeito que ele foi programado para fazer. Afinal, estamos falando de casos onde o corpo pode lutar sozinho.

Sou grande fã da ciência, mas o mercado das drogas legais ainda sim é um mercado. Palmas para os pesquisadores que se esforçam para salvar vidas, mas não acredite nem por um momento que as pessoas que comercializam essas drogas acreditam em algo além do próprio lucro. Se você cair nesse papo que precisa de drogas para resolver até mesmo incômodos passageiros, vai entrar no círculo vicioso tão comum aos usuários das drogas ilegais.

O corpo humano é acima de tudo uma máquina de adaptação. Cada vez que lida com algo novo, começa a assimilar a informação para te deixar mais preparado para uma exposição subsequente. Ei, esse é o mecanismo da vacina: Apresentar seu corpo para um agente externo para que ele aprenda a mitigar seus efeitos no futuro. Qualquer substância que você absorve passa por processo parecido.

Apesar dessa capacidade incrível de assimilação, seu organismo não é esperto o suficiente para decidir se um elemento novo merece ou não passagem livre. Tudo é ameaça, tudo precisa ser contido! Inclusive os remédios que você toma cada vez que a cabeça dói um pouco. Com o passar do tempo não parece que “rende” um pouco menos? Eventualmente você vai estar tomando dois ao invés de um. E o incômodo não vai sumir tão rápido assim… É o ciclo das drogas: Resultados cada vez menos potentes e duradouros, cada vez mais dependência… Cada vez menos capacidade de lidar com o problema.

Eu sou um adulto grande. Consigo parar as minhas piores dores de cabeça até mesmo com uma aspirina infantil. Meu corpo está pouco preparado para lidar com essas substância, ela faz um efeito poderoso. Cidadão ou cidadã fica se entupindo de remédios pesados para dor de cinco em cinco minutos e depois não sabe porque cada vez faz menos efeito… Seu corpo se adapta!

Em nota relacionada: Os antibióticos estão cada vez mais controlados nesse mundo porque uma massa de farmacêuticos amadores achou o máximo tomar quilos deles a cada gripe durante décadas! Nesse caso foram as bactérias que se adaptaram, mas ilustra como essa dinâmica de assimilação de substâncias estranhas é parte integrante da vida. Não só a nossa, mas a de toda a natureza… It’s evolution, baby.

Aposto que a Sally vai dizer que é perigoso não tomar remédios quando se sente um mal estar significativo. Afinal, pode ser algo mais sério, não? Algo parecido com uma gripe pode até mesmo ser dengue! Opa… péssimo exemplo! Se você tratar dengue como gripe pode acabar morrendo. Doenças sérias costumam começar devagar, e quem tem “sintomofobia” e não admite sequer aguentar uma dor de cabeça pode muito bem mascarar algo muito mais importante do que seu incômodo pontual.

Vejam bem, não estou dizendo para ser hippie e nunca tomar remédios, estou dizendo que eles são coisa bem mais séria do que as propagandas e a sabedoria popular te dizem. Seu corpo TEM que lidar com alguns dos problemas comuns que te incomodam significativamente no dia a dia. Você não vai querer toda sua linha de defesa flácida e destreinada na hora em que o bicho pegar de vez, não?

Incrível como fazem a coisa certa com seres muito mais frágeis como crianças, mas se esquecem de exercitar o próprio sistema imunológico depois de adultos. Pais fazem até encontros “infecciosos” para que seus fedelhos criem defesas contra algumas doenças. Mas adultos? Ah não! Adultos se entopem de drogas na primeira dorzinha… Preocupação com saúde meu ovo, é frescura mesmo.

EU faço uma coisa errada que é não procurar médico a não ser que uma ambulância me leve, mas façam o que eu digo, não o que eu faço: O sintoma está te incomodando demais? Consulte alguém que vai saber que remédio te dar. Nem vou entrar no mérito que médico costuma entupir todo mundo de remédios e tratamentos exagerados ou desnecessários. Na média você está mais seguro do que escutando a sabedoria popular ou a dica que algum amigo ou familiar te deu.

E, porra… se você for homem, aguenta feito homem!

Para demonstrar como ainda não aprendeu com aquelas dicas sobre falácias e usar uma achando que não está fazendo papel de otário(a), para dizer que o melhor remédio é o am… a cerveja, ou mesmo para me chamar de hippie imundo: somir@desfavor.com

SALLY

Atenção ao tema proposto: quando você sente um mal estar SIGNIFICATIVO, é válido tomar remédio?

Não me refiro a algo pequeno, me refiro a algo SIGNIFICATIVO, que te faz perder ou decrescer sua capacidade produtiva, sua capacidade social. Então, não me venham com esse papo de que “quem toma remédio por qualquer coisinha blá blá blá”. A grande discussão é: vale a pena abrir mão do seu bem-estar, da sua produtividade, da sua sociabilidade, apenas para não tomar remédio?

Olha, eu não sei que epilepsia emocional é essa que algumas pessoas tem de evitar tomar remédio a qualquer custo. Remédio serve para isso: para nos ajudar quando o mal-estar se torna SIGNIFICATIVO. A partir do momento em que o mal-estar te gera sofrimento e limita sua vida, porque não tomar um remédio? Está com uma dor de cabeça monstruosa e não consegue trabalhar direito? O que custa tomar um Paracetamol? Vai ser menos homem por causa disso? Está com aquela hecatombe intestinal, cagando refresco de cocô, e tem que fazer uma viagem a trabalho? Toma um remedinho tranca-cu em vez de ficar parando na estrada de dez em dez minutos para mijar pela bunda! Qual a grande desonra de tomar um remédio?

Mas não. Os Somires da vida acham que só é tolerável tomar remédio se for para salvar a sua vida. Macho que é macho aguenta mal-estar mesmo sem a menor necessidade disso. Tomar remédio para mal-estar é sinal de fraqueza? Desculpa, mas eu acho fraqueza se sujeitar a um mal-estar por ser inseguro a ponto de se incomodar em tomar um remédio. Que se dane o que os outros vão pensar, eu quero é me sentir bem! É remédio, gente, não é veneno! Pode tomar!

Esse movimento, geralmente encabeçado por criaturas do sexo masculino, de que tomar remédio é vergonhoso, vem se espalhando ao longo das décadas. Virou uma convenção social tácita que quem toma remédio é para os fracos, os fortes aguentam (e quando não aguentam mais, aceitam soluções caseiras propostas pelo Alicate e acabam no hospital…). O pior é que esses radicais anti-remédios tentam pintar a coisa como 8 ou 80: “se você ficar tomando remédio por qualquer besteira, seu organismo vai ________” (preencha com algo horrível). Não é por qualquer besteira. Uma coisa é terminar um relacionamento, não querer lidar com a dor e ficar se enchendo de ansiolítico, outra coisa bem diferente é ter que apresentar um relatório até o final do dia e não conseguir pensar direito porque sua cabeça está explodindo. Não vou admitir que joguem tudo no mesmo saco, porque são coisas diferentes.

Outro argumento comum vindo desse povo é que remédio também faz mal ao organismo. Ouvir isso de gente que fuma, que bebe, que come mal, que dorme pouco é de fazer cair o cu da bunda! Excesso de remédio a longo prazo pode fazer mal, mas um remédio usado com parcimônia quando se experimenta um desconforto significativo não vai fazer mal. Sejamos sinceros, com que frequência você tem um desconforto significativo? O que faz mal é ter desconfortos significativos regularmente e se entupir de remédio em vez de procurar um médico para descobrir sua causa e tratar, mas isso já é outra história, que por sinal, daria outro Ele Disse, Ela Disse: “só se deve ir ao médico quando se está morrendo?” – Somir responderá que sim.

O pior é que esse povo que se recusa a tomar remédio nem ao menos se digna enfiar o galho dentro e bancar sua escolha. Ficam reclamando, ficam de péssimo humor, ficam intratáveis e sobra para quem está à sua volta. Parece até que não existe a opção do remédio! E ai de você se sugerir que tomem um remédio: vai se ofender e dizer que não precisa, que não é nada grave. Não é grave para tomar remédio, mas para reclamar da dor é grave o bastante. Para essa gente, remédio só se for caso de vida ou morte, sintomas meramente incômodos, desconfortáveis, não justificam. Tendo a opção de não sofrer, promovem uma autoflagelação química contra o corpo! Qual é a necessidade disso? Mais: ainda é egoísmo sujeitar as pessoas que te querem bem a te ver sofrendo, todo ferrado.

