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Músicas ruins que grudam.

Músicas ruins que grudam.

| Sally | | 64 comentários em Músicas ruins que grudam.

Tudo começou quando passei uma semana inteira com a maldita música “Evidências” na cabeça. Quem já ficou com uma música ruim na cabeça sabe o inferno que é: o constante esforço para não cantar em público, de modo a não se queimar ou comprometer sua credibilidade profissional. Você contrataria os serviços de uma pessoa que passa pelos corredores cantando “Eu precisooooaceitaaaar que não dáááámaaaaais, pra separar as noooossasvidaaaaas…”? Não, né? Nem eu. Do limão fiz uma limonada e este episódio me inspirou a escrever o texto de hoje: Desfavor Explica: Músicas Ruins Que Grudam.

Acho que deve ser um consenso que músicas ruins grudam na nossa cabeça, eu não sou tão maluca assim, isso acontece com mais gente. Quando pior a música, mais pobre, humilhante, brega e simplória, mais ela fica na cabeça. Ouso dizer que algumas músicas são consenso nacional e um significativo grupo de pessoas já ficou com elas grudadas na cabeça, e Evidências me parece uma delas. Sério, Evidências tinha que ser o hino nacional do Brasil, os estádioscantariam cada trecho sem errar a letra e aos berros, com emoção.

Este fenômeno humilhante tem até nome: “earworm”, que traduzido significa algo como “verme de ouvido”. Sim, a música se instala como um parasita nos seus ouvidos e monta acampamento lá. Pouco se sabe sobre esta praga, mas já se descobriu que mulheres são mais suscetíveis a esse fenômeno. Pesquisei bastante sobre essa desgraça e, apesar do ser humano não saber muito sobre o assunto, acho que encontrei informações úteis.

Há um consenso que o principal estopim para um earworm se instalar é a cabeça vazia. Por algum bug cerebral, quando estamos com a cabeça desocupada, o cérebro preenche esse espaço de forma misteriosa com a música ruim, causando um desejo incontrolável de pensar nela ou cantá-la.Um estudo ainda em andamento está obtendo resultados que indicam que não apenas cabeças vazias, como também pessoas estressadas e cansadas tendem a abrir uma brecha para a entrada de earworms. Ainda não foi concluído, mas tudo leva a crer que esta teoria será confirmada.

Uma universidade japonesa resolveu mensurar a incidência dos “earworms” e descobriu que, em média, as pessoas pegam ao menos um por semana. Pode durar alguns minutos, algumas horas ou dias. Também foi estudado o estopim que faz o earworm surgir. Basicamente, costumam ser três fatores que podem aparecer juntos ou separados: 1) A já falada cabeça vazia (pessoas muito ocupadas ou imersas em uma tarefa ficam imunes ao earworm), tanto é que ele geralmente nasce quando não estamos focados em algo, por exemplo, andando na rua ou tomando banho ; 2) Excesso de exposição, se foi uma música muito tocada em alguma época, massificada ou se recentemente você a ouviu (ou leu uma postagem sobre isso no Desfavor, foi mal) é possível que desencadeie o processo e 3) A Letra, é provável que a letra da música tenha a ver com algo que está acontecendo na sua vida ou seja associada a algo. Há até quem diga que é nosso inconsciente que se encarrega de fixar a música ali para mandar um recado a você, teimoso, que insiste em não ver o ou negar algo.

Mas, por qual motivo sempre é uma música ruim? Estudos mostram que músicas simples, repetitivas e que tenham mudanças inesperadas são as favoritas do cérebro. Se pensarmos em “Evidências”, veremos que ela preenche esses requisitos. É uma música simplória, cuja primeira parte se repete exaustivamente de forma lenta e, depois do “eu preciso aceitar que não dá mais para separar as nossas vidas” há uma mudança inesperada, muda o tom, a cadência é até o conteúdo da letra (sai da declaração implícita para a declaração rasgada), a partir do “e nessa loucura, de dizer que não te quero”, partindo para uma nova parte igualmente repetitiva e medíocre. Assim, a música se alterna, preenchendo todos os requisitos.

Vamos pegar outra música ruim: “Rebolation”, que aderiu à mente de milhões alguns carnavais atrás: “Mão na cabeça que vai começaaaaaar…”. Música medíocre, letra banal e mudança inesperada. Uma parte cantada mais rápida, outra parte cantada mais lenta, se alternando e causando cócegas em nossos pobres cérebros bugados. Aliás, se você parar para pensar, verá que quase todos os axés e os sertanejos tem estas propriedades. Músicas internacionais também se valem desta armadilha, vou citar um exemplo descarado: “Total eclipse totheheart”. Começa de leve com um discreto “turnaround, Everynowandthen, I get a little bit lonely…” e vai em uma crescente tamanha que você termina a música aos berros, rasgando as roupas e puxando os cabelos, a partir do “Everynowandthen, I fall apart”.

Existem mestres em produzir (ou copiar) earworms, como o Latino, por exemplo. “Hoooje é feeeesta, lá no meu apê…”. Pronto, fodeu. Este filho duma puta do Latino só faz/copia música chiclete, desde os primórdios: “Me leva”, “Só você”, “Festa no apê”, “Renata”, “Umazinha”, “Kuduro”, “Amante profissional” e tantas outroshediondezas que já conhecemos. Latino deveria ser alçado ao posto de doença venérea de ouvido. No mercado internacional, merece menção Bon Jovi. Sem sacanagem, eu poderia citar mais de 20 músicas aqui, mas acho que a que melhor ilustra essa canalhice é “Livin´ On a Prayer”. Você começa cantarolando baixinho, dignamente “Tommy usedtoworkonthedocks…” e do nada, a música surta. Quando você vê, está ajoelhado, olhando para cima, de braços abertos gritando “Oh, we’rehalfwaythere…”.

Existe uma teoria de que isso seria um traço evolutivo: durante milhões de anos o ser humano médio não dispunha de escrita em larga escala, então, para passar adiante o conhecimento utilizava recursos como histórias e música. Cantigas que advertiam sobre perigos ou ensinavam lições valiosas. Não raro vemos hoje pessoas que tem mais facilidade de aprender informações cantadas, é um recurso muito comum em cursinhos pré-vestibular. Fato é que determinadas combinações de acordes e letras, que tenham as características já citadas ativam um mecanismo chamado “memória involuntária” no cérebro, que faz com que fixemos a música e que ela fique em looping na nossa cabeça.

Então, os requisitos para que estejamos propensos a earworma são: cabeça vazia, ouvir a música e/ou que a melodia ou a letra tenham algum significado especial naquele momento. Já os requisitos para queuma música se torne um earworm são: melodia simples, letra simples e mudança repentina na música. Mas calma, também há uma listinha de coisa que você pode fazer para tentar se livrar dessa praga: ocupar a cabeça, tentar colocar outro earworm no lugar ou ouvir a maltida música até promover um exorcismo musical e ela sair da sua cabeça.

Pois é, infelizmente não existe “cura” para o earworm, como ele vem, ele vai. Mas existem alguns truques que podem facilitar sua vida e encurtar o tempo que ele ficará grudado no seu cérebro, truques que a maioria de nós já descobriu meio que instintivamente.

Nesta semana do capeta onde fiquei cantando “Evidências”, também fiquei reclamando a respeito. Nossa queridíssima Lindamàr me deu um conselho sábio: “Fio de Cabelo”. Na mesma hora em que ela disse isso, “Fio de cabelo” substituiu “Evidências” na minha cabeça. Continua sendo humilhante? Sim, continua. Mas ao substituir uma música por outra, o earworm perde a força e vai embora mais rápido, ou seja, é provável que “Fio de cabelo” fique menos tempo na minha cabeça do que “Evidências” teria ficado: “E hooooje o que encontrei medeeeeeixou mais triste, um pedaaaaacinho dela que existeeee…”. Desculpa.

Então, substituir uma música ruim pela outra continua te deixando viciado, mas tira a força do earworm, é provável que no mesmo dia você se livre dele. Outra dica é ouvir a música à exaustão, até seu cérebro cansar dela. É como se você dessensibilizasse o cérebro, anulando o efeito do earworm. Muita gente faz isso instintivamente. Outra diga é se submeter a qualquer desafio intelectual que te prenda e chame sua atenção. A pessoa cognitivamente engajada mata seu earworm, pode ser uma coisa simples, como fazer palavras cruzadas ou qualquer outra atividade que represente um desafio e mantenha sua mente ocupada. Cada uma destas 3 opções funciona melhor para uma pessoa, teste e veja qual te ajuda mais com o eraworm.

Obviamente o fenômeno do earworm já é conhecido mundialmente e é claro que ele é explorado. Artistas e gravadoras já aprenderam o que faz cócegas no cérebro das pessoas e, voluntariamente, aprimoram técnicas e estudos para criar earworms cada vez mais grudentos. Há boatos não confirmados que “Poker face” da Lady Gaga nasceu milimetricamente pensado para ser um earworm, com a combinação mais grudenta que a ciência pôde desenhar. Some-se à isso a massificação da música, tocando em rádios, boates, festas e até em elevadores e pronto, temos uma epidemia.

Os publicitários também usam este recurso. Quem não lembra: “Poneis malditos, pôneis malditos…”. Jingles são earworms com mensagens publicitárias. Às vezes eles criam melodia e letra do zeros, às vezes pegam um earworm já existente e apenas adaptam a letra. E sim, consegue aumentar as vendas de um produto com isso, os pôneis malditos, por exemplo, deram um baita resultado.

Pelo visto, earworms são coisas da vida. Temos que aprender a lidar com eles. Ficam as dicas sobre como se livrar e também uma constatação: nunca julguem uma pessoa por ela estar cantando uma música merda, pode ser apenas um bug cerebral temporário.

Para xingar muito na internet por eu ter te deixado com alguma dessas músicas na cabeça, para contar quais são seus earworms mais recorrentes ou ainda para deixar um trechinho de alguma música earworm e sacanear todo mundo que vai ler: deixe seu comentário.


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