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Democráticos?

Democráticos?

| Desfavor | | 13 comentários em Democráticos?

A democracia ainda é o menos pior dos sistemas de governo que criamos, o que com certeza não quer dizer que não tenha seus defeitos. Sally e Somir discutem qual o maior deles, e os impopulares tem o direito de trazer sua opinião.

Tema de hoje: qual a pior parte da democracia?

SOMIR

Vou ter que votar no voto. Aliás, melhor: voto popular. Tudo bem que democracia baseia-se justamente na liberdade de escolha dos nossos representantes, mas mesmo sendo o elemento central do sistema, não deixa de ser um desfavor o que o povo faz com seus votos. A democracia poderia ser muito melhor do que é se o brasileiro (ou qualquer outro povo) se importasse mais com isso.

Infelizmente, não é o caso. Do jeito que a coisa vai, não tem nada pior na democracia do que o voto. Justamente por ser a fundação de tudo: quando algo já começa errado, podem ter certeza que fica muito mais difícil arrumar depois. E eu nem preciso ir muito longe para sustentar o ponto: com as operações da Polícia Federal recentes pudemos ver quão terríveis são nossos representantes, incompetentes demais até para a corrupção!

Eu poderia ficar martelando nas péssimas escolhas que o povo faz, mas acreditem ou não, esse problema é secundário: votos sempre vão gerar alguma divisão, nem todo mundo é obrigado a gostar de ver eleito quem não escolheu para o cargo. E, por melhor intencionados e estudados que estivermos sobre nossas opções, nada impede que o político em questão traia nossa confiança depois de eleito. É inerente ao sistema a possibilidade de decepção, tanto que nenhum cargo é vitalício.

Vou ir ainda mais fundo na democracia para explicar porque o voto popular incomoda: vota-se num representante. Alguém que você acredite que tenha visões compatíveis ou favoráveis aos seus desejos como cidadão. E para isso, precisamos ter alguma forma de conhecer essas pessoas. Afinal, não tem como simplesmente intuir qual candidato está mais alinhado conosco. Você precisa ter alguma forma de escolher em quem vai votar, mesmo que seja arbitrária.

Tem quem vote consciente, conhecendo o candidato e suas plataformas. E tem a imensa maioria da população, que mal sabe o que significa a frase anterior. E seja como for, a pessoa precisa tomar alguma decisão diante da urna. Ainda não tem como implantar o conhecimento sobre cada um dos candidatos diretamente no cérebro de cada votante, então não temos como escapar de criar um imenso concurso de popularidade a cada pleito. E é aí que eu vejo a coisa desmontando.

Imagine um candidato ideal (para você): alguém que não só pactue com a sua visão de mundo como ainda a expanda com conhecimentos avançados, e além de tudo seja esforçado e eficiente no cumprimento de suas funções. Essa pessoa, por melhor que seja em tese, ainda sim tem que fazer todo o caminho até entrar na sua realidade para ter uma chance de receber seu voto. Por pura probabilidade, aposto que em todas as eleições das quais você participou, algum candidato chegava muito perto desse ideal, mas infelizmente você nunca ficou sabendo da existência dele.

E esse é um problema estrutural: não tem como receber votos se não tiver divulgação. E na divulgação, não são as características que fazem um candidato ideal para você que se destacam. Qualquer um pode se candidatar, e em qualquer eleição somos inundados com a divulgação de inúmeros deles, tentando gerar alguma forma de lembrança, muito mais do que convencimento. E é nessa superficialidade do processo de reconhecimento dos candidatos por parte de quem vota que elementos como quantidade de recursos disponíveis desequilibram demais todo o sistema, empurrando candidatos que estão dispostos a jogar um tipo muito específico de jogo para o poder.

O problema do voto na democracia atual é que ele acaba reforçando uma forma de tratar o que é público como um negócio que precisa gerar lucro, um completo absurdo do ponto de vista do que é o Estado. O que começa mal é muito difícil de ser corrigido depois. Se está na raiz do processo eleitoral usar uma enormidade de recursos para gerar reconhecimento superficial na população, alguém tem que pagar a conta. E é justamente isso que estamos vendo ser devassado nos últimos tempos: dinheiro sozinho é capaz de eleger pessoas. Eleição é um investimento. Pagar por uma campanha significa ganhar vantagens quando seu candidato é eleito.

