Quer pagar quanto?

Segunda-feira passada, aconteceu provavelmente a maior surpresa da história do futebol profissional. O pequeno Leicester, clube da cidade homônima situada no centro da Inglaterra, ganhou a Premier League inglesa, a primeira divisão deles. Se você entende de futebol, sabe o tamanho do que eu estou mencionando aqui, mas, não custa reforçar, até mesmo para quem ainda não entendeu a graça dessa história toda.

Vou ser bem didático pra quem caga e anda para futebol (o que eu até admiro): nas últimas décadas, os ingleses se esforçaram para ter o campeonato de mais alto nível do mundo. Cansados de serem uma piada para outras escolas de futebol, resolveram se abrir para o resto do mundo, acolhendo talentos e conselhos para criar a Premier League. E mesmo que para muitos eles ainda sejam meio pernas-de-pau, para organizar um campeonato e fazer dinheiro com ele, eles foram craques.

A Premier League acaba se tornando o campeonato mais rico e disputado do mundo, dinheiro entrando a rodo, inclusive com a abertura para bilionários estrangeiros comprarem os mais tradicionais clubes de futebol locais. Salvo engano, praticamente todos os clubes grandes deles são de algum estrangeiro com muito mais dinheiro do que juízo. E isso significa que na prática não tem nenhum outro campeonato no mundo que gaste tanto dinheiro com jogadores quanto a Premier League.

Para vocês terem uma ideia, o clube Manchester City (sob controle de árabes) contratou o técnico Guardiola para a próxima temporada e já disse: vai dar um bilhão de reais para ele comprar quem bem entender para o time. O Chelsea já gastou mais de cinco bilhões de reais com jogadores desde que foi comprado por um bilionário russo. Outros grandes como Liverpool, Manchester United e Arsenal também não ficam atrás, todos torrando bilhões ano sim, ano também.

E mesmo os times médios de lá (não necessariamente em torcida, mas em investimento) tem muita bala na agulha, porque o sistema de divisão de cotas de TV e patrocínios em geral é bem mais igualitário, sem contar que o bolo é muito maior. Tem gente do mundo todo vendo o campeonato, até porque a maioria dos grandes jogadores do mundo está por lá. Estou apontando essas informações por um motivo: para que as pessoas entendam que o campeonato inglês é disputado entre seleções mundiais com a maioria dos jogadores e treinadores mais caros. Só na Espanha, e só com Real Madrid e Barcelona, encontra-se algo parecido nesse sentido.

Pois bem… e o Leicester? Com certeza todo mundo já ouviu falar de zebras, aqui mesmo no Brasil temos histórias de times pequenos que ganharam campeonatos contra todas as probabilidades, mas tem alguns fatores que mudam as coisas de perspectiva no caso das raposas (apelido do time de Leicester): eles não ganharam um campeonato de eliminação, o chamado “mata-mata”. Não foi questão de dar sorte em uns quatro ou cinco jogos, o Leicester foi campeão nos pontos corridos. Já foram 36 jogos até aqui, com apenas 3 derrotas. O suficiente para ganhar o campeonato com duas rodadas de antecedência. Leicester foi campeão na regularidade, ganhando de geral com consistência. Inclusive dos times bilionários.

E para ter uma ideia de quão surpreendente foi: na temporada anterior, estava lutando contra o rebaixamento, tendo escapado no final, na bacia das almas. Começou o campeonato como o terceiro time com a menor folha de salários da liga, e mesmo assim só um pouco melhor que os dois últimos. Time recheado de ninguéns e refugos de outros times. E pra piorar, resolveram contratar um técnico que ninguém mais acreditava que faria algo de bom na carreira, o italiano Claudio Ranieri, virgem de títulos nacionais em sua longa carreira.

A expectativa da diretoria era clara: não cair. Não voltando pra segunda divisão, estava tudo lindo. As casas de aposta inglesas estavam pagando 5000/1 na chance do Leicester ser campeão. A cada um real apostado nessa possibilidade, receberia 5000 de volta. Para comparar, estavam pagando 1000/1 para o caso do Hugh Hefner, fundador da Playboy, admitir que na verdade era virgem. A ideia dos zés ninguém de Ranieri ganharem o campeonato mais caro do mundo era tão absurda quanto o Brasil se tornar um país decente. Ninguém fora da Inglaterra sequer sabia da existência do Leicester.

O campeonato começou, as raposas começaram a ganhar vários jogos seguidos, chegando à liderança. Mas, quem conhece futebol sabe que isso nem é surpresa, vira e mexe um time pequeno assume a ponta em campeonatos de pontos corridos logo no começo. Mas eles nunca duram. Quando o Leicester perdeu uma e empatou outra, caiu um pouco na tabela e parecia que tudo ia seguir o script tradicional. Nem o Leicester acreditava, já estavam contentes com os pontos “bônus” ganhos ali que serviriam pra escapar do rebaixamento depois. Mas, o tempo passou, e eles não saíram de perto do topo. Na verdade, logo antes do fim do primeiro turno eles voltaram pra liderança e não saíram mais. Foi aí que o mundo do futebol ficou maluco por eles, de verdade.

