Não é incomum que relacionamentos amorosos passem por momentos difíceis, e em alguns desses, bate a dúvida sobre quanta energia colocar ali. Sally e Somir discordam sobre o prazo de validade depois dessa etapa. Os impopulares não desistem até dar sua opinião.

Tema de hoje: se você está na dúvida sobre a relação ser ou não viável, qual é o melhor caminho, continuar ou terminar?

SOMIR

Terminar. Se você realmente prestar atenção, a vida é feita de padrões. Coisas que acontecem de forma repetida e aparentemente sempre pelos mesmos motivos. Até por isso experiência existe em sua própria categoria de conhecimento: é virtualmente impossível reconhecer padrões no pensamento abstrato, mas a partir do momento que você vê a repetição na prática, a informação encontra o lugar certo na mente e pode ser usada futuramente.

De tão importantes no funcionamento da mente, os padrões vão ganhando nomes diferentes de acordo com a situação onde são observados. Reconhecer padrões no corpo humano gera a medicina, reconhecer na mente gera a psicologia, se pensar em objetos surge a engenharia, se observar a natureza temos física, química e biologia… de uma certa forma, todas áreas do conhecimento humano são nomes bonitos para reconhecimento de padrões na área X ou Y.

Nossa sociedade depende disso. Reconhecer padrões e nos adaptarmos a eles. Começo assim para falar sobre um padrão que tende a se espalhar por todas as áreas e normalmente é ignorado por ser incômodo: o de que somos péssimos para determinar o valor das coisas e de que é muito difícil saber a hora de parar e aceitar uma derrota. Em cada uma das áreas do conhecimento, tem algum elemento baseado nesses dois padrões. Na psicologia, por exemplo, autoestima e negação preenchem milhares de páginas de estudos e teorias todos os anos. Mas vai além, até numa área “insensível” como marketing e publicidade, a confusão das pessoas sobre o valor do que tem e a hora de trocar dá pano pra manga sem fim.

Porque são mesmos dúvidas terríveis. Gera até uma das falácias mais famosas, a dos custos irrecuperáveis: a ideia que se você já gastou muito com algo, é um desperdício ou mesmo burrice não gastar mais pra fazer funcionar. O medo de perder é absolutamente primal no ser humano, e com razão até, muito desapego não costuma ser positivo para a nossa evolução. Fomos selecionados de um grupo de ancestrais que valorizavam muito a posse e os investimentos já realizados. Construímos o mundo sobre essa fundação e é complicado abrir mão dessa mentalidade.

Então não pensem que o fato de ter outros sentimentos envolvidos e o fato de ser outra pessoa e não um objeto ou pedaço de terra vai te impedir de ter essa mesma reação instintiva. A partir do momento em que você acredita que já investiu muito numa relação, é natural vir uma cegueira sobre a viabilidade dela. Aquela vontade de colocar mais um pouquinho de energia… afinal, vai que dá certo? O problema disso é que, como disse um parágrafo antes desse, é tão furado que até virou uma falácia clássica. O que você já investiu, já investiu; e não é dinheiro que você pode pegar de volta. É investimento de tempo e foco pessoal, coisas que não voltam mais. Tudo o que você colocou na relação já foi, está gasto. E agora entra a parte de usar a lógica…

Se os 90% do seu tempo e energia disponibilizados para a relação até aquele momento te deixaram com uma dúvida poderosa sobre continuar com a pessoa, qual a função dos outros supostos 10%? O que você vai fazer de efetivamente diferente com esse último esforço que não poderia ter sido feito muito melhor antes? Analise pelo ângulo correto: a situação existente é de fracasso, por mais que você goste da pessoa. Gostar não tem que significar ter uma relação com ela, o sentimento pode existir de forma independente. Gosta, mas não quer ou não consegue ter um relacionamento. O que, honestamente, é o estado mais comum que vamos ter na vida com um interesse romântico.

Se tudo o que foi feito levou você até a dúvida, a probabilidade dita que na verdade essa dúvida é aquele padrão da falácia: o de não querer perder algo que “custou caro” para você. Não digo que isso valha no começo de um relacionamento, mas se você já dedicou seu tempo e energia só para chegar nesse ponto de dúvida, não fica claro que é ilusão agindo? Tire o medo de desperdiçar tudo o que investiu e sobra apenas a realidade: você não quer mais ficar com aquela pessoa. A dúvida surgiu muito antes do ponto onde este texto começa. Se você prestar atenção, a dúvida bate nos primeiros sintomas do que fez a relação estragar, e só teve força para ativar o medo dos custos irrecuperáveis quando seu inconsciente já tomou a decisão.

Parece estranho e anti-intuitivo, mas é mera questão de entender em qual ponto você realmente está. Tanto que não é comum reverter o jogo nessa situação, parece uma luta morro acima porque realmente é. É tentar vencer a guerra com um tanque quando seus outros mil já foram destruídos. Tem horas que é melhor sair da briga antes dela ficar feia demais para você, tem horas que o certo é uma retirada estratégica para poder lutar de novo outro dia. Aceitar a derrota daquela relação não é uma sentença de morte, é algo que você pagou pra ver e não deu certo.