E enquanto o voto for popular, obrigatório ou não, estamos diante desse sistema. Todas as democracias do mundo lidam com esses problemas, a diferença é que em países mais evoluídos intelectualmente o nível daqueles que conseguem se eleger por ter os recursos para isso já é maior do que o do Brasil, por exemplo. Novamente, pura probabilidade. Escândalos de políticos favorecendo aqueles que pagaram por suas campanhas são comuns no Brasil e em países com alto desenvolvimento humano. O sistema tem esse defeito porque as pessoas tem esse defeito.

É impossível, pelo menos por enquanto, dar a volta nesse problema de ter que chamar atenção das pessoas para receber os votos por intermédio dos recursos amealhados na campanha. Eu diria que é um problema básico de comunicação: simplesmente não temos como intuir qual o candidato que presta do bolo que surge a cada eleição. E quando isso começa a afunilar para cargos maiores, quem consegue disputá-los normalmente é quem tem mais potencial de recuperar os enormes investimentos necessários: gente que de alguma forma já está no sistema e é capaz de reunir os apoios necessários. E aí, tudo já está corrompido além de qualquer limite aceitável.

Custa tão caro colocar alguém no poder, e é tão óbvio que a maioria das pessoas não tem consciência política mínima para agir sem ser em benefício financeiro próprio de curto prazo que fica impraticável um sistema representativo onde posições de poder são algo diferente de uma ação da qual se espera um retorno. A democracia falha no seu ponto mais básico, e não temos cabeças pensantes o suficiente para reverter o processo, não por um bom tempo ainda. Que as pessoas são idiotas, todos sabemos, afinal, eu e você também podemos ser, mas um sistema que não tenta corrigir isso e além de tudo beneficia o comportamento?

Eu prefiro a democracia, mas com certeza ela não vem sem seus problemas. Pessoas falam besteiras em qualquer sistema, mas quando é a besteira que define quem tem poder, estamos com problemas muito maiores.

Para dizer que votaria em mim para ditador, para dizer que o problema da democracia é existir, ou mesmo para me mandar para a Coreia do Norte: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a pior parte da democracia?

Liberdade de Expressao. Todo mundo ter direito à livre opinião e manifestação, quando quiser e onde quiser. Democracia não é apenas você poder falar o que quer, é também ter que ouvir aquilo que os outros tem a dizer mesmo sem concordar. E está certo, tem que ser assim mesmo, o que não quer dizer que seja agradável. É um mal necessário, mas, puta merda, como é desagradável.

O correto é primeiro educar um povo e depois democratizar, para que a coisa funcione em harmonia. O Brasil não educou, mas quer pagar de evoluído e democratizou. O resultado é o aval para qualquer vômito fecalóide que qualquer imbecil decida propagar. Isso me cansa, me irrita e deprime.

Dar voz a gente que não foi educada, instruída, civilizada é uma grande tsunami de merda. Não me refiro apenas às opiniões desgracentas como “o Brasil era melhor na época da ditadura”, “Bolsonaro 2018” ou “bandido bom é bandido morto”. Me refiro também à forma como as coisas são faladas, com agressividade e desrespeito por quem pensa diferente, aos berros, como verdade absoluta. Brasileiro não está pronto para ter opinião, seja no conteúdo, seja na forma. E acha que pode opinar sobre tudo, mesmo sem conhecimento técnico, pois tem seu achismo e suposto bom senso como verdade universal.

Isso é extremamente desgastante. Ao contrário do Somir, eu não tenho esse botão on/off que desliga da humanidade. Ele consegue ficar imerso na própria mente e ignorar completamente quem está falando ao seu lado (por sinal, mais do que deveria). Eu não, o estrume argumentativo entra nos meus ouvidos, pois eu tenho essa péssima mania de prestar atenção nas pessoas. Aí minha vida vira um inferno. Todo mundo tem opinião sobre tudo neste país, é exaustivo. Opinião é que nem cu: não é porque tem que tem que dar, né gente? Mas não, o mundo tem que saber a maravilhosa opinião da pessoa. Assim vivo eu, nesse constante estupro auditivo.

