Skip to main content
Não, meu anjo… II

Não, meu anjo… II

| Sally | | 60 comentários em Não, meu anjo… II

Vocês pediram, Tia Sally atendeu. Vamos voltar a falar de crenças mentirosas às quais homens se apegam e propagam, com base em suas próprias inseguranças ou incompetência. Crenças que são passadas de boca em boca até virarem verdade. Crenças onde os homens sempre se eximem de suas responsabilidades. Não, meu anjo. Não seja essa pessoa.

A primeira narrativa que cai hoje é algo que eu apelidei de “Efeito Highlander – Só pode haver um”. Já repararam que homem sente ciúme de seus semelhantes e ignora solenemente outros “gêneros” de homem?

Exemplos: Homens mais intelectuais se sentem incomodados quando homens nesse mesmo estilo mais intelectual se aproxima de suas mulheres. Homens sarados se sentem incomodados quando outro homem mais sarado se aproximam de suas mulheres. Não, meu anjo. Não.

Se você é um poeta, sua mulher está bem servida no que diz respeito à poesia. Se você é musculoso, sua mulher está bem servida no que diz respeito a corpo. Não é o que uma mulher tem em casa que vai encantá-la fora de casa, é justamente aquilo que ela não tem.

Mulheres não são tão simples a ponto de categorizar o que elas gostam: fulana gosta de romance, beltrana gosta de inteligência. Não. Mulheres são loucas e geralmente querem tudo em uma única pessoa: Khal Drogo que faz poesia, adora animais, quer casar e ter filhos, chora em desenho Disney, dá porrada quando mexem com a mulher dele, fala coisas bonitas no quarto e é um máquina de sexo. Se mulher pudesse, ela pegava 15 tipos de homens diferentes, batia no liquidificador e criava seu namorado perfeito.

Então, meu anjo, não pense que por sua mulher gostar de poesia ela não vai se interessar por um belo corpo ou que por ela gostar de inteligência não pode se encantar por um doce porém estupido rapaz. O que desperta interesse em uma mulher não é um padrão de homem, é qualquer coisa que a faça sentir especial. Observe os filmes de mulherzinha: em todos a premissa é a mesma, a mocinha encontra alguém que move montanhas por ela. E isso, qualquer “categoria” de homem pode fazer.

Às vezes um gesto que você não faz e o outro fez, às vezes uma memória afetiva de algo bom ou simplesmente estar na hora certa e no lugar certo podem ser mais perigosos do que um elemento que tenha as mesmas qualidades que você. Então, parem de se preocupar com homens na mesma “categoria” que vocês, achando que é apenas isso que a mulher quer. Mulher que tudo, mulher quer o impossível. Passem a se preocupar com quem tem o que vocês não tem, que aí sim reside o risco.

Outra frase maravilhosa que estupra nossos ouvidos com mais frequência do que gostaríamos: “não dei um corte nela porque não sei ser grosso”, geralmente dita quando questionados sobre o motivo pelo qual não foi dado um corte em alguma mocinha que estava visivelmente flertando ou tentando flertar com ele.

Como são bondosos, não? Almas puras celestiais incapazes de uma grosseria ou de levar um desgosto a alguém. Com a mãe, com a irmã e com você, sim. Mas com uma pessoa de rede social não, pois eles não são monstros desumanos! Pessoas de coração bom, incapazes de magoar uma desconhecida… ou filhos da puta egocêntricos? Mmmmm… pergunta difícil, qual será a resposta?

Não tem atestado de desempoderado maior do que se deslumbrar com um flerte de uma mulher randômica. Na boa? Homem bonito passa por isso sempre, sabe lidar. Os Zé Cu que uma vez na vida outra na morte tomam uma investida é que tratam isso como um cristal raro e precioso, a ser conservado em uma caixinha e guardado com carinho. Nem por um decreto dão um corte e matam seu unicórnio mágico! É um atestado de barango, um diploma de pega ninguém, um recibo de encalhado. Vergonhoso se portar assim. Shame on you!

Quando o ego gosta de elogios, quando a vaidade está acima de não magoar a pessoa que você ama, se tolera esse tipo de investida e se mente para si mesmo e para o outro tentando empurrar a versão de que a única forma de interromper o processo seria mediante uma falta de educação e uma grosseria absurda.

