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Relacionamento abusivo.

Relacionamento abusivo.

| Sally | | 12 comentários em Relacionamento abusivo.

Hoje é aquele dia gostoso de decepcionar as pessoas. Hoje é dia de ser mal interpretada. Hoje é dia de receber aquele xingamento maroto nos comentários. Benefícios de não escrever de forma monetizada: poder falar mesmo assim, sem me importar e sem comprometer minha renda. Lá vai: muita mulher se mantém em um relacionamento abusivo por ser abusiva também.

Normalmente as pessoas falariam isso e sairiam correndo. Eu não só não vou sair correndo, como também vou desenvolver.

Existem infinitas formas de relacionamento abusivo. Existem uma infinidade de coisas que podem ser feitas em determinado contexto que tornam o relacionamento abusivo, tóxico e nocivo. E estas atitudes que configuram relacionamento abusivo não deveriam ser negociáveis nem mensuráveis.

Mas, quando falamos de atitudes abusivas, o peso destas atitudes parece flutuar de acordo com o que pega defender ou o que convém defender. Uma pena. Abuso é abuso, pequeno ou grande, não deveria ser aceito, normalizado ou aturado. Porém, o é.

No atual momento, se convencionou que os abusos masculinos são mais graves, provavelmente como um movimento rebote depois de muitas décadas de homens oprimindo mulheres. E não estou falando de um homem espancar uma mulher e sim de coisas menores como mentiras e traição.

Talvez seja de fato necessário que o pêndulo caia um pouco para o nosso lado (o das mulheres), até que as coisas se reequilibrem, nem vou entrar nesse mérito. O que me incomoda é: tem muita gente achando que abuso de um lado justifica abuso do outro. Abuso nunca justifica nada, abuso é sempre motivo para você se afastar daquela pessoa.

Se o Fulaninho cometeu algum abuso contra você, a única coisa digna, decente e aceitável a se fazer é se afastar do Fulaninho. Cometer abuso de volta é ser tão escrota quanto ele. São 15 anos de Desfavor tentando explicar que o erro do outro não justifica ou autoriza o seu. Um dia a gente chega lá.

Na maior parte das vezes esse mecanismo de compensação de achar que um abuso justifica o outro não acontece de forma consciente. Um exemplo: o sujeito trata a namorada mal, mente, dá indícios de não ser correto e a namorada vai e fuça o telefone ou os pertences do cidadão.

Muita mulher faz isso e coloca a culpa no homem, pela forma como ele se portou. Não, meu anjo, se alguém não te inspira confiança, pegue seu banquinho e saia de mansinho. Fuçar telefone e pertences do outro é abusivo e você é tão lixo quanto ele se o fizer. Fora que ainda é super humilhante.

O que ocorre é que o abuso masculino tem recebido muitos holofotes e muitas críticas, o que passa a falsa percepção de que ele é mais grave do que o feminino, então, autorizaria um abuso “menor” por parte da mulher. Não é. Me irrita profundamente ver relacionamento abusivo praticado por mulher sendo atenuado, tratado como “ansiedade”, “questão hormonal” ou “mulher é assim mesmo”.

Teu cu. Talvez as mulheres com as quais você conviva e que você atrai sejam assim (e isso fala mais sobre você do que sobre as mulheres), mas não venha normalizar comportamento abusivo feminino com condescendência. Não somos crianças, não somos retardadas. Mulher que comete qualquer invasão de privacidade, desrespeito ou descumpre o combinado no relacionamento é abusiva.

Gritou? Xingou? Faltou com o respeito? Mentiu? Enganou? Manipulou? Tentou te culpar por um erro dela? Meu amigo, sai fora. Mas sai fora para ontem. E nem é por uma questão de orgulho ferido e sim por não haver possibilidade de um relacionamento saudável com quem não tem uma cabeça saudável. E quem faz essas coisas não tem uma cabeça saudável.

Foi num momento de nervoso? Pois adivinha só, tem mulher que fica nervosa e não faz isso. Estava estressada? Pois adivinha só, tem mulher que fica estressada e não faz isso. Foi reação a algo que você fez? Pois adivinha só, tem mulher que não reagiria assim. Nada justifica abuso. Nada. E este texto é mais para as mulheres do que para os homens: parem de justificar seus abusos e vão cuidar da sua saúde mental. Não é porque a sociedade ou a sua bolha endossa abuso que eles são aceitáveis.

Esse tipo de comportamento está criando uma geração de mulheres que se acham no direito de fazer o que quiserem, mas que criticam fervorosamente quem tem algum comportamento abusivo. Estão recebendo permissão social para isso. O que eu mais vejo é mulher reclamando de “macho tóxico”, mas que fala mal do parceiro em público, fuça celular, e-mail e redes sociais, rastreia o parceiro feito um detetive, controla horário, faz críticas nada gentis a aparência física (“homem com menos de 1,80 eu não dou nem bom dia”), grita, xinga, quebra coisa, briga em público, faz o homem passar vergonha e comete uma série de outros comportamentos abusivos.

Curiosamente, essas mesmas mulheres não costumam sair do relacionamento abusivo, só saem quando o sujeito cansa e lhes dá um pé na bunda. E mesmo quando saem, se metem em outro relacionamento abusivo, com outro “macho tóxico”. Por que será?

Acredito que em algum lugar, mesmo que seja nas profundezas do inconsciente, essas mulheres sabem que um homem “normal”, inteiro, funcional, maduro, não vai tolerar seu descontrole, seu desequilíbrio, sua infantilidade, sua ansiedade, sua baixa autoestima. Então, ficam com os abusivos, para poderem continuar agindo como loucas. Mas não admitem isso, ou não percebem. Daí vem as desculpas (para elas mesmas) para se manterem em um relacionamento abusivo.

Muitas tentam se convencer (e talvez convencer os outros) de que o relacionamento nem é tão abusivo assim, como se houvesse um patamar aceitável de abuso. A autoestima de quem acha que um relacionamento é toleravelmente abusivo está subterrânea. Não há qualquer possibilidade de um relacionamento saudável se há: gritos, falta de respeito, ameaças, desconfiança, postura combativa no lugar de postura cooperativa, mentiras, manipulação, medo ou ausência de parceria ou cumplicidade.

Mas elas tentam se convencer que existe um motivo para ficar no relacionamento. Como é muito doloroso perceber o quanto é fodida da cabeça e que ninguém normal vai aceitar seus pitis, medos, inseguranças e limitações, vem os argumentos batidos e furados: “eu amo ele”, “ele já me ajudou muito”, “ele faz tal e tal coisa boa”, “é difícil”, “ele é uma pessoa importante na minha vida”, “ele me ama”, “ele está tentando melhorar” e “eu não consigo terminar”. Sabe o que você não consegue fazer? Voar, pois não tem penas nem asas. Terminar você consegue sim, só não quer, e deve existir um enorme ganho secundário para ficar em um relacionamento abusivo, não é mesmo?

Deixa a tia Sally poupar vocês de muita cabeçada na vida: fodam-se todos esses argumentos, nenhum justifica tolerar abuso. Se no seu relacionamento tem algum dos itens que eu citei dois parágrafos acima (ou qualquer outro que torne o relacionamento abusivo), foda-se o parágrafo anterior, nada disso é argumento válido para se manter em um relacionamento que não está saudável. E, em vez de esperar que a pessoa mude (a estratégia mais furada da história das relações humanas), a pessoa deveria se perguntar por qual motivo não para de tapar o sol com a peneira e não coloca um ponto final.

Ele vai mudar? Beleza. Termina, e quando ele mudar (se ele mudar) você retoma o relacionamento. Você ama ele? Vai fazer terapia para entender por qual motivo você ama alguém que perpetra um relacionamento abusivo (provavelmente, por você também ser abusiva em algum nível). Ele já te ajudou muito? Isso não te obriga a tolerar abusos, você tolera abusos por saber, bem lá no fundinho da alma, que seu comportamento é inaceitável e um sujeito inteiro não vai tolerá-lo.

Não acha nada do que eu citei abusivo? Vai fazer terapia 5 vezes na semana para entender em qual momento da sua formação como ser humano sua autoestima quebrou ao ponto de não achar abusivo desconfiança, falta de respeito e invasão à privacidade do outro. E pare de ler este texto, enquanto você não parar de normalizar abuso nada do que eu diga vai entrar na sua cabeça.