Mas o que é tudo isso sem as histórias humanas? O começo da campanha do Leicester foi arrasador, e muito pela ajuda de um jogador chamado James Vardy. Não era uma jovem promessa não, e sim um cara de quase trinta anos de idade que até 2010 jogava na NONA divisão do futebol inglês. É o tipo de campeonato onde você pode parar para tomar uma cerveja no meio do jogo… Vardy fez 11 gols nos primeiros 11 jogos do campeonato, batendo um recorde da liga. E tem 22 até agora, muito mais que jogadores que custaram exponencialmente mais para seus clubes.

Além dos perdidos na vida, o time ainda chamou um bando de refugos de outros times, jogadores que nunca tinham dado certo na carreira. Eu só conhecia os nomes deles por causa do Football Manager (um jogo de futebol extremamente nerd). O Leicester era aquele time que nem no videogame conseguia ganhar campeonatos, pelos jogadores serem ruins demais. O melhor jogador da temporada, escolhido pelos jogadores da liga, foi o argelino Mahrez, que jogava num time pequeno da França até 2014, e mesmo no Leicester não tinha feito nada demais. É até engraçado como quase todos os jogadores do time tem alguma história de serem preteridos ou de não jogarem nada até o começo desse último campeonato.

É comum ver a história de superação de um jogador ou dois num clube, mas, essa do time inteiro, inclusive o técnico, darem a volta por cima numa temporada só, é muito inédito na história do esporte. Nunca um time tão desacreditado fez tanto num campeonato contra adversários de tanto peso como o Leicester campeão de 2015/16. O que me faz pensar no seguinte: o quanto valem de verdade os jogadores badalados caríssimos do futebol atual?

Ontem mesmo o Atlético de Madrid do técnico argentino Simeone mandou pra casa o Bayern de Munique, da grife Guardiola e com seus bilhões de investimento também. Que sempre soou estranho que um jogador ganhasse milhões por mês para chutar uma bola acho que ninguém discute, mas era meio que a condição para ganhar títulos. Talvez ainda seja. Mas, tem um fato humano aí que mostra como no final das contas, tendo a capacidade de correr e chutar uma bola, existe uma chance de jogar o suficiente para ser campeão. Vindo de uma transferência de centenas de milhões de euros ou da nona divisão!

Está meio que na cara que na Inglaterra o lance de torrar bilhões tem muito mais a ver com lavagem de dinheiro do que propriamente adquirir valor esportivo. Não é sempre que o bando de “losers” de um Leicester da vida vai encaixar uma sequência inacreditável de vitórias contra todas as possibilidades, mas eles sempre vão ser uma pedra no sapato do modelo de gastança. O rei deveria estar nu depois desse título improvável, mas algo me diz que o Leicester vai ganhar muito dinheiro vendendo seus jogadores e a lição vai acabar diluída com o passar do tempo.

De qualquer forma, mesmo que seja para ter o que dizer numa conversa de bar, lembrem-se do Leicester. Ninguém fez o que eles fizeram, e provavelmente não vai acontecer de novo. Eu vou estar torcendo muito no ano que vem, pra ver se o raio cai duas vezes no mesmo lugar, mas… já foi bacana que isso tenha acontecido.

Para dizer que não vem aqui pra ler sobre futebol, para dizer que é Leicester desde criancinha desde semana passada, ou mesmo para dizer que gosta mesmo é dos tweets trolls dos jogadores deles: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (6)

  • Torço para o Liverpool (com quem simpatizo desde criança por causa dos Beatles) desde a semifinal da Champions 2004/2005 contra o Chelsea. A partir daí passei a acompanhar o Espanhol, os torneios Europeus e, principalmente a Premier League e por isso sei o quanto é difícil vencê-lo. Já achei um milagre o Liverpool, rico e tradicionalíssimo quase ter sido campeão há 2 anos. Leicester então… A partir do momento que vi que os Reds não teriam a mínima chance de vencer este ano, torci demais para os Foxes. Merece um filme essa história!

  • Li em um blog esportivo que, o que contribuiu também para o título do Leicester foi o comprometimento dos jogadores e técnico, tidos como rejeitados por outros clubes. Além dessa união e o sentimento paternalista do técnico para com o elenco, há de se destacar o futebol do Leicester, que pode não ser considerado de encher os olhos, mas foi sim extremamente competitivo e regular, essencial para conquista do título.
    É por essas e por outras que ainda vale a pena acompanhar futebol, apesar de toda a sujeira que o cerca.
    Falando nisso, li recentemente sobre o futebol nos EUA, que segundo informaram já está bastante difundido e até enchendo estádios . Será que teremos finalmente um mercado americano pra somar nessas ligas milionárias?

    • Tem histórias ótimas desse Leicester. Até pelos jogadores serem tão refugos, nenhum ego entrou no caminho. Todos muito felizes de estarem fazendo sucesso, pra variar. Ranieri foi paizão, mas sem filhos mimados.

      • Uma dessas estórias deliciosas foi quando o técnico prometeu levá-los para comer uma pizza caso o time conseguisse terminar uma partida sem levar gol.

        Cumprido finalmente o objetivo, após algumas rodadas, o técnico cumpriu sua promessa. Só que, chegando ao restaurante, os jogadores foram levados à cozinha para fazer pizza para toda a equipe, e o tecnico disse para eles levarem o que aprenderam naquele dia para o restante do campeonato, no sentido de valorizarem cada conquista. Bacana.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: