Velho novo problema.

Com o envelhecimento generalizado da humanidade, algumas coisas relativas à parcela idosa da população começam a chamar mais atenção. Sally e Somir discutem sobre como resolver problemas com gente se aproveitando desses idosos para ganhar dinheiro. Os impopulares opinam, se não estiverem gagás.

Tema de hoje: idosos com mais de 70 anos devem ser obrigados a se casar em regime de separação total de bens?

SOMIR

Não. Se me perguntassem se eu aconselharia uma pessoa com mais de 70 anos a se casar com separação total de bens, eu acho que responderia sim na maioria dos casos. Mas se a conversa é o Estado decidir isso pela pessoa, aí a coisa muda. Eu parto do princípio de que a legislação deve restringir o mínimo possível a liberdade do cidadão.

E não é nenhum sonho libertário de cada um por si, é uma lógica de funcionamento social: vidas humanas são complexas e pessoas são muito difíceis de agradar. O meu Estado Mínimo não é uma distopia capitalista, é apenas saber quando parar de regular a vida alheia. Pode ter segurança, saúde e educação públicas, pode ter código penal, pode ter regulação de mercado… mas só mexa em liberdades pessoais se não tiver mais nenhuma alternativa. Isso é criar confusão e burocracia no sistema, e pior, é reduzir a capacidade do cidadão de resolver seus problemas.

Não tem lei que cure burrice ou controle sentimentos. A pessoa precisa saber como lidar com essas coisas sem o “papai Estado” mantendo ela presa na infância intelectual. Até porque esse pai é ausente e frequentemente incompetente e/ou corrupto. Quanto menos leis criando essa mentalidade de dependência no cidadão, maiores as chances das pessoas aprenderem a tomar boas decisões.

Essa é a parte ideológica sobre Estado. Lei é a última linha de defesa da sociedade, até porque quem garante a lei é a violência: o Estado tem monopólio da força e em última instância só é respeitado porque tem a prerrogativa de te enfiar a porrada se precisar. Quanto menos das nossas vidas estiver “garantido por violência”, melhor. Tem que aprender, não decorar.

Mas tem também uma questão sobre posse: ninguém é obrigado a deixar herança. Se você morrer e tiver algo para passar pra frente, valem as regras do Estado, mas durante a sua vida, o seu dinheiro é seu. O que está podre na ideia de obrigar idoso a se casar com regime de separação total é a presunção que as posses dele deixam de ser posses dele. Que alguém de fora tem que entrar para regular isso. E para piorar, a partir de uma linha arbitrária de idade.

Se o idoso ou idosa quiserem arriscar seu patrimônio num casamento, é o patrimônio deles. Não é dos herdeiros e nem do Estado. A função de ter seus próprios recursos é justamente fazer uso deles para conseguir o que quer. Porque sim, pode ser que essa pessoa mais velha esteja usando seus recursos para conseguir uma relação que não teria de outra forma. O véio babão casando com uma mulher muito mais nova pode estar casando enganado, mas é muito provável que no fundo ele saiba o que está fazendo. Não é socialmente aceito admitir isso, para nenhuma das partes, mas é um acordo possível entre dois seres humanos.

Tem golpe? Claro que tem. Mas tem golpe em todas as idades, gente casando por interesse não é exclusividade da terceira idade. Tem golpe no fuckin’ Tinder! Golpistas motivados acham mil formas diferentes de arrancar dinheiro dos outros, casamento é uma das formas mais complicadas… tenha muito mais medo do seu idoso não estar admitindo que está numa relação do que um que vem te dizendo que quer casar. Porque é aí que o dinheiro dele(a) some e ninguém vê.

E outra: o Estado não substitui cuidado. Se você está preocupado com uma pessoa idosa da sua família tomar um golpe do baú e não está por perto dela para perceber isso acontecendo, você abriu mão de acompanhar de perto. Era a porcaria da sua obrigação se você quisesse esse tipo de cuidado com a pessoa. Grandes coisas ter uma lei se você vai continuar cagando e andando para o(a) idoso(a), ele(a) vai se afundar de mil outras formas que você não vai ter como resolver.

