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Colunas

O mundo da Lua.

Se você espera qualquer análise mística, claramente não conhece meus textos. Mas há algo a se argumentar sobre como o satélite natural da Terra impactou e ainda impacta a mente dos macacos pelados