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Lua cheia.

Lua cheia.

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José Carlos fez tudo como mandava o figurino: reservou o melhor restaurante da cidade com semanas de antecedência, vestiu-se impecavelmente com o melhor terno que tinha, pediu o mesmo prato que os dois comeram no seu primeiro encontro, e na sobremesa, um anel de noivado ainda mais brilhante que o original. O som dos violinos e das palmas dos presentes não abafou o “sim” à sua proposta de renovação dos votos depois de seis anos de um casamento que já estava caindo na rotina. Ao chegarem em casa, após algumas taças de vinho e um clima de flerte e sedução que há tempos não encontrava lugar na relação, ambos partem para a cama para sacramentar a noite romântica.

Há tempos que ele não a via tão empolgada, com certeza o esforço para criar uma noite perfeita estava dando frutos. Nos poucos segundos que ela lhe dava paz o suficiente para pensar, notava até como o corpo dela estava mais enxuto e bem cuidado do que se lembrava. Não fez nem questão de penumbra, como de costume. O sexo estava espetacular, um novo parâmetro de qualidade que teria prazer, literalmente, de manter nos anos vindouros. Após ser agraciado com um ato que normalmente não era muito do gosto dela, José Carlos vira-se para o lado, corpo mais inclinado que o dela para que seu peito pudesse servir de travesseiro para a mulher. Ela acaricia sua barriga lentamente enquanto se aninha sob seus braços.

Ele busca o contato visual e é correspondido. Eles se falam apenas com o olhar, ambos satisfeitos e cansados depois de horas e horas de sexo. José Carlos aponta o olhar para a janela:

“Até a Lua caprichou para a nossa noite… está mais cheia e brilhante do que o normal.”

Ela acompanha, e retorna com um sorriso.

“Eu te amo…”

Ele fica com os olhos marejados, como se fosse a primeira vez que ouvisse. Não havia dúvida alguma da sinceridade dela, ele retribui a declaração, e logo a abraça com mais força, olhando mais uma vez para a Lua antes de se posicionar para um merecido sono. A expressão apaixonada de seu rosto transforma-se imediatamente em descrença.

“Puta que pariu, Carol…”

José Carlos abre os olhos, está na mesma cama, mas sua mulher não está mais nua em seus braços, e sim usando seu pijama furado favorito, deitada de bruços do outro lado do colchão. Ele respira fundo, furioso. Acende a luz do abajur do seu lado da cama, retesando todos os músculos do corpo. Com os dois braços, chacoalha a mulher até acordá-la:

“Carol, acorda! Acorda!”

Ela o faz, expressão passando de confusão a desespero em segundos.

“Eu não acredito… puta que pariu, eu não acredito!”

Ela continua em silêncio, visivelmente buscando palavras sem sucesso.

“Não vai falar nada? Hein?”

Carol senta-se na cama, de frente para José Carlos. Seus olhos enchem-se de lágrimas:

“Zeca, meu amor… eu… eu não queria estragar essa noite… eu estava muito cansada, muito cansada mesmo. Eu acordei super cedo e tive que fazer um monte de coisa no trabalho…”

“Você me botou numa simulação pra poder pular a parte do sexo? Puta que pariu, Carol!”

Ela fica em silêncio novamente.

“Argh… não foi só o sexo, né? Desde quando?”

Ela coça a cabeça, tenta desviar o olhar.

“DESDE QUANDO, CAROL?”

“Desde… desde a hora que você chegou. O restaurante é lindo, eu amei você ter escolhido ele, mas era muito longe…” – ela diz envergonhada.

José Carlos fecha os olhos e cerra os dentes.

“Mas não foi mentira, eu queria fazer tudo aquilo que a gente fez, mesmo. Eu até comprei aquela lingerie, ia acordar mais cedo e vestir ela pra você nem perceber… eu queria tudo mesmo, só estava cansada! As coisas que eu disse eu mesma programei… eu juro!”

Ele se levanta da cama.

“Eu te dei minha chave de segurança… sabe quem mais tem isso nesse mundo? NINGUÉM! Só você. Eu só confiei em você para poder fazer simulações comigo… e era pra um momento difícil, pra quando eu estivesse muito doente, pra quando eu não pudesse me proteger. E você… você usou isso pra poder dormir mais a noite? Caralho!”

“Eu não queria estragar nossa noite estando cansada. Eu disse sim, não disse? Não foi uma noite maravilhosa? Eu não fiz aquilo que você adora que eu faça?” – ela junta as mãos diante da boca, encolhida.

“Não foi você! Foi uma simulação! Você não fez nada, você não disse nada, foi uma porra de um programa que fez tudo… você ficou roncando aí enquanto me enganava! Não é pra isso que o sistema de realidade alternativa serve, não é pra isso! Eu sabia que a gente não devia ter instalado isso na cabeça… mas eu confiei, eu confiei que se só você tivesse acesso, eu nunca seria enganado! Você… você já tinha feito isso outras vezes?”

“NÃO! Nunca, nunca… foi a primeira e a única vez, eu prometo. Me desculpa, Zeca… eu não queria te deixar assim… me desculpa!” – ela começa a chorar depois da frase.

“Argh… me dá um tempo pra processar isso. Eu… eu ainda não acredito. Se não fosse a Lua começar a dar defeito e piscar no céu, eu nunca teria percebido!” – ele vai até a janela do quarto e olha para fora, com uma Lua igualmente cheia no céu, mas bem menos chamativa que há alguns minutos atrás.

“Eu te compenso, eu juro! A gente faz tudo de novo, de verdade. Me dá uma chance de consertar esse erro… por favor, meu amor…” – Carol se aproxima de José Carlos, abraçando-o pelas costas, suas lágrimas molhando as costas dele.

“Tá bom… tá bom… se você entende como isso me deixou triste, se você promete que nunca mais faz isso comigo… eu… a gente dá um jeito nisso.” – ele se vira de volta para a mulher, e os dois trocam um longo abraço.

A mulher passa os próximos minutos declarando seu amor e enchendo o marido de beijos, fazendo juras e mais juras de nunca mais enganá-lo dessa forma. Eventualmente ele cede, e começa a responder com o mesmo carinho. Os dois voltam para a cama, ela deitada sobre seu peito. Logo Carol pega no sono, José Carlos sente as pálpebras pesando antes de apagar a luz do abajur.

A luz pisca em azul, vermelho e verde antes de apagar.

“Não…”

José Carlos abre os olhos mais uma vez. Está sentado no sofá da sala, sua mulher sentada ao seu lado, expressão assustada.

“Você estava tendo um pesadelo!”

“Eu… eu… caralho! Eu dormi aqui no sofá?”

“Fiquei com dó de te acordar. Tudo bem?” – ela coloca a mão por sobre o rosto de José Carlos, ternamente.

“Tudo… eu, eu vou… eu vou tomar um banho gelado pra acordar.” – ele diz antes de se levantar e sair da sala.

Carol espera até o marido sair de vista, e com um toque na têmpora faz uma chamada:

“Amiga, deu certo. Agora eu sei que ele me perdoa se eu fizer aquilo e der problema… posso ir na sua despedida de solteira amanhã e voltar estragaaaada! Sim, não perderia por nada! Beijo!”

Para dizer que o amor é uma coisa linda, para dizer que o futuro promete, ou mesmo para dizer que adora uma história romântica: somir@desfavor.com

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