Eu conheço a Sally para saber que isso não tem nada a ver com o pensamento dela, mas até por isso eu acho importante mencionar, afinal, é bem provável que ela não considere isso no argumento: esse tipo de lei tem toda a cara de coisa de quem quer garantir sua herança sem ter trabalho. Amarra a pessoa com uma lei e oficializa que o dinheiro dela tem que sobrar para filhos e netos que não estão próximos para cuidar.

Esse tipo de gente que enxerga idoso como cofrinho não merece apoio nenhum. Que eles percam toda a herança, porque pelo menos a pessoa que casou por interesse gastou tempo e esforço da própria vida para fazer companhia e trazer felicidade para a pessoa. Pode ter relação abusiva sim, mas essa é outra coisa que não se impede com essa lei, porque o abusador está perto e livre o suficiente para tirar dinheiro da pessoa de outras formas.

Uma lei dessas não resolveria o problema de gente que é enganada e explorada por golpistas, afinal, herança é um dos jeitos mais complicados de conseguir dinheiro de idoso; e ainda por cima atrapalharia os planos de gente que realmente encontrou um par no final da vida e quer dar estabilidade e segurança financeira para a pessoa amada. Pune quem está numa relação positiva e deixa solto quem está numa negativa.

Eu fico feliz quando consigo usar meu dinheiro para fazer as pessoas que eu gosto ficarem felizes. Muitas vezes é até mais divertido que gastar com algo que você quer. Se a pessoa juntou seu dinheiro durante a vida e agora quer mimar alguém querido com esse dinheiro, deixa ela. Sentimentos são complexos, relações idem. Dinheiro faz parte de relacionamentos, não obrigatoriamente como prostituição, mas como forma de gerar bons momentos e até mesmo paz de espírito para se dedicar mais à relação do que se preocupar com conta para pagar.

E não é o tipo de coisa que o Estado precisa regulamentar. Existe o crime de estelionato e tantos outros para cobrir algo de errado que aconteça numa relação amorosa de um idoso, não tem que colocar mais coisa. Especialmente se tira liberdades pessoais.

E o idoso de 2024 é um bicho completamente diferente do idoso de 2004, 1984… eu já percebo isso claramente nas pessoas mais velhas que tenho ao meu redor e as que vejo na mídia: estão muito mais espertos, mesmo que acabem perdendo capacidade mental naturalmente com a idade. Depois dos 25 é ladeira abaixo para todo mundo na parte biológica.

Quem tiver cuidado da mente, do corpo e tiver pessoas queridas por perto vai estar muito mais protegido, e isso lei nenhuma pode resolver.

Para dizer que eu quero pegar uma novinha quando estiver caquético (eu quero ter o poder de escolha, só isso), para dizer que o brasileiro é burro demais para ter liberdade, ou mesmo para dizer que o idoso atual canta hino pra pneu: comente.

SALLY

Idosos com mais de 70 anos devem ser obrigados a se casar em regime de separação total de bens?

Sim. Por mais que todos adorem parecer inclusivos e descolados tratando um idoso como outra pessoa qualquer, a realidade é que idosos precisam de proteção especial e isso está presente em todo momento na lei brasileira, em diferentes áreas. Não vejo por qual motivo abrir uma exceção e retirar essa proteção na área patrimonial.

Por melhor que alguém chegue aos 70 anos, algo do discernimento está comprometido, muitos dos seus neurônios já morreram, seu corpo não funciona tão bem como antes, as regras sociais já não são tão bem compreendidas como antes, as adaptações a mudanças são mais difíceis. Não é coincidência que golpistas escolham sempre idosos para aplicar seus golpes: é o grupo que costuma ter menos discernimento.

E com isso não quero dizer que a pessoa será uma idiota, quero dizer que, do que ela era, haverá um decréscimo no discernimento. Se era uma pessoa brilhante, é provável que se torne uma pessoa muito inteligente. Se era uma pessoa muito inteligente, será uma pessoa inteligente (e em ambos os casos, apesar do decréscimo, ainda será mais inteligente do que eu).

Porém, conhecemos a realidade do Brasil. A população não é composta majoritariamente por pessoas brilhantes. Então, o que já não era muito bom no original, chega pior ainda na terceira idade. E as leis são feitas pensando na maioria, para a minoria sempre existe a possibilidade de pleitear uma exceção em alguma ação judicial.

Não há lugar para ofendidos aqui, pois em diversos crimes a pena é aumentada se ele é cometido contra o idoso, por se presumir que ele tem um discernimento reduzido. O próprio Código de Defesa do Consumidor também adota cuidados extras para que idosos, mais vulneráveis a serem enganados, tenham uma proteção maior. Não é sobre declarar alguém incapaz, é sobre proteger. E a lei já o faz, em diversos momentos.

E, por mais discernimento que um idoso tenha, os tempos mudam muito rápido numa sociedade em crescimento exponencial. A compreensão do idoso sobre os valores, os códigos, as normas de conduta atuais costumam ser bastante limitados. Idosos, salvo honrosas exceções, ficam sim mais vulneráveis do que as demais parcelas da população.

Não é um cerceamento de direitos, é proteção. E como toda proteção, foi pensada para agir de forma preventiva, não apenas para o grupo que protege, mas com efeitos em toda a sociedade. Se a população sabe que existe essa lei, se é do conhecimento público que não adianta casar com uma pessoa mais velha pois não vai ter direito ao seu patrimônio, isso desestimula qualquer tipo de golpe. A pessoa golpista procura outro nicho.

“Mas Sally, quer dizer que quando for amor verdadeiro o idoso é obrigado a deixar o parceiro(a) desamparado?”. Não. Existem mecanismos para isso. É possível, por exemplo, fazer um processo judicial no qual o idoso será periciado e será avaliado seu discernimento para que ele doe os bens para quem quiser. Existem várias ações judiciais e até a opção de um testamento para assegurar a quem tem condições de exercer esse direito a possibilidade de exercê-lo. Quando falo sobre separação total, falo como regra geral, mas isso não quer dizer que não possam existir exceções.

Nada é 8 ou 80 na lei. Tem a incapacidade absoluta (quando a pessoa não pode decidir nada sobre sua vida) e tem a incapacidade relativa (quando a pessoa não pode decidir sobre alguns aspectos da sua vida). A parte financeira é apenas um aspecto. E o regime de bens é apenas um aspecto desse aspecto. Não há qualquer contradição em ser capaz para alguns aspectos e incapaz (incapacidade absoluta ou relativa) para outros. Inclusive, acontece todo santo dia.

Se vocês soubessem a quantidade de idosos que toma golpe diariamente de pessoas que sabem explorar sua carência, sua solidão ou até suas necessidades sexuais… Não dá gente, o brasileiro é um povo animalesco, desonesto, malandro. Precisa proteger todo mundo dele, principalmente os idosos. Talvez em uma sociedade civilizada isso não fosse necessário, mas infelizmente no Brasil isso é indispensável.

Dói tanto assim pensar no fato de que, com o passar dos anos, vamos perder boa parte do nosso discernimento e vamos precisar de proteção legal? É o ciclo da vida, meus amigos. Todos os dias morrem neurônios seus que não serão repostos no mesmo ritmo. Em matéria de cognição e discernimento, o que você será em 30, 50 anos, é inferior a aquilo que você é hoje.

E com menor cognição e discernimento ficamos mais vulneráveis. E ficar mais vulnerável em um país desgracento cheio de gente desonesta e aproveitadora é terrível. Parem de pensar na exceção, pensem na regra geral. As normas jurídicas são pensadas para reger as regras gerais. As exceções podem pleitear ser uma exceção à regra se provarem que estão aptas para isso.

Eu já vi coisa demais para recusar qualquer tipo de proteção a qualquer pessoa no Brasil, mesmo que venha na forma de limitação. E tenho certeza que alguns de vocês já viram algum idoso ser explorado, manipulado e ter seu patrimônio dilapidado. Acreditem: o Brasil é um país de filhos da puta e toda proteção é pouco.

Seria muito bem-vindo se a lei desestimulasse essa mania feia que está virando tendência no Brasil de fazer um pé de meia iludindo uma pessoa idosa. Está cada vez mais comum e está arruinando a vida de muitas famílias.

O idoso da sua família tem total discernimento e nunca levaria um golpe? Bom para você, a realidade massiva é outra. E a lei é feita levando em conta a realidade massiva, não a pessoa idosa da sua família. E, sendo bem sincera, quem usa evidência anedótica para embasar qualquer coisa, tem menos discernimento do que um idoso.

Para dizer que estou sendo etarista (então a lei também é!), para dizer que é escolha do idoso pagar para ter alguém ao lado (se não há discernimento suficiente, não há escolha) ou ainda para dizer que tudo deveria ser proibido no Brasil: comente.

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Comments (18)

  • O engraçado é que, até estudar Direito, pensava que casar com separação total fosse o suficiente. Só que isso não impede a participação da interesseira(o) na herança do falecido (como uma amiga minha descobriu amargamente isso quando abriram o inventário do pai). Sem falar que nem precisaria casar, numa dessas até uma alegação de união estável cola.

    Aí fica a dúvida: um pacto pré-nupcial adiantaria?

    • Tanto pacto pré-nupcial quanto testamento podem ser judicializados por influência dos interesses dos envolvidos.
      Vara de família é um dos piores pesadelos na área jurídica e olha que tem várias outras áreas tensas.

  • Eu vou de Somir, não.

    Pelo simples fato que tem muito idoso que procura sarna pra se coçar e deveria ser responsabilizado por isso.

    Meu principal ponto é o idoso que procura por livre e espontânea vontade mulheres mais novas para se relacionar, alguns chegando a ser inconvenientes (que mulher nunca lidou com um véio tarado?) ou mesmo abandonando relacionamento consolidado atrás de carne fresca.

    Então, se tem discernimento pra ir atrás de novinha e bancar o véio da lancha, tem discernimento pra proteger o próprio patrimônio.

    • Por mim idoso não deveria poder fazer nada além de tomar sopa e ver tv, acho que em sua maioria eles tem zero discernimento

  • Eu não tenho grande conhecimento dessa lei específica e nem das decisões que a alteraram recentemente, mas tendo a concordar com o Somir. Sim, idosos têm algum declínio nas capacidades de discernimento, mas hoje em dia eles são a maioria das pessoas no comando do Brasil e do mundo. Lula tem quase 80 anos, por exemplo. Lula é exatamente o contrário de um bom presidente, mas é contraditório dizer que um idoso tem discernimento para governar um país e não tem discernimento para se casar no regime que quer.
    Talvez o ideal seja que o regime de separação obrigatória continue “automático”, mas da mesma forma do regime de comunhão parcial para os casais que não são idosos. Com possibilidade de alterar no ato do casamento, talvez pedindo laudo médico que ateste capacidades mentais.

    • Comunhão parcial é uma bosta, Comunhão total também é e considero separação de bens o regime menos pior dentre os regimes possíveis de regimes de bens.
      Mesmo assim ia sempre ter aquela problemática de o meu bem virar meus bens na hora que o relacionamento azeda.
      O ideal seria apoio mútuo nos relacionamentos, mas na real é tudo muito complicado. Até relacionamento está difícil de construir e com as militâncias semitas dando as caras, o que já seria ruim se torna ainda pior.
      É gente que não está interessada em mostrar os sinais de alerta de um relacionamento que pode se tornar um risco até pra sua própria vida e sim em farmar mais e mais gado pra sua militância fundamentalista.

  • Lembrei da senhora que vendeu a casa e perdeu 300 mil reais pra um golpe do amor online… A verdade é que lidar com idoso e sua teimosia é difícil demais

  • Olha, não adianta muito isso não. O meu pai por ex nem casou, mas arrumou uma vagabunda que tirou tudo dele. Não precisa casar pra zerar as finanças de velho babão, basta ser uma vadia bem articulada.

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