Desfavor Convidado: O dia em que a terra não tremeu.
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Desfavor Convidado: O dia em que a terra não tremeu.
Já havia passado um ano desde a sua ida ao altar, mas o seu desconforto ao partilhar a cama com o esposo ainda era evidente. Casar-se sempre fora o seu sonho. Afinal, fora criada para isso. Mas nunca imaginara que o casamento iria exigir mais do que estava apta a oferecer.
Sendo a única garota e a mais nova de três filhos, não era de se estranhar que a educação recebida fosse oposta a dos seus irmãos. Seu primeiro beijo fora aos dezenove anos e após cinco anos de namoro vigiado, ela, finalmente, pôde usar o tão sonhado vestido branco.
A primeira noite de casada não foi como imaginara. Os esclarecimentos oferecidos por sua mãe não a prepararam o suficiente para o que a aguardava dentro do quarto. Aquela deve ter sido a pior noite de núpcias que alguma garota algum dia já teve.
Naquela manhã, enquanto dobrava a roupa que acabara de retirar do varal, lembrou-se de como ruborizou ao receber um leve toque dos lábios do esposo em sua testa. Um beijo fraterno antes que ele seguisse para o trabalho. Imaginou como seria ver seu esposo ao natural em plena luz do dia. Sim, porque todas as vezes em que cumpriu com a sua obrigação como esposa fora na escuridão da noite. Esse pensamento fez com que as suas bochechas tornassem-se quentes e rosadas.
Recordou de como sua melhor amiga ria extasiada ao relatar suas peripécias no leito matrimonial, parecia estar realizada. Ao contrário de sua amiga, ela só havia tido relações sexuais em completa escuridão e sempre esperava que o seu amado iniciasse o jogo de sedução. Ela não fazia por maldade ou por ser adepta de joguinhos, era apenas o reflexo da educação rigorosa que outrora recebera.
O seu coração batia acelerado sempre que encontrava sobre a cama a camisola de renda que ganhara do marido. Assim que sentia o peso marital sobre si, sua mente vagava para lugares mais costumeiros, como lembrar-se das coisas em que deveria se ocupar no dia seguinte. E, enquanto ouvia a respiração acelerada ao pé do ouvido, pedia ao Criador que acabasse logo com algo tão incômodo. Nunca chegou a sentir o estremecimento que a amiga sempre relatava. Tão logo se encerrava o ato, seu arfante esposo depositava-lhe um singelo beijo nos lábios e virava-se para o outro lado. Não era necessário esperar mais que cinco minutos e logo o seu ronco poderia ser ouvido.
Preocupada com o andamento do seu casamento deixou com que algumas lágrimas rolassem por seu rosto ao imaginar tal desânimo pelo resto da sua vida. Enquanto secava as lágrimas fujonas, resolveu que naquele mesmo dia iria mudar o rumo da sua vida conjugal. Iria encontrar algum artifício que fizesse com que seu esposo lhe beijasse como no passado. Queria ficar de pernas bambas e, quem sabe, encontrar o tal do estremecimento.
Evocou memórias de seu primeiro mês de casada onde encontrara, entre os pertences de seu amado, fotografias de mulheres praticamente desnudas. Imaginou que as poses e expressões mostradas, pelas senhoras de caráter duvidosos, deveriam ser admiradas pelos homens. Com tal pensamento correu ao quarto a fim de procurar algo que remetesse a um devaneio menos apropriado ao seu marido. Quase a desistir, por não ter encontrado nada menos pudico em seu guarda-roupa, encontrou apenas um par de meias de seda que chegavam até o meio de suas coxas.
Ansiosa com o novo rumo que seu leito matrimonial iria seguir, nossa pequena heroína, resolveu colocar seus pudores de lado e decidiu esperar pelo retorno de seu esposo vestindo apenas as meias de seda e sapatos de salto alto. Caprichou no banho e perfume, maquiou e penteou-se como se fosse a uma festa e esperou na entrada da sala de jantar, em um ângulo onde o seu derrière poderia ser visto por ele, através do espelho, assim que passasse pela porta da frente. Logo que ouviu o barulho no portão, colocou-se a postos e tentou ser o mais provocante possível.
Ela ficou exultante ao vê-lo boquiaberto. Ele não conseguia tirar os olhos de seu corpo, percebeu o exato momento em que ele viu o que o espelho estava a refletir, pois ele, imediatamente, tirou o terno, aproximando-se dela com os olhos em chamas e tocou-a levemente no queixo. Ela mal conseguia respirar, pois já podia sentir o beijo ardente que iria receber e sentiu-se animada, pela primeira vez, para ser levada à cama.
Mas as palavras que ela ouviu, fizeram com que lágrimas chegassem aos seus olhos. Imaginando que o seu cérebro estivesse pregando uma peça em seus ouvidos, continuou a olhá-lo a espera de seu merecido beijo. O seu amado esposo falava, fria e educadamente, que ela deveria colocar uma roupa, enquanto colocava sobre os seus ombros o terno que ele havia retirado.
Arrasada, com tamanha humilhação, correu para o quarto a chorar e, enquanto vestia sua roupa, pensou no quanto fora estúpida. Afinal, ela não deveria ter remexido em algo que não lhe pertencia.
Anônima
Se me permite a contribuição conquanto “literato” hehe…
Gostei do estilo viu? Mesmo apesar do final triste! Texto interessante que trás bons pontos de partida pra reflexões sobre algo que pode parecer um problema antigo, mas ainda assim persiste em existir em nossos dias atuais. Tão logo acho que nesse sentido a literatura cumpre bem o seu papel ao trazer à tona questões que tocam nossa realidade através do exercício da linguagem no âmbito do ficcional!
Parabéns.Ótimo texto. Só achei a história triste. : (
Atualmente, fala-se tanto em liberdade de expressão, que devemos realizar todas as vontades sem se importar com a sociedade, mas ainda ouço relatos de mulheres desiludidas e decepcionadas com o casamento. São mulheres românticas, cheias de criatividades para fazer uma performance sexual para agradar seus brutos maridos e no final eles jogam um balde de gelo.
Infelizmente, ainda existem homens assim, que se satisfazem sexualmente, viram pra o outro lado e roncam até de manhã.
Acredito que em qualquer relacionamento deve existir diálogo e que ambos devem expor seus desejos e também buscar conhecer os desejos do outro para se satisfazerem juntos.
Excelente texto! Parabéns!
Não sei se foi pelo estilo da escrita, mas tive a impressão de que o contexto no qual se desenrola a história parece ser de época, embora eu acredite sim que ainda hoje em vários cantos, ainda deva acontecer coisas desse tipo, casamento por conveniencia e convivência conjugal apática e sem expressão de sentimentos.
Também acho.
Que história mais triste!
Fico pensando em quantas mulheres não passaram (e passam) por isso…
eu acho que essa coca é fanta!
Eita …