“Mas Sally, se eu for tão exigente quanto você está querendo, vou ficar sozinha”. Não seja essa pessoa. Não seja Incell Fêmea de pensar que todo homem é abusivo. É sim possível um relacionamento sem mentiras, sem manipulação, sem falta de respeito, sem agressões (de qualquer tipo, inclusive verbais), sem desconfiança, sem invasão do espaço do outro, sem medo, sem insegurança. Mas só é possível se for uma via de mão dupla. Você tem que ser capaz de dar tudo isso antes de pedir.

E mesmo que não fosse possível… sim, seria preferível ficar sozinha a ficar em um relacionamento abusivo.

Infelizmente, para a maior parte dos brasileiros, algo muito grave, geralmente físico, precisa acontecer para que um relacionamento seja considerado abusivo e alguém pense em terminar o relacionamento. Uma surra, dentes e ossos quebrados, água fervendo no ouvido. Abuso vem muito antes disso. Qualquer desrespeito verbal é abuso. Qualquer postura no sentido de diminuir a autoestima do outro é abuso. Qualquer postura no sentido de tratar o outro, a relação ou a dinâmica da relação como um versus e não como um cooperativo é abuso.

E se você, por qualquer argumento que seja, tolera, relativiza ou justifica se manter em um relacionamento com ao menos uma dessas características, é muito provável que você também seja abusiva, e só por isso fica. Bota a mão na consciência e revisa como você anda se comportando, pois enquanto você for abusiva, ninguém que não seja abusivo vai se aproximar ou querer ficar em um relacionamento com você.

“Ain tá culpando a vítima”. Qual parte da mulher ser abusiva também você não entendeu no meu texto? Ninguém permanece em um relacionamento suportando abusos se não houver um ganho secundário significativo. E normalmente esse ganho secundário é um passe livre para ser abusiva, à sua maneira, provavelmente de forma mais sutil.

“Não é o meu caso”. Que bom. A intenção deste texto não é encontrar culpados e sim fazer refletir. Se você refletiu e viu que você, no seu relacionamento, não pratica nenhuma das condutas descritas neste texto como abusivas, o texto também foi útil: te fez constatar que ótima parceira você é.

Reflitam. Reflita sobre tudo que fazem com seus parceiros e como vocês reagiriam se um homem fizesse a exata mesma coisa com a sua melhor amiga. Vocês achariam ok ou ficariam revoltadas com o que andam fazendo com a sua amiga?

Levem esta frase para a vida: amor não prende ninguém em relacionamento abusivo. O que prende é dependência emocional, baixa autoestima e ganhos secundários. Quem tolera abuso com base em suposto amor mente para os outros e mente para si mesmo. Ninguém pode amar o outro antes de amar muito bem a si mesmo.

Não ama a você mesma? Você não pode estar em um relacionamento. Saia do relacionamento, faça terapia e, quando estiver inteira, recomece um relacionamento melhor, mais saudável.

Muito trabalho, né? Mais fácil culpar o outro pelas suas condutas. Mais fácil dar a cartada errada do “se ele fez me autoriza a fazer também”. E nessa vai o Brasil, diariamente homens e mulheres se batendo, se xingando, se traindo, fazendo barraco, infelizes, tomando remedinho controlado, sem vontade de voltar para casa depois do trabalho e achando que o relacionamento de todo mundo é assim. Não é. Só os disfuncionais mesmo. E no meio disso, os bonitos ainda fazem filho, para crescer em um lar em pé de guerra, infeliz ou estressado.

Gente, vamos crescer? Vamos amadurecer? Vamos passar a assumir a responsabilidade dos nossos atos e nossas escolhas em vez de culpar o fato de “amar” o outro por ficar em um relacionamento disfuncional, infeliz e abusivo?

Crescer dói, mas dói mais passar uma vida na merda, repetindo os mesmos erros e enfiada em um relacionamento que te faz sofrer. Se tira a sua paz, o preço é alto demais.

Para dizer que eu não sei o que é amor (não, você é quem não sabe), para dizer que o importante é posar de casal feliz em redes sociais ou ainda para dizer que todo relacionamento acaba assim depois de um tempo (não, não acaba): comente.


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