Cabeça pesada.

Traição não costuma ser uma boa experiência para ninguém, mas isso não quer dizer que seja a mesma coisa para homens e mulheres. Sally e Somir consideram as dores da cornice de acordo com o sexo do corneado. Os impopulares participam fielmente.

Tema hoje: socialmente falando, ser corneado é pior para homens ou para mulheres?

SOMIR

Homens. Homem fica tão desorientado com chifre que moldou basicamente toda a sociedade ao redor disso. Casamento é tratado como sonho feminino atualmente, mas se a gente for pensar na nossa história, isso tem mais cara de lavagem cerebral do que de desejo honesto da mulher.

De um ponto de vista utilitário, uma tribo é mais eficiente se as mulheres puderem ter filhos com os melhores machos disponíveis a cada momento, e ao contrário do que fazemos agora, criar os filhos de forma compartilhada. Eu já li sobre a teoria que monogamia é uma construção masculina derivada da adoção da agricultura: se a tribo é subdivida em propriedades, perde o homem que gasta seus recursos criando filhos dos outros. Para evitar abusos, terra, plantações, animais e mulheres entraram debaixo do mesmo guarda-chuva de propriedade inviolável pelo vizinho.

Mulheres orbitam ao redor do provedor mais forte, e se você quer que sua sociedade cresça, precisa de incentivos para outros homens produzirem também e não se tornarem problemáticos. Tratar mulher como propriedade podia muito bem ser a receita da antiguidade contra os incels. Retira poder de escolha da mulher para reinvestir em maior produtividade.

Isso não tem nada a ver com a ideia que eu tenho sobre relações ou como devemos tocar o mundo moderno, afinal, sociedade e economia já mudaram completamente; é apenas uma análise de como essa coisa de monogamia tem raízes profundas e provavelmente influencia nosso comportamento até hoje.

Na mulher, ficou uma sensação justificada de repressão. Por mais que não ache correto glorificar promiscuidade, pelo mesmo motivo do mundo ter mudado desde os tempos da hipergamia utilitarista, havia sim uma demanda represada de liberdade sexual feminina. Não sei até onde isso vai, mas se engana quem acha que só homem tem instinto conflitante com monogamia, mulher também, e talvez até mais.

Já no homem, entrou na cabeça uma noção bem torta de que ele tem que se julgar pela sua capacidade de possuir mulheres. E é aí que entra o primeiro fator que torna o chifre do homem socialmente mais dolorido: esperava-se dele conseguir manter esse controle, ser traído significa uma falha na missão básica de ser homem. Mulher chifrada é tratada como uma coitada, homem chifrado é um fracassado.

E até por isso, as pessoas não se furtam de pisar no homem nesse momento difícil. Eu até entendo que isso cria uma casca no homem que mulher acaba não conseguindo, mas estamos analisando o que é pior socialmente, e é pior ser tratado como um perdedor do que como alguém sacaneado por outra pessoa. Todos temos simpatia por quem é injustiçado, mas olhamos bem mais torto para quem falha.

Isso pesa tanto na mente masculina média que vemos muitos casos de homens que se tornam violentos até mesmo em caso de rejeição sem traição: o valor dele está tão ligado à sua capacidade de manter uma mulher sob seu poder que quem tem tendências violentas se sente justificado em agir dessa forma. Não corroboro com violência, mas ela não existe num vácuo. Só se combate um problema indo na fonte dele. E a fonte é a ideia de que homem precisa ter uma mulher sob sua posse para ter valor.

Não bastasse isso, se o homem trai, ele é ruim. Se a mulher trai, o homem é ruim. Como as coisas sempre giram ao redor de um fracasso masculino, mulheres vivem se escondendo da responsabilidade pela traição dizendo que o homem não fez o suficiente por ela. Capaz de perguntarem para ele o que ele fez de errado para ser chifrado.

E eu argumento que talvez nem essa coisa do homem ficar mais resistente por causa da reação social negativa ser tão eficiente assim… primeiro porque não são raros os homens que são chifrados várias vezes. É uma lição complexa a de se afastar de gente que não vai prestar para você, você precisa se conhecer (o que não é incentivado) e prestar atenção na outra pessoa (o que também não é incentivado) para reconhecer sinais de incompatibilidade antes de ser tarde demais.

Não é só a “punição” de ser sacaneado por ser traído que resolve alguma coisa, é a mesma ideia torta de achar que penas mais severas coíbem criminosos. Pode punir da forma mais cruel possível, se a pessoa não estiver pronta (ou livre) para aprender, vai ser sofrimento puro. Para a maioria dos homens ser chifrado é ruim pelo sentimento de traição, pela sensação de não ter valor como homem e pela forma escrota como ele vai ser tratado por homens e mulheres a partir daí.

Professor linha dura só serve se ensinar alguma coisa. Sem essa capacidade é apenas um sádico. Homem não costuma aprender com traições, nem a reduzir a probabilidade de acontecer no futuro nem como lidar com isso de forma psicologicamente saudável. Lembrando que homem tem uma tolerância social baixíssima para demonstrar sofrimento de fundo sentimental. A mulher pode desmontar por semanas com suporte generalizado, o homem tem no máximo uma noite de bebedeira livre para resolver tudo. Spoiler: não resolve.

E vamos falar do elefante na sala: mulher costuma ter fila de pretendentes, mesmo as feias. Se o homem médio tivesse a certeza constante de que é só gritar “Próxima!” para a fila andar, talvez não ficasse tão nervoso com a ideia de perder a que já tem. Não diminui o sentimento das mulheres traídas, é claro, se você queria aquela pessoa não resolve ter mais homens disponíveis, mas com certeza libera uma parte da mente que se preocupa com o que fazer no futuro.

Aliás, uma última coisa: se homem lidasse bem com traição, o fetiche por ser corno não existiria. Quantas mulheres tem isso? Pois é.

Para dizer que isso é papo de fracassado, para dizer que homem não fica de mimimi, ou mesmo para dizer que a culpa da traição é sempre do homem: comente.

SALLY

Socialmente falando, para quem é pior “ser corno”, para o homem ou para a mulher?

Provavelmente todos concordamos com os motivos, mas discordamos sobre o sexo. Eu acho que é bem pior para a mulher, por ser colocada em um papel de coitadinha, de vítima, de frágil. Prefiro mil vezes virar motivo de piada do que ser coitadinha.

No Brasil ofende mais a questão da honra, pois é um país pré-histórico, machista e idiota. Nada dói mais do que o ego, nada é pior do que não ser o mais esperto. Só que nós somos melhores do que isso, não é mesmo? É pior ser coitadinha digna de pena do que pessoa que vira motivo de piada.

No chifre que o homem leva a narrativa pega no ego: o sujeito foi trouxa, foi incompetente, foi otário, foi passado para trás. A culpa é dele, por não dar conta da mulher ou por ter escolhido mal a mulher. É um fracasso, do qual todos se sentem no direito de rir. É escroto.

Já no chifre que a mulher leva, a narrativa gira em torno de um discurso de fragilidade, vulnerabilidade e vitimização que me desagrada profundamente: as amigas reunidas consolando, falando o quanto o outro não presta, a sociedade tratando como se fosse uma criança que caiu da bicicleta e ralou o joelho. É patético.

Talvez um olhar mais desatento encontre algum benefício em vilanizar a pessoa que traiu, mas é só a gente aprofundar um pouco a questão que fica bem claro o desfavor que isso é.

Todos nós temos alguma parcela de responsabilidade pela relação que construímos e por tudo que decorre dela. São as nossas escolhas, as nossas capacidades de estabelecer limites, as nossas capacidades de perceber que estamos recebendo o que merecemos que desenham nossos relacionamentos.

Obviamente quem trai erra, pois se havia um pacto de fidelidade, a pessoa descumpriu o combinado. Mas quem é traído também errou: errou ao escolher, errou ao fechar os olhos para sinais, errou ao tolerar o que não deveria ser tolerado. Não existe pessoa com comportamento exemplar que traia sem dar qualquer sinal, isso é mentira que se conta a si mesmo para se eximir da responsabilidade de não ter percebido o que estava acontecendo.

As pessoas dão sinais o tempo todo: do que são, do que fazem, do quanto cumprem os combinados. Passou a perna no colega de trabalho? Falou mal da ex? Foi escroto com a família? Tua hora vai chegar, em algum momento essa pessoa será escrota com você. Mas as pessoas preferem acreditar que como elas são tão especiais, não vai acontecer com elas. Com elas, e só com elas, a pessoa será bacana.

Ao tratar uma mulher que levou um chifre como uma coitada, como uma vítima, se reforça essa deseducação de não incentivar e treinar o olhar para o outro: se fui traída, ele é um escroto e a sociedade toda vai execrar a canalhice dele, eu não tenho nenhuma parcela nisso, vou ficar aqui recebendo afagos e validação.

O desejável é que se a pessoa foi traída, esqueça o energúmeno que a traiu (dali em diante ele tem que ter zero importância e relevância na vida da pessoa) e foque em si mesma e no aprendizado que essa situação gera: quais sinais foram ignorados? Quais red flags foram perdidas? Quais características dessa pessoa que não eram legais foram toleradas? Só assim se aprende a não fazer escolha merda novamente.

“Mas Sally, você está dizendo que a culpa é da pessoa que levou o chifre?”. Claro que não. Se havia um acordo claro, verbalizado, expresso de fidelidade e uma das partes o descumpriu, a culpa é de quem o descumpriu. Porém, se a pessoa traída se colocar no papel de vítima atribuindo tudo à falta de caráter do outro, jamais aprenderá com essa situação e será muito mais provável que a repita.

E é muito mais confortável para quem leva um chifre ser acolhida e acreditar que está tudo no outro, principalmente quando seu entorno reforça esse pensamento e passa a mão na sua cabeça. Socialmente falando, o estrago que se faz na cabeça de uma mulher com esse pseudo-acolhimento me parece muito mais nocivo do que as sacaneadas com homem que leva chifre.

Quem é sacaneado e sabe que será sacaneado novamente presta o dobro de atenção para aprender onde errou, de modo a que isso não se repita. Não que eu ache bom aprender na dor, realmente não acho, mas entre esses dois extremos de passar a mão na cabeça e sacanear, acho sacanear menos nocivo.

Na minha opinião (e não é a verdade, é apenas a minha opinião), uma boa amiga que acolhe outra que foi traída não fica só no bla bla bla de “ele é um escroto, ele não te merece”. Ela também ajuda a refletir e compreender quais red flags foram ignoradas para não perceber que a pessoa não era digna de confiança e a pensar o que pode ser feito para que a situação não se repita.

Porém, provavelmente, no mundo real, a maior parte das mulheres traídas ficaria puta com essa abordagem. As pessoas esperam que você passe a mão na cabeça e fique esculhambando o homem que traiu, se não todos os homens do mundo. Tremendo desfavor ficar falando do ex, coisa mais imbecil botar o foco em quem tem que ser considerado completamente irrelevante, sem importância, inexistente.

Aí se cria essa cultura de que é inevitável que mulheres sejam traídas, que homem é tudo canalha ou, ainda pior, que a mulher tem que estar atenta para evitar isso, como se fosse evitável por vigilância. Quem quer fazer vai fazer, ninguém consegue vigiar ninguém as 24 horas do dia, se bobear, esse sufocar torna o chifre ainda mais atraente. E que merda viver controlando o outro, não? Mas é a mensagem que se passa: que chifre é imprevisível, aí nascem essas malucas que fuçam celular, bolso de calça e cheiram a camisa do cara quando chega em casa.

Eu sempre disse isso e repito: a sociedade é uma máquina de criar mulher débil mental. Eu aplaudo de pé as mulheres que não são infantilizadas, vitimizadas e idiotizadas, porque olha, tudo te empurra para isso e é muito mais cômodo ser assim, afinal, a vida é muito fácil quando tem alguém cuidando de você e não cobrando muito pois não te acha capaz de quase nada.

Homem aprende desde cedo a ter uma casca grossa e cagar para o que a coletividade diz, pois geralmente a coletividade diz coisas hostis ou cobra muito (homem não chora, homem tem que ser bem-sucedido etc.). Mulher aprende que se demonstrar extrema fragilidade, será acolhida e poupada. Tá errado isso, tá bem errado.

Mulher é sempre acolhida como vítima, então, com prazer, ela dá ouvidos a tudo que o entorno diz, pois é mais agradável do que olhar pra dentro e entender qual é a sua parte nesse problema que se apresentou. Ao nunca atribuir nada a ela, sempre vilanizar os homens, se retira a possibilidade que pensar que muitas vezes o problema está na escolha da mulher e no que ela decide tolerar.

Desculpa, mas eu acho socialmente pior ser coitadinha do que ser sacaneada por um chifre que levei.

Para dizer que eu sou uma péssima amiga, para dizer que finalmente chegou o dia que os Incells virão aqui me aplaudir ou ainda para dizer que o pior de tudo é o chifre em si: comente.

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Comments (4)

  • É pior pros homens. Homem corneado é considerado beta, fica desacreditado e vira motivo de chacota, por isso que ficam tão revoltados e querem matar as mulheres. Mulher que leva galho todo mundo acolhe, coitadinha foi sacaneada por aquele canalha etc. Vamos combinar que é muito melhor pagar de vítima do que virar um merda.

    • Meu texto é justamente sobre isso: é muito pior ser uma coitadinha, uma vítima. É muito mais humilhante.
      Quando a gente sacaneia uma pessoa, é por achar que ela aguenta aquilo. Quando a gente sente pena, é por achar que a pessoa não vai aguentar ser sacaneada.

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