Negócio da Grécia.

Faz tempo que não posto, então só para explicar mais uma vez: Dés Potas é a coluna onde tentamos resolver todos os problemas do mundo. Nada de tão complicado assim…

Na última segunda-feira, os bancos gregos não abriram. Pudera: a população – preocupada com alguma medida mais radical do governo – resolveu guardar seu dinheiro debaixo do colchão até a crise arrefecer um pouco. E dinheiro fora dos bancos é um mal sinal para economias baseadas em… bom, baseadas em porra nenhuma como a imensa maioria delas nos dias atuais. O povo que pague a conta. Talvez esteja na hora de dar algum propósito para todo esse valor em circulação.

Não sou economista, mas um pouco eu posso dizer: a humanidade em geral modificou seu modo de enxergar valor nos últimos dois séculos. E de forma bem mais ativa nas últimas décadas. Se um dia valor era algo sólido como uma barra de ouro, o modelo atual obedece mais ou menos a mesma lógica de usar um cartão de crédito para pagar outro cartão de crédito. Sim, é um sistema de confiança, mas baseado em dívidas. Enquanto todo mundo estiver devendo para todo mundo, dá para levar em frente a ideia de que cada nota de dinheiro não passa de uma nota promissória, mas isso começa a ficar complicado quando alguma das partes deixa de… dever.

Na Grécia, por exemplo: na sanha de entrar para a zona do euro, os gregos foram… criativos… com suas informações sobre a sua economia. Os governos foram tomando empréstimos para maquiar as contas e não contaram para ninguém. Com isso alcançaram números aceitáveis para fazer parte do bloco europeu de moeda única. Esperava-se que esse truque se pagasse no futuro, com maior interação econômica com as potências locais. Mas a mentira tem pernas curtas.

Os governos pós-euro perceberam logo que estavam com uma bomba nas mãos. A moeda valorizada não condizia com as reais condições do país, aumentando assustadoramente os custos de manter a máquina estatal funcionando. Junte-se a isso todos aqueles empréstimos que acabaram vindo à luz dos anos de maquiagem nos resultados. Receita de desastre: o país custava muito mais caro e tinha muito mais dívidas do que presumia. A Grécia até que tentou, aplicando pacotes de grande austeridade nos últimos anos para tentar conter o desastre. Mas não é como se o sistema fosse planejado para realmente resolver esse tipo de problema.

A Grécia é uma dor de cabeça para a zona do euro por um simples motivo: seus débitos não encaixam mais no sistema. O que você prefere, ter uma promissória de dez mil reais de um cidadão de classe média ou uma de um milhão de um mendigo? O sistema é baseado em dívidas difíceis de pagar, mas não impossíveis. Quando os gregos olham para suas contas e não tem nem ideia de onde tirar o dinheiro, suas dívidas são irrelevantes. Vivemos num modelo de economia mundial onde o ideal é que todo mundo permaneça endividado, com muitos juros acoplados. Mas chega uma hora onde fica claro que isso não foi pensado no longo prazo: se os juros forem empilhando indefinidamente, a humanidade simplesmente não consegue mais produzir valor suficiente para pagar essas dívidas.

O modelo desaba e acabamos todos com notas promissórias de mendigos. Valor potencial desperdiçado. A merda que acontece com os gregos não tem hora pra acabar a não ser que alguém suma com as dívidas deles. Seria humanitário esquecer os débitos para deixar um povo se reerguer, mas seria um precedente devastador para o resto do mundo. O sistema está baseado em dívidas, e perdoá-las faz dele uma piada.

Acredito que já estamos chegando no ponto de rever o sistema. Não é nem uma questão de capitalismo e comunismo, é mais profundo do que isso, é enxergar uma nova forma de auferir valor no mundo. O método do ouro foi excelente por um tempo, mas ele tem suas restrições: não existe valor virtual, ele dá pouco incentivo para inovação. O método das dívidas não tem a solidez do ouro, mas permite que inventemos valor de acordo com nossas necessidades. Como quantificar em ouro o valor de uma marca? Ou uma rede social? Infelizmente esse modelo também bate num limite de valores “sociais”. E quando o modelo joga um país numa crise aparentemente sem fim? O lucro nos trouxe até aqui, mas talvez não seja o veículo ideal para os próximos quilômetros da nossa estrada.

Se num sistema capitalista a população é gado e se num socialista ela é ferramenta, que tal voltarmos a ser humanos? A minha ideia é simples, mas imensamente complexa de se alcançar: vamos derivar valores de resultados. A humanidade define objetivos (livremente) e valoriza quem os torna possíveis. E é claro, não pode ser um só e não pode ser só coisa de um governo. O conceito é viver num mundo onde o valor está diretamente atrelado a um resultado prático, mensurável e compreensível.

