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Valores intangíveis.

Valores intangíveis.

| Somir | | 7 comentários em Valores intangíveis.

Aposto que muitos de vocês já foram expostos ao conceito de “valor de marca”, mas não custa esclarecer: a marca de um produto ou serviço tem um valor próprio, que não está necessariamente ligado ao dinheiro e posses da empresa. O valor de marca algumas vezes pode ser até maior do que tudo o que é “real” da empresa. Se você quisesse comprar toda a estrutura de algumas empresas, mas não usar o nome, gastaria muito menos do que comprar só o nome, mesmo se já tivesse como produzir e distribuir. Alguns valores nesse mundo não são baseados em nada além de percepções pessoais, quase que ilusórios. Mas o verdadeiro lucro vem quase todo disso.

Deixa eu explicar melhor o exemplo do começo: digamos que eu represento a Pepsi, e tenho uma verba gigantesca para tomar conta do mercado. Consigo conversar com os acionistas da Coca-Cola e convencê-los a fazer negócio. Porém, os acionistas da rival colocam uma condição: ou eu compro todas as fábricas, toda a estrutura e materiais deles, ou eu compro só a marca. Os resultados seriam os seguintes: se eu comprasse toda a estrutura deles, tudo se chamaria Pepsi, mas os acionistas ainda teriam o nome Coca-Cola sob controle. Se eu comprasse só o nome Coca-Cola, poderia vender o produto normalmente, mas teria que usar minhas fábricas e deixar toda a estrutura para os acionistas da antiga Coca-Cola fazerem o que quiserem, inclusive criar uma nova marca e continuar vendendo.

Esvazie sua mente: o que parece mais valioso, de verdade? Matéria-prima, terrenos, prédios, máquinas e todo um sistema pronto de produção e distribuição, ou o direito de usar um nome e um logo onde quiser? Na imensa maioria dos casos, seria melhor comprar a estrutura, mas nesse, a marca vale mais, bem mais… o nome Coca-Cola tem um valor estimado de quase 60 bilhões de dólares. Toda sua estrutura atual vale entre 20 e 30 bilhões. Ainda como executivo da Pepsi, podendo comprar uma das duas coisas, o que seria mais interessante? Gastar 60 bilhões pelo nome ou 30 bilhões por todo o resto? O que retornaria melhor o investimento?

Vamos continuar pirando: se o pessoal da Dolly conseguisse comprar o nome e vendesse exatamente o mesmo produto que vende só que com as cores e o nome da Coca-Cola, o dinheiro seria recuperado? Marcas são poderosas, valem bilhões (a Coca-Cola é o quarto lugar na lista das mais valiosas, por sinal), mas é um valor que sozinho não retorna investimentos, não no longo prazo, pelo menos. Pode estar escrito o que quiser na embalagem neste exemplo, ainda é guaraná Dolly lá dentro. A fórmula do Coca-Cola não veio nesse acordo, então, se quiserem fazer algo parecido, vai ter o mesmo gosto dos refrigerantes de cola genéricos.

Quanto tempo até a marca Coca-Cola não valer mais tudo isso? Se o produto que acompanhava a marca não estiver mantendo o padrão que tornou-a famosa, é como se marca não valesse de nada, da noite para o dia. Valores intangíveis de marca funcionam de forma bem mais prática do que se fala em cursos de marketing e publicidade: são cerejas do bolo. A maioria das empresas não dependem tanto assim de uma marca, mas dependem muito dos valores intangíveis. A marca de uma empresa é basicamente a bandeira de um país: não adianta botar a bandeira do Japão no lugar da do Brasil e esperar que o povo local aja de forma parecida.

O que eu estou tentando dizer aqui é que esse valores que parecem estar baseados apenas na mente das pessoas são extremamente reais. Justamente porque podem aumentar e diminuir de acordo com elementos reais. Eles estão baseados em valores que todos somos capazes de reconhecer, e não adianta inventá-los onde eles não existem. Dizer que vai construir uma marca que transmite segurança e qualidade não significa nada se as pessoas que entrarem em contato com essa marca não fizerem essa relação sozinhas.

Não é uma marca que gera perpceções em pessoas, são as pessoas que “criam” a marca em suas mentes. Claro que a publicidade tem seu papel ao tentar influenciar essas percepções, mas marcas acabam sendo uma espécie de ação grátis de uma empresa: qualquer um pode adquirir, valorizar ou desvalorizar de acordo com sua vontade. É quase como se fosse um elemento comunista dentro do capitalismo. A marca é do povo, os lucros que não.

E quando profissionais da área dizem que uma marca deve ser conhecida, é justamente por esse aspecto “acionista”. Quanto mais pessoas detém uma dessas ações imaginárias, maior a rede de distribuição de ideias de uma empresa. E por incrível que pareça, cada um de nós, quase que instintivamente, tenta proteger o que é nosso. Marcas acham seu caminho para dentro de nossas cabeças porque quando estão lá, aproveitam-se das nossas defesas pessoais de valores. Se você colocou na sua cabeça que a Apple faz bons celulares, é um valor seu. Ele foi colocado lá junto com muitas outras coisas que você acredita, e se isso for questionado, os mesmos mecanismos de defesa que protegem suas opiniões sobre moralidade e ética, por exemplo, estão sendo cooptados para defender a marca alheia.

Então, quando falamos de marcas super valiosas, como Apple, Google, Microsoft ou Coca-Cola, estamos falando de uma gigantesca rede de acionistas imaginários das empresas, com seus valores protegidos por cofres tendenciosos que são nossas cabeças. E quanto mais gente detém uma dessas ações, menor a chance de você ser confrontado sobre isso no seu dia-a-dia. A verdade, a verdade mesmo… é que somos péssimos em média para definir o que é um produto ou serviço de qualidade. Vivemos preocupados se estamos comprando o melhor ou se estamos no mínimo fazendo valer nosso dinheiro.

A não ser que você seja um especialista naquilo que consome, dedicando várias e várias horas da sua vida a reconhecer elementos práticos que definem a qualidade daquilo, está tão vendido quanto qualquer um de nós. Ao comprar uma dessas ações imaginárias de marca, temos uma resposta rápida e reconfortante sobre essa dúvida. Ninguém é obrigado a ser especialista no que precisa ou quer consumir, então ajuda muito pelo menos acreditar em alguma coisa. E quanto mais gente acredita em algo parecido, menos importantes são os fatores práticos, aqueles difíceis de reconhecer.

Ter ações de marca valorizadas dentro da mente é reconfortante. Torna a vida menos confusa. Justamente por isso que quase todo mundo cede a esse jogo de conceitos de marca, comprando suas ações e mantendo os investimentos seguros pelo máximo de tempo possível. Uma boa marca, antes que tudo, é uma marca que te acalma. E no fundo, é isso que está sendo calculado quando mencionam todos aqueles bilhões.

Muito do que não tem preço, na verdade tem.

Para dizer que a marca desfavor te acalma, para dizer que a marca desfavor te deixa incomodado, ou mesmo para dizer que eu basicamente admiti que vendo mentiras: somir@desfavor.com


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