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Paraíso.

Paraíso.

| Somir | | 6 comentários em Paraíso.

Émerson podia sentir a vida se esvaindo de seu corpo. Sua mulher, filhos e netos o acompanhavam naquele estéril quarto de hospital. Os aparelhos, cabos e tubos ligados ao seu corpo já não incomodavam mais. A visão borrou antes de se apagar, a última imagem do sorriso triste, porém reconfortante de sua companheira de décadas.

Como se acordasse de um sono profundo, ele sentiu o corpo se mover antes mesmo da mente entender o que acontecia. Estava num campo aberto, paisagem bucólica infindável diante de seus olhos. O céu aberto, sem uma nuvem. Podia sentir o calor do sol e uma gentil brisa acariciava sua pele. Não havia mais dor.

À sua frente, parecia ver uma luz dançando ao sabor do vento, formas que lentamente se solidificaram numa figura masculina de meia idade, ombros largos, longos cabelos e frondosa barba, ambos brancos feito o algodão. O homem trajava uma túnica igualmente alva, e sorria de forma tranquilizadora.

ÉMERSON: Deus?
DEUS: Sim.
ÉMERSON: Eu morri?
DEUS: Sim.
ÉMERSON: E isso aqui é o Céu?

Deus sorri, olha ao seu redor por alguns instantes e volta sua atenção novamente para o homem.

DEUS: Sim. Mas não necessariamente o seu.
ÉMERSON: Como assim?
DEUS: Você foi um bom homem em vida. Não peço mais do que isso. Eu te dei a vida, te deixei passar por grandes dificuldades… e agora nada mais justo que eu te deixe descansar um pouco. Esse é o seu Céu. Como ele vai ser, depende de você.
ÉMERSON: Tem um Céu para cada pessoa?
DEUS: Espaço não é problema para mim. Vocês se sentem mais felizes com recompensas personalizadas… mesmo pessoas com as mesmas religiões imaginam o Céu de formas diferentes. É melhor que cada um aproveite do seu jeito.
ÉMERSON: Mas e esse campo aberto aqui?
DEUS: Você imaginou. Era o que você esperava encontrar… foi o que você encontrou. Agora, imagine que no seu Céu perfeito tenhamos coelhos felpudos correndo pela paisagem…

Émerson começa a olhar para o horizonte, e por detrás de um arbusto saem correndo dezenas de coelhos.

ÉMERSON: Hahaha! Coelhos!
DEUS: Pois é. O que te fizer feliz, você coloca aqui. E não precisa se preocupar, não vai fazer falta em outro lugar.
ÉMERSON: Eu posso trazer pessoas para cá?
DEUS: Quem?
ÉMERSON: A… *pensativo* a minha mulher.
DEUS: Você disse isso, mas você não pensou isso.
ÉMERSON: Perdoai-me, Senhor!
DEUS: Ei… ei… calma. O julgamento acabou e você já foi inocentado. Eu estou aqui para te ensinar como as coisas funcionam, não para dar pitacos! Se você quer aquela modelo com os seios grandes aqui, é só querer. E o nome dela é Tatiana… se bem que você pode chamar ela por qualquer nome aqui. Suas regras!
ÉMERSON: Isso… isso é um teste?
DEUS: Não. Estou te dando carta branca mesmo. Você mereceu isso, pode aproveitar!
ÉMERSON: Sério?
DEUS: Experimenta!

Émerson olha para o grama, fecha os olhos e se concentra. Assim que os abre novamente, uma voluptuosa loira vestindo um apertado vestido vermelho surge diante de seus olhos. A expressão dela é de confusão.

ÉMERSON: Uau… oi…
TATIANA: Что происходит?
ÉMERSON: Oi?
DEUS: Tatiana é russa e não tem a menor ideia do motivo de estar aqui. Você tem que ser mais preciso na hora de imaginar.
ÉMERSON: … *concentrando-se*
TATIANA: Meu amor!

Tatiana corre até Émerson e dá um abraço apertado nele. Logo começa a cobrí-lo de beijos.

ÉMERSON: Ha! Haha! Calma! Opa!
DEUS: Hahaha! Você a deixou carinhosa!
ÉMERSON: Ela… ela não desapareceu do mundo real para vir pra cá, não?
DEUS: Não. É uma cópia. Você não vai criar problema para ninguém com o que imaginar aqui.

A loira russa começa a ficar mais ousada em seus avanços para cima de Émerson.

ÉMERSON: Opa! Espera! Para! Para!

A moça cessa todos seus movimentos, como se estivesse congelada no tempo.