Teríamos a meta de erradicar a fome, a de montar uma base em Marte, a de ensinar direito para a população, a de conquistar 50% das vendas numa região… o que pode ser definido (minimamente) bem por números e provas concretas vira valor. Ao invés de trabalhar para uma corporação cujo fim seria o lucro, trabalha-se para uma que tenta lucrar ao participar de um projeto para construir mil escolas no Nordeste, por exemplo. O lucro está intocado, a iniciativa pessoal também, mas o valor está atrelado ao resultado. Você pode ficar rico do mesmo jeito, desde que consiga trabalhar bem no mercado de ações (e agora esse termo seria bem realista).

Imagine uma bolsa de metas. Gerando valor de acordo com interesses momentâneos, aumentando o lucro de quem está nos mais populares e diminuindo os de quem não está. Governos poderiam injetar dinheiro nas ações dessas metas para incentivar o que julgam mais importante, empresários poderiam vender sorvete para ajudar a cura do câncer, poderíamos usar o sistema que temos para resolver alguma coisa, só pra variar. Se não é factível derrubar no curto prazo a imensa concentração de renda dos dias atuais, que pelo menos a direcionemos para conseguir algumas soluções.

Ao invés de endividar países só para não quebrar todo o sistema, que o façamos para que ele demonstre algum resultado para sua população. O que eu enxergo nesse momento é um enorme desperdício de valor potencial num jogo que poderia ajudar a humanidade, mas não o faz. Muito se engana quem acha que temos que ficar bonzinhos para aumentar a qualidade de vida no mundo, basta direcionar o esforço para lugares melhores. Mantenha-se o sistema de valor potencial, mas chega de dívidas! O dinheiro está ficando tão concentrado que não vai ter mais de quem cobrá-las no futuro.

Não é o sistema capitalista que está entrando em colapso, é o nosso conceito de valores. Faz sentido não ficarmos amarrados em recursos físicos quando temos tantos “virtuais” à disposição, mas também não adianta nada se o objetivo final desse sistema é fazer coleção de dinheiro! Estamos acordando cedo e trabalhando o dia todo para quê? Somos mais do que capazes de corrigir o curso (como já fizemos outras vezes) e fazer esse esforço todo dar em alguma coisa.

E com o enorme poder dos governos no mundo – usado para manter o sistema de dívidas no lugar – não deve ser difícil transformar metas que são aparentemente de baixo potencial lucrativo em minas de ouro! Não pagamos impostos? Justamente por isso. Alguém tem que fazer o serviço “sujo” de desperdiçar valores na construção de uma sociedade mais justa, segura e igualitária. Não precisamos de empresas fingindo ser boazinhas, precisamos de gente trabalhando sério e ganhando sua vida para fazer vidas melhores.

Evoluímos rapidamente com metas lucrativas. Quando o governo mais rico do mundo cismou que queria ir para a Lua para demonstrar superioridade sobre seu adversário global, o dinheiro apareceu e fizeram acontecer. Não precisa de objetivo nobre para fazer coisas nobres. Se curar doenças for lucrativo o suficiente, o mercado mexe a bunda e as pessoas começam a ter mais oportunidades de demonstrar engenhosidade diante do problema. No esquema de dívidas, ainda tem muito esforço envolvido, mas poucos resultados práticos. São os valores que estão errados.

Ao invés de cobrar da Grécia um balanço de uma empresa saudável, que se coloque seus ativos em metas “menos lucrativas” como punição. Erradicar fome no mundo dificilmente vai estar no topo das prioridades de uma economia de metas, então quem não honrar seus compromissos nas mais lucrativas fica obrigado a ralar em dobro por uma das menos. O povo se fode quase do mesmo jeito, mas não para pagar dinheiro imaginário para credores que nem sabem o que fazer com isso (a não ser criar novas dívidas).

Ainda existe senso de responsabilidade. Não é “bondade” nenhuma, são apenas negócios. E aí quem sabe esse cachorro para de correr atrás do próprio rabo, só pra variar…

Para dizer que isso não resolve tudo, para dizer que isso ainda é muito conceitual pro seu gosto, ou mesmo para dizer que bobagens à parte finalmente entendeu o que aconteceu na Grécia: somir@desfavor.com

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Comments (7)

  • Eu cheguei a pensar que até as Olimpíadas acabaram “jogando (Há !) contra” neste sentido, entretanto eu (acho que) só sei de duas coisas : a tal dívida que já beirava o teto com os antigos governos e, principalmente, que um grupo (suficientemente) bem “alavancador” do Syriza foi…o dos aposentados.

    E pensando que a população daqui mesmo ainda ter tão aumentada a média de idade, apesar de tudo… #medo !!!

  • O melhor que a Grécia pode fazer é sair, reinstaurar o drachma e importar apenas o estritamente necessário. Antes a moratória do que seguir desperdiçando tudo que é recurso para continuar na zona…

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