Como não houve educação antes de democratizar, as opiniões são burras, frágeis, contraditórias, hipócritas, não se sustentam. Porém, os imbecilóides já se encarregaram de criar um mecanismo de defesa para isso: não dá para argumentar, novamente, pela falta de educação. Pessoas ficam putas, agressivas, se ofendem. Ou seja, na maravilhosa democracia brasileira, todo mundo pode falar o que quer, mas ninguém pode discordar, antagonizar ou contestar sem criar um problema para si. Que beleza! “Liberdade de expressão para mim, ataque, ameaça e silêncio para quem discorda de mim”.

Não é que eu seja contra a Liberdade de expressão, por premissa. Tudo é melhor do que censura, ok? Sou contra liberdade de expressão se democratizar antes de educar. Se não há preparo intelectual, se não há educação formal, cultura, conhecimento, noções básicas de lógica e de um mínimo de raciocínio e capacidade reflexiva, não tem que dar voz a todo mundo não. Caso contrário vira essa batalha campal que vemos diariamente na rua e nas redes sociais. Isso quer dizer que tem que censurar? Jamais. Isso quer dizer que tem que educar! Mas enquanto não houver educação para lidar com divergências e um mínimo de subsídios para formar uma opinião embasada em algo mais do que achismo, pessoas não tem que “ter voz”. Polêmico, eu sei. Não estou sugerindo que pessoas devam ser censuradas e sim que suas bostas não devam ser divulgadas como hoje o são. Gente que divulga babaquice merece apanhar com um saco de pilhas.

Pessoas imbecis devem morrer no escuro, falando sozinhas. Mas hoje, se eu vou para qualquer rede social e posto alguma imbecilidade imensamente imbecil como “FODA-SE OS VIADOS KKKKKK BOLSOMITO 2018!” podem ter certeza que centenas de pessoas que repudiam minha ideia vão me dar voz, divulgando o que eu disse a título de “Olha que absurdo!”. Isso é um filho feio que a atual democratização da fala precoce via redes sociais do Brasil causou.

Quando você divulga um idiota, permite que milhões de outros idiotas o encontrem e se juntem a ele. Hoje, hordas de idiotas trotam em bandos pregando suas imbecilidades e, em resposta, ganham voz, holofotes e divulgação. Com isso, cativam mais mentes deseducadas para seu bando, espalhando a imbecilidade como um câncer na sociedade. Sim, eu estou de mau humor. Este assunto me emputece.

Somir escolheu como pior parte o voto popular. Não é inteligente dar poder a quem ainda não foi educado, mas o voto popular não me incomoda tanto. Primeiro que não é obrigatório, se eu quiser, posso não votar, pago a multa e pronto. Segundo, que se o voto fosse indireto, eu duvido muito que os estrupícios que estão no Congresso votassem melhor do que o povão, pois são um reflexo dele. O grau de ignorância e burrice do povo inviabiliza qualquer tipo de votação, pois até quem supostamente teve instrução não sabe votar. Qualquer voto vai dar errado.

O que me impacta mais não é o voto errado e sim que façam meu ouvido de penico, que eu fique refém auditiva, sendo obrigada a ouvir uma pá de bosta sem poder questionar ou argumentar com a pessoa. Acaba que a gente vira um depósito para todas as bostas que a pessoa deseja colocar para fora, e ainda tem que ouvir calado. Não dá não.

É como dizem, democracia é uma merda, mas ainda não inventaram coisa melhor. Podem votar em bosta, pois só tem bosta na política brasileira, se não for uma bosta corrompida não consegue ter expressividade política nem se candidatar. Mas ao menos poupa meus ouvidos.

Para dizer que o pior da democracia é o brasileiro, para me chamar de fascista ou ainda para dizer que meu texto reflete a merda que é todo mundo poder ter opinião: deixe seu comentário.

Comentários (13)

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