Aí o sujeito sai como herói. Ele coloca apenas duas opções: ou sou grosso, ou deixo rolar – e não quero ser grosso, porque sou mó legal. Não há apenas estas duas opções na vida, entretanto, admitir que tem um ego frágil que precisa de afagos seria humilhante demais, não é mesmo?

É como se a Falácia do Espantalho e a Reductio ad Absurdum estuprassem a lógica em uma grande suruba de negação. Querem convencer que não é humanamente possível deixar bem claro a uma mulher que seu comportamento é indesejado por estar comprometido falando isso com a máxima educação. O grande herói, o extraordinário bom moço está empenhado em não fazer a nobre mocinha que o assedia sofrer, mesmo que para isso destrua o emocional de sua esposa, a mulher que supostamente ama.

Vai tomar no cu, mas muito, com cerol, areia e caco de vidro! Não cortam por vaidade, ego, para ter gente sentada no banco de reserva, por cogitar trair, para ficar bem com quem está olhando ou por qualquer outro motivo asqueroso, repulsivo e egoísta que vocês consigam imaginar. Percebendo ou não, os motivos que levam a fomentar ou tolerar um flerte com o argumento “não sei ser grosseiro” são sempre baixos e fruto de uma autoestima destruída. Faz mal para a mulher que está com essa pessoa? Sim, claro. Mas é ainda pior para quem o faz, pois depõe contra de uma forma violenta.

Quer um exemplo rápido? Vê se algum homem deixa de cortar um gay que dá em cima dele em público por “não saber ser grosso”! Ahhhh A grosseria vem que vem na velocidade da luz! Medo de ser grosso é o caralho, a pessoa só não quer fechar aquela porta e muitas vezes nem ela mesma percebe isso, pois acredita na historinha que contou para si mesma e para a outra pessoa.

Mais uma certeza sem qualquer fundamento ou veracidade e que ainda contradiz o argumento do caso anterior: só vão flertar com sua mulher se ela der abertura. Se alguém se aproximou da sua namorada/esposa é porque ela deu abertura para isso. Não, meu anjo.

Homem flerta com mulher todo dia, toda hora, com ou sem abertura, com ou sem oportunidade. É na fila do banco, é na praça de alimentação no shopping, é na academia, é na igreja. Sempre tem alguém para abordar, independente do que a mulher faça, de sua roupa ou de sua postura.

Sabe o que mulher escuta quando tenta cortar, mesmo de forma grosseira? Mais insistência. “Sai daqui, tenho namorado” – “Não tem problema, não sou ciumento”. “Não posso, sou comprometida” – “Não tem problema, eu não vou contar pra ninguém”. Daí pra baixo. Quanto mais se corta, maior fica o troféu e mais empenho alguns elementos parecem ter em conquistar a pessoa comprometida.

Pretender que ninguém flerte com a sua mulher é algo irreal. Não vai acontecer. Neguinho tenta. Neguinho senta na mesma mesa, neguinho vai revezar aparelho na musculação, neguinho puxa assunto do nada na livraria. Neguinho faz o inacreditável para se aproximar e, como já dito, parece que quando mais “não” leva, mais empenhado fica.

Se te ajuda a viver melhor achar que apenas de vez em quando alguém dá em cima da sua mulher, abraça essa mentira e dorme com ela, mas fecha bem os olhinhos, para não correr o risco de ver a realidade. Só tem uma coisa que para o assédio à mulher: o anel da invisibilidade do Frodo, a aliança na mão direita. Não me perguntem o motivo, mas é piada recorrente até em seriado de humor: mulher com aliança na mão direita fica invisível e eu constatei isso em mim mesma. De resto? Todo dia vai ter alguém tentando. E não é culpa da mulher. Parem de culpar a mulher.

Outra crença maravilhosa que de tempos em tempos aparece pelas boquinhas incautas: “nunca dá para saber o que uma mulher quer”. Não, meu anjo.

Nunca dá para saber o que um cão ou um gato querem, porque eles não fuckin´ falam. Mulheres falam, é só perguntar. Em vez de tentar adivinhar ou depreender, pergunta. Não tem problema algum.