E mesmo que fique a sensação de que poderia ter dado certo, ela provavelmente é reflexo daquele outro padrão: o de ter dificuldade de dar o valor correto para as coisas. Pessoas que acabam de comprar um produto, especialmente se foi muito caro, tendem a fazer alarde dele. Não necessariamente para fazer os outros se sentirem piores, mas para ter uma confirmação extra que não julgaram mal o valor daquilo. É difícil bater o martelo sobre o valor de algo, ainda mais se não tiver um impulso emocional poderoso para acompanhar. Não sabemos se pagamos o preço certo, e quando deixamos ir, não sabemos se foi uma boa decisão. Mais sinais da possessividade instintiva do ser humano. Fica obcecado pelo valor de uma relação que sua mente está dizendo que não está legal é alimentar essa dúvida e não dar chance para você se concentrar em seguir em frente.

Terminar é uma forma de eliminar dúvidas primordiais e viver sua vida sem esses pesos. E nem significa o fim de tudo. Só o fim de uma tentativa desastrada, e se você conseguir eliminar o sofrimento antes que ele contamine o gostar, vai ter se forçado ao fracasso sem necessidade. Se foi algo temporal, o tempo vai cuidar disso. Se não tinha jeito mesmo, você pode investir em algo novo.

Se você notar os padrões, não é tão assustador assim.

Para dizer que eu sou tão romântico quanto uma calculadora científica, para dizer que terminou a leitura antes, ou mesmo para dizer tudo depende de quanto tempo falta para pedir pensão: somir@desfavor.com

SALLY

Se você está na dúvida sobre a relação ser ou não viável, qual é o melhor caminho, continuar ou terminar?

Continuar. Sou a favor de exaurir todas as possibilidades, para ter a paz de espírito de terminar com a consciência tranquila e a convicção de que não tinha outro jeito. Nada mais venenoso do que terminar e depois ficar se perguntando se poderia ter dado certo se você fizesse mais. Um horror viver com esse tipo de fantasma te assombrando.

Cuidado para não confundir as coisas. Não estou dizendo que tem que esperar deixar de gostar da pessoa, esperar a relação apodrecer, cagar tudo, virar um mar de bosta para terminar. Isso é coisa de gente fraca e covarde que não tem o culhão de passar pela via crucis de terminar ainda gostando de alguém. Traição? Quebra de confiança? Perda da atração sexual? Falta de respeito? Sinto muito, a relação acabou, nenhuma pessoa inteira tem qualquer dúvida sobre isso. Não vamos usar dúvida como muleta, ok?

Aqui eu me refiro a aquela dúvida legítima, em uma relação que ainda é viável. Onde, além de amor, existem os requisitos mínimos para que um relacionamento prospere com saúde: respeito, admiração, lealdade, atração sexual e outros. Em havendo tudo isso e havendo dúvidas sobre a viabilidade ou não da relação, vai na raça e tenta. Mas tenta, tenta de verdade.

Esse é outro ponto que merece destaque, pois frequentemente é distorcido: tentar não é apenas continuar ao lado da pessoa, para “ver no que vai dar”. Isso não chama tentar, isso chama deixar nas mãos do destino ou do acaso. Tentar é fazer tudo que esteja ao seu alcance para que aquilo dê certo, desde olhar mais para o outro, entender e atender mais as suas necessidades, investir na relação como prioridade, criar um pacto entre o casal e cumpri-lo e o que mais seja necessário.

Tentar é mover montanhas para fazer aquilo dar certo. Está no seu mindset. Não é “vamos ver o que acontece, vamos ver se dá, vamos ver se eu consigo”. Com esse mindset, eu já te adiando: vai falhar. Do or do not, there is no try, já diria Mestre Yoda. É colocar na sua mente a certeza de que vai dar certo e correr atrás do que quer. Corra, mesmo que tenha um muro, mesmo que tenha um abismo, corra. Não é a fé que remove montanhas, meus queridos, é o amor.

“Mas Sally, veja bem, se eu tentar com todas as minhas forças e não der certo, minha dor vai ser maior ainda”. Não, não vai. Leve para a vida este conselho: se empenhar menos achando que o fracasso terá um álibi se você não tentar com todas as forças é uma das maiores burrices que o ser humano repete. Vai doer de qualquer jeito, pois fracasso e rejeição doem em nós, reles criaturas movidas a ego, porém vai doer muito mais se ficar uma pontinha de dúvida que poderia ter dado certo e você não fez por onde.

Dentro das suas possibilidades no momento, dentro das suas capacidades, faça o seu melhor. Faça com empenho. Tente, sem cogitar falhar, tente com a certeza de sucesso. Se não der, paciência, this too shall pass. Você vai sofrer, porém vai dormir o resto da vida com a consciência tranquila, sabendo que você fez a sua parte. Se o outro não fez, francamente, quem perde é ele.

Vivemos em um mundo que caminha cada vez mais para a descartabilidade. Tudo é descartável, mesmo que ainda esteja funcionando. Fazemos isso com telefones, com carros e com tantas outras coisas que, sem querer, isso acaba entrando na nossa mente como um modo de funcionar. Descartamos tudo com muita facilidade, e, às vezes, fazemos isso com pessoas. Não existe pessoa perfeita, não existe afinidade 100%, relacionamentos precisam de um certo grau de compromisso, renúncia e, acima de tudo, planejamento.

Se está ruim mas ainda existe amor, descartar não é a primeira opção, pois uma pessoa que se ama não se consegue tão fácil quanto um celular. Tem que sentar e redefinir os “termos” dessa relação. Eu não sou Sheldon Cooper, mas não abro mão de um Relationship Agreement. Cada casal que faça o seu contrato do que não tolera e do que não abre mãos, que se coloque no papel e que se cumpra. Nada pior do que gente que não cumpre o contrato. E, para que o contrato dê certo, ambos terão que abrir mão de algumas coisas, para o bem do casal. Não está mais funcionado? Sentem e revejam os termos do contrato.

“Mas Sally, eu odeio discussão de relacionamento”. Ótimo, então não se relacione. Brigas são odiosas, mas discutir o relacionamento é algo necessário. Por algum motivo, no inconsciente coletivo, discutir relacionamento virou sinônimo de briga e virou pop dizer que não gosta de DR. Sentar e rever os termos da relação, rever onde cada um está infeliz e onde cada um pode ceder não tem que ser um campo de batalha. Na real, deveria ser feito periodicamente, digamos, semanal ou quinzenalmente, como profilaxia. Mas gente acomodada tem pavor a isso. Não seja essa pessoa.

Bens materiais são descartáveis. Pessoas não são descartáveis. Se você está em um relacionamento meia bomba porque se envolveu com uma pessoa sem gostar muito dela (ou foi desgostando com o tempo) e está junto mais por acomodação do que por outro motivo, não há qualquer dúvida: o gato de Schroedinger está morto. Separe, hoje mesmo, de preferência, pois você está perdendo um tempo precioso da sua vida.

E isso você avalia muito fácil em uma mulher. Faça-se a seguinte pergunta: “Se o __________ (complete com algum homem atraente, pode ser um professor, um vizinho, um sujeito da academia, o Jason Momoa, não importa) quisesse ficar comigo, estivesse loucamente apaixonado por mim, me pedisse em o casamento, fizesse tudo por mim, eu continuaria com o meu namorado?” Se a resposta for “não”, desculpa, você não quer ficar com o seu namorado, você só quer ficar com alguém. Você namora com o namoro e não com a pessoa. Sai fora hoje. Seríssimo, sai fora o quanto antes.

Porém se a resposta for “sim”, mas se existirem duvidas sobre viabilidade, compatibilidade ou qualquer questão que possa se trabalhada, não descarte a pessoa sem lutar. Vocês tem ideia como é raro e difícil encontrar uma pessoa pela qual tenhamos atração física, admiração, afinidade de ideias, capacidade de construir um projeto de vida em comum e que, de quebra, ela se sinta da mesma forma em relação à gente? Se você encontrou isso, lute. Não acontece muitas vezes na vida das pessoas.

Em sendo uma duvida (e não você protelando o enterro de algo que já morreu), lute. De todos os motivos pelos quais uma história de amor termina, o mais doloroso dever ser uma desistência precoce. Não tenha medo, lute.

Para dizer que, no geral, se existe dúvida é porque a coisa já apodreceu faz tempo, para dizer que não termina por medo de ficar sem sexo ou ainda para dizer que é tudo muito lindo mas para ter essa dúvida primeiro eu teria que te arrumar um relacionamento: sally@desfavor.com

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Comments (12)

    • Não publicarei.

      Tenho apenas uma pergunta para você: você se acha merecedora de mais do que isso? Se sim, deixe isso ir. Existem boas pessoas que não tem essas limitações. Sou da ideia que tem que ser fácil, leve, fluido. Se está emperrado, não está fluindo, se está difícil, mas fácil mudar DE pessoa do que mudar A pessoa.

      • sally, muito obrigada. precisava de um conselho sensato. às vezes acabamos esquecendo esse pressuposto fundamental que você mencionou e consentindo com situações insatisfatórias.

  • Eu já sofri muito por esse fantasma do passado, a melhor coisa é lutar, é difícil achar alguém com compatibilidade , e é ilusão pensar que não haverão dúvidas, medo e receio num relacionamento

    • Fantasma do passado impede de viver o presente. Tem que vivenciar, exaurir, desistir, elaborar o luto desse encerramento e só depois retomar uma vida afetiva saudável. Quase ninguém faz isso, as pessoas atropelam etapas e deixam coisas mal resolvidas debaixo do tapete, achando que dá para represar aquilo pra sempre.

  • Ninguém até agora???

    Bom, eu to com a Sally! Mesmo porque, às vezes é nesse momento de “será que vale a pena?” que fazemos mudanças que podem melhorar o relacionamento!

    Então, pra mim tem que tentar!

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