DEUS: Se era por minha causa, não se preocupe. Eu fiz vocês, eu sei tudo o que vocês fazem e nada… nada é novidade.
ÉMERSON: É… mas…
DEUS: Privacidade, é claro.
ÉMERSON: Não é que eu tenha vergonha de você, mas…
DEUS: Não precisa explicar. Entendeu como as coisas funcionam aqui?
ÉMERSON: Acho que sim… mas… é por toda a eternidade?
DEUS: Não se preocupe com tempo. Você não vai se atrasar para nada! E respondendo sua pergunta… é e não é. Se você quiser que seja por toda a eternidade, vai ser. Se não quiser, acaba.
ÉMERSON: Eu posso acabar com tudo isso se pensar errado?
DEUS: Sim, mas se mudar de ideia, pode voltar. Não existe o risco de alguma besteira estragar tudo, se era o que te preocupava.
ÉMERSON: Você vai ficar por aqui?
DEUS: Só se você quiser que eu fique.
ÉMERSON: Eu jamais te mandaria embora!
DEUS: Eu vou e volto quando você quiser, meu filho.
ÉMERSON: Mas você deve ter tanto o que fazer…
DEUS: Na verdade não. De uma certa forma eu também sou uma cópia…
ÉMERSON: Oi?
DEUS: Você me imaginou junto com esse cenário onírico.
ÉMERSON: Você não é Deus?
DEUS: Sou. Você me criou para responder essa pergunta, oras. Você acreditava que precisava encontrar Deus no Céu, e foi isso o que aconteceu.
ÉMERSON: Mas onde está o Deus de verdade?
DEUS: Aqui. Sou eu. A não ser que você imagine outro.
ÉMERSON: Então Deus não existe?
DEUS: Oi? Não está me vendo?
ÉMERSON: Mas um Deus que eu imaginei não vale!
DEUS: Por quê?
ÉMERSON: Eu quero conhecer aquele que me deu esse poder todo!
DEUS: Mas… ah, ok.

Um grande conjunto de nuvens brancas surge no céu. Do alto delas uma poderosa luz emana, dividindo-se num arco-íris como se passasse por um prisma. A luz multicolorida desce até o chão, e uma voz poderosa ecoa pelos ares:

DEUS: Eu sou Deus!
ÉMERSON: Senhor! Senhor! Que honra estar diante de Sua presença!
DEUS FALSO: Émerson…
ÉMERSON: Oi?
DEUS FALSO: Você também criou esse. Achei mais interessante que essa forma aqui… mas ainda sim, você que criou.
ÉMERSON: Mas… parece tão… tão… poderoso!
DEUS FALSO: Imagina que Deus virou uma andorinha.
ÉMERSON: Hã?
DEUS FALSO: Imagina…

Émerson olha para os céus e logo vê todo aquele espetáculo pirotécnico transformar-se num pássaro.

DEUS FALSO: Isso foi uma gaivota!
ÉMERSON: Eu sou meio ruim para imaginar pássaros…
DEUS FALSO: Que seja, o ponto que importa. Não sei se você já entendeu, mas a coisa mais próxima de Deus aqui é você mesmo.
ÉMERSON:

O Deus falso transforma-se num cão vira-lata.

CÃO: Au! Au! Au!

Émerson se concentra um pouco mais…

CÃO: Um cachorro falante! Hahaha!
ÉMERSON: Hehe… ainda está difícil conceber esse conceito de onipotência.
CÃO: A parte boa é que você tem todo o tempo do mundo! Não precisa ter pressa… que tal soltar a Tatiana e imaginar aquela piscina incrível do hotel quando você foi para a Espanha?
ÉMERSON: Seria divertido… mas… peraí, como você sabe disso?
CÃO: Não é óbvio? Eu sou você. Precisamos nos dividir para entender melhor o que estava acontecendo.
ÉMERSON: Pensando bem, é óbvio. Sabe o que eu estou pensando?
CÃO: Sei.
ÉMERSON: Verdade. Será que não vou… vamos… enjoar?
CÃO: Acho que já enjoamos.
ÉMERSON: Émerson provavelmente não é o primeiro nome que eu tive…
CÃO: E isso explicaria porque eu consegui te explicar tão rápido o funcionamento daqui.
ÉMERSON: Será que é assim para todo mundo?
CÃO: Como saber se nunca as encontramos aqui?
ÉMERSON: Talvez seja por isso que a gente volte.
CÃO: Dessa vez não podemos esquecer de perguntar.
ÉMERSON: E se a gente já souber a resposta e fazemos isso para esquecer por algum tempo?
CÃO: Droga… lembrei da resposta.
ÉMERSON: Eu também. Vamos voltar.

FIM – Por enquanto.

Para dizer que o texto ficou complicado rapidamente, para dizer que já sabe a resposta, ou mesmo para dizer que quer voltar: somir@desfavor.com

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