Mas não, querem ser os fodões que sabem tudo. Não perguntam nem instruções quando se perdem, imagina se vão perguntar alguma coisa para uma mulher e correr o risco de que “descubram” que os fodásticos não sabem absolutamente tudo sobre o sexo oposto!

“Mas Sally, eu pergunto, a pessoa fala uma coisa e depois quer outra”. Nesse caso, meu anjo, o problema está na pessoa. Apenas se afaste, caso contrário eu vou pensar que você gosta de levar uma vida esquizofrênica de cobranças impossíveis de serem atendidas. “Mas Sally, mulher é tudo igual, são todas assim”. Opa! Chegamos a mais uma crença idiota! Achar que as bostas que você atrai para você resumem tudo que existe no mundo!

Deve ser muito confortável acreditar que está em um relacionamento merda com uma pessoa merda que não te satisfaz e que ainda te enche o saco porque não existe absolutamente nenhuma outra possibilidade e todas os sete bilhões de pessoas no mundo são exatamente iguais. Que delícia se eximir da responsabilidade da sua escolha esta forma! Pessoas assim devem dormir em paz!

Além desta versão “inevitabilidade”, onde todas as mulheres do mundo são erradas e o nobre rapaz se vê obrigado a lidar com elas, tem a versão do “azarado”. Neste caso, se admite que existam pessoas diferentes, mas é um fator externo e incontrolável que impede o guerreiro de ser feliz: o coitadinho tem muito azar e sempre atrai malucas. Não é uma escolha, não é uma série de lixos inconscientes, não é um ganho secundário enorme em manter uma relação assim, é azar. Ahãn. Senta lá, Claudia!

Como é duro fazer com que as pessoas assumam responsabilidade pelas suas vidas e escolhas, não? Ou está com uma mulher “maluca” porque não existe nenhuma diferente em todo o mundo ou por uma questão karmica, de destino/azar inevitável. Mas olha, vai todo mundo se foder! Eu sinceramente fico me perguntando se as pessoas se escutam quando falam, dá uma vergonha alheia desgraçada ouvir esse tipo de bosta!

E quando os rapazinhos omitem? “Não vou falar tal coisa para ela, porque vai dar problema”. Não, meu anjo.

Caso você insista em pensar desta forma, sugiro que corte as bolas e dê pro cachorro comer, afinal, você não as usa mesmo… Só não joga a responsabilidade da sua falta de hombridade na mulher.

Se você está com uma mulher que “dá problema” quando você fala a verdade, veja que lindo, há opções! 1) Fica com ela e encara o problema ou 2) separa dela e encontra outra mais compatível que não crie problemas pela verdade. (se você acha que não há outro tipo de mulher, volte alguns parágrafos e releia a última página).

Se a verdade não pode ser falada, então, meu anjo, a cagada é sua de se manter em um relacionamento assim. Sai do papel de vítima, daquele que não pode falar a verdade se não a mulher malvada briga, pois além de ser uma mentira, é extremamente ridículo. Se sua mamãe fazia isso com você, get over it, e não leve sua infância para a sua vida adulta.

O mais grave é que, em todos os casos, além deles se convencerem da mentira na qual acreditam, ainda fazem disso um mantra, ostentado socialmente, e tentam convencer a mulher. Muitas acabam acreditando, o que é igualmente lamentável.

Não há vítimas, as pessoas são responsáveis por sua realidade, por suas escolhas, por aquilo que atraem para si mesmas. A culpa não está no outro, pois mesmo quando ela de fato está no outro, a culpa é sua por se manter ao lado desse outro que te faz mal. “Mas Sally, eu amo a pessoa”. Quem não ama a si mesmo não pode amar a mais ninguém, por gentileza, não me obrigue a repetir clichês, me dá náuseas.

Parem agora. Peguem tudo que vocês acham que sabem sobre mulher e joguem no lixo, porque o gênero masculino tá dando vexame por cima de vexame. Perguntem, conversem e, como diz Bilu, busquem conhecimento.

Para reforçar que eu vou morrer sozinha e meus gatos vão comer a minha cara, para pedir desculpa em nome dos homens e se portar como um biscoiteiro filho da puta ou ainda para dizer que quando uma mulher machista reclama de homem a coisa tá séria: sally@desfavor.com


Comments (60)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: