Enquanto isso…
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Enquanto isso, numa feira de tecnologia:
EXPOSITOR: Ei, você! Você parece uma garota inteligente.
MULHER: Oi?
EXPOSITOR: Já imaginou poder carregar o seu celular em qualquer lugar, sem precisar de carregador algum?
MULHER: Éééé… não, não…
EXPOSITOR: Mas agora você pode! Qual o seu nome?
MULHER: Maria…
EXPOSITOR: Charles! Prazer!
O homem estica a mão, esperançoso pelo cumprimento. A mulher vacila um pouco, mas aproxima-se para dar a mão.
CHARLES: Maria… nome da minha irmã. Muito bonito.
MARIA: Hehe…
CHARLES: Maria, o que eu estou expondo aqui vai revolucionar todo o mercado de carregamento de celulares. Você já ouviu falar de indução resistiva de alcance inverso?
MARIA: Não…
CHARLES: Com as baterias especiais da CHTech… *apontando para um banner no acanhado estande* o mundo é o seu carregador!
MARIA: É aquelas de colocar no sol?
CHARLES: Ha! Isso é brincadeira de criança perto do que temos aqui. Nossas baterias simplesmente não precisam de carregador, estão o tempo todo puxando energia do ambiente!
MARIA: Nossa… mas não coloca na tomada nunca?
CHARLES: Nunca! Veja o meu celular…
Charles coloca seu telefone em cima do balcão, a abre o compartimento traseiro para mostrar a bateria.
CHARLES: Não tem nenhum fio ligado no celular, né?
MARIA: Não.
CHARLES: Agora veja isso…
Ele vira o celular novamente para mostrar a tela. Aponta para o ícone de bateria… carregando.
MARIA: Não é possível… tem um daqueles carregadores embaixo do balcão!
CHARLES: Pega o celular. Olha na sua mão.
O ícone da bateria continua carregando.
MARIA: Desde quando saiu essa tecnologia?
CHARLES: Desde hoje! A CHTech está fazendo o lançamento mundial da tecnologia hoje, e você é a primeira a ver!
MARIA: Por um acaso a CHTech é só você?
CHARLES: … veja bem, estamos numa reestruturação…
MARIA: Não, não… isso não é vergonha nenhuma. Se isso funciona mesmo, você é um gênio. Foi tudo sozinho?
CHARLES: É…
MARIA: Como isso não vazou na internet?
CHARLES: Eu não gosto muito dessas redes sociais não. Povo muito crítico, sabe? Eu preferi juntar um dinheiro e vir mostrar meu produto nessa feira.
MARIA: Charles, fica paradinho aí e não fala com mais ninguém que eu vou trazer o dono da empresa que eu trabalho agora para vir ver isso. Se for bom assim mesmo, eu tenho certeza que ele compra todos que você tiver e ainda te dá um acordo!
CHARLES: Puxa… isso ia ser um sonho.
Maria começa a se movimentar para sair dali, mas logo para no caminho.
CHARLES: Tudo bem?
MARIA: E se…
CHARLES: Se?
MARIA: Eu tenho vários contatos com marcas enormes de tecnologia, até as que fazem os celulares. E se a gente fizer uma parceria?
CHARLES: E o seu chefe?
MARIA: Ele ia te sacanear, eu conheço ele.
CHARLES: E você ia trazer ele pra falar comigo?
MARIA: Eu não estava pensando! O seu produto é muito incrível! Calma, calma…
Um homem de terno se aproxima da banca.
HOMEM DE TERNO: Bom dia. IRAI?
MARIA: SAI DAQUI!
O homem toma um susto e se afasta por reflexo.
CHARLES: Espera…
MARIA: NÃO ESPERA NADA! SAI! SAI!
CHARLES: Poxa, Maria…
MARIA: Fecha essa banca.
CHARLES: Mas eu preciso vender alguma coisa hoje, Maria. Eu me endividei muito para estar aqui, mesmo nesse cubículo…
MARIA: Charles, a gente vai ficar rica! Ricos… ricos… você tem o produto, eu sei pra quem vender. Fechou entre a gente. Acabou, acabou. Fecha a banca. Aqui vão te passar a perna. Charles, confia em mim.
CHARLES: Mas… eu dei o sinal e era tudo o que eu tinha. Eu não pago nem o aluguel com o que eu tenho aqui.
MARIA: Eu pago seu aluguel, diabos! Eu ganho bem, viu? Eu pago tudo até a gente vender nossa ideia.
CHARLES: Nossa?
MARIA: Ninguém fica rico sozinho, Charles. Você precisa de mim.
CHARLES: Como eu vou saber que você não vai roubar minha ideia?
O homem de terno que tomara o susto de Maria começa a se reaproximar. Maria percebe e fica visivelmente mais agitada.
MARIA: Eu pago um sinal, ok? A gente paga as suas dívidas amanhã mesmo e você pode sossegar, tá bom?
CHARLES: É… sei não.
MARIA: Dez mil pra você fechar essa banca agora.
CHARLES: Hmmm…
MARIA: Charles!
CHARLES: Passa pra minha conta agora que eu fecho a banca e te coloco como vendedora da CHTech!
MARIA: Sócia!
CHARLES: 1%.
MARIA: Meio a meio!
CHARLES: 20%.
MARIA: 25% se fechar agora!
CHARLES: Hmmm… ok. Dez mil?
MARIA: Isso.
HOMEM DE TERNO: Vinte.
MARIA: Oi?
CHARLES: Vinte o que?
HOMEM DE TERNO: Vinte mil por 25% da sua empresa. Agora.
CHARLES: Eu… eu te conheço?
HOMEM DE TERNO: Eu estava ouvindo… sou o dono da…
MARIA: 30 por 15%! Ele vai te sacanear, Charles.
CHARLES: Calma!
HOMEM DE TERNO: Cem.
CHARLES: Uau…
MARIA: Ele nem tem esse dinheiro!
HOMEM DE TERNO: Meu nome é Matheus Albuquerque, dono na GlobalTech. Faturamos isso por hora. Sua vez…
MARIA: Você é mais bonito nas fotos.
MATHEUS: Eu pago caro para deixá-las assim. Charles, correto?
CHARLES: Sim…
MATHEUS: Você está falando com um profissional agora. Essa mulher sequer tem estabilidade emocional para lidar com o seu produto.
MARIA: Filho da puta!
CHARLES: Calma, gente. Vocês dois podem comprar uma parte da CHTech, que tal?
MATHEUS: Eu compro a parte dela também. Duzentos.
MARIA: Charles! Eu acreditei em você!
CHARLES: Matheus, né? Poxa, fica complicado sacanear a moça assim, ela pediu primeiro. 40 pra você pelos 100 e 10 pra ela pelos 20. Eu detesto briga.
O homem de terno e a mulher se entreolham.
MATHEUS: 41% e eu aceito isso.
CHARLES: Feito!
MARIA: Então fecha essa banca agora.
Charles começa a retirar os banners que deixara na frente da banca. Matheus puxa Maria um pouco mais distante, longe dos ouvidos de Charles.
MATHEUS: Precisava daquela sobre eu ser mais bonito nas fotos?
MARIA: Você se saiu bem e temos a maioria. Vai ficar tudo bem.
Para dizer que isso está ficando meta demais, para dizer que eu estou preso por violar uma lei, ou mesmo para dizer que não entendeu porque entendeu dessa vez: somir@desfavor.com
No socialismo todos poderiam fazer a sua própria bateria autocarregável