Fico me perguntando se pessoas que se colocam nessa situação não gostam de serem vítimas. “Ohhhhh! Minha cabeça está explodindooooo!”. Toma um FUCKIN´REMÉDIO, porra! Mas não, a pessoa quer ficar toda prejudicada, mas não sem antes deixar bem claro para aqueles que a cercam o quanto ela está sofrendo. Não tomar remédio nunca significou força, coragem ou valor. Não tomar remédio quando se está na merda significa burrice, insegurança e vitimização e está mais do que na hora da sociedade colocar os “pingos nos is” e parar de passar a mão na cabeça desses dementes que optam por se sentir mal quando havia a opção de minimizar seu desconforto.

“Mas Sally, se a pessoa for tomar remédio a cada desconforto que tiver, acaba tomando remédio todos os dias e isso faz mal para o organismo”. QUEM? QUEM sente desconforto todos os dias? Só se for você, porque eu passo a maior parte do tempo muito bem, obrigada. Se a pessoa experimenta um mal-estar significativo diário ou muito frequente, está mais do que na hora de procurar um médico, outra coisa que essas anti-remédios odeiam fazer. Não misturem as soluções. Tá sentindo um desconforto recorrente: médico, exames, diagnóstico e tratamento. Sente um desconforto eventual? Remédio ou bico fechado, você escolhe.

Tem porque uma pessoa trabalhar transtornada por cólicas? Tem porque alguém abrir mão da sua produtividade porque está terrivelmente enjoado? Tem porque alguém abrir mão de tempo com a família ou amigos porque está com uma terrível dor de cabeça? Só se a pessoa gostar de dificultar a própria vida e tiver vocação para mártir sofredor. E sim, muita gente tem. Sabe porque? Porque junto com o mal-estar vem um ganho secundário qualquer que interessa à pessoa, mas ela não tem coragem de admitir nem para ela mesma, prefere se travestir de pessoa forte que evita remédios. Qual seria este ganho secundário? Não sei, depende do caso. Pode ser que ela seja menos cobrada quando está doente, pode ser que ela seja mais bem tratada quando está sofrendo, pode ser um monte de coisa, mas uma certeza eu tenho: algum ganho secundário existe, porque ninguém aguenta um sofrimento desnecessário por nada.

Daí vem o argumento mais cagado de todos os tempos, que, apesar de patético, é exaustivamente repetido e eu não duvido que venha no texto do Somir: “Eu não gosto de tomar remédio”. Ahhhh tá… Porque eu GOSTO, eu tomo POR PRAZER, eu compro caixinha de Tic Tac, esvazio e encho de aspirina, só para ficar tomando durante o dia, por diversão! Isso lá é argumento? Só fazer o que gosta é privilégio de crianças, e mesmo assim, com algumas restrições. Pessoas adultas tem que fazer o que é melhor para elas, mesmo que muitas vezes não se goste daquilo. A pergunta proposta hoje não é “Você gosta de tomar remédios?”. Via de regra, ninguém gosta!

“Mas eu não gosto mais” (porque gente assim insiste, mesmo depois de ter o argumento ridicularizado, eles tem audição seletiva). Não gosta? E de passar mal, filho da puta, disso você gosta? Não, né? Então estamos diante de uma situação onde NADA te agrada: nem passar mal, nem tomar remédio. Considerando que nenhuma das escolhas é do seu gostar, que tal escolher aquela onde você não gosta mas também NÃO PASSA MAL? Quão difícil é perceber uma coisa dessas? Desculpem, me exaltei.

O que mais me entristece é que hoje eu sei que meus argumentos estão certos, eu sei que muitos de vocês racionalmente perceberão que meus argumentos estão certos, mas mesmo assim vão concordar com o Somir, porque é um hábito  institucionalizado e enraizado. Homem não chora, homem não usa rosa e homem não toma remédio. Vão à merda, mais uma vez!

Para dizer que só perdoa minha revolta porque eu namorei muito tempo com o Somir, para provar que também tem leitura seletiva e dizer que não toma remédio porque não gosta ou ainda para tentar esquecer o que eu disse mas não conseguir tirar o ganho secundário da cabeça: sally@desfavor.com

Comentários (55)

Deixe um comentário para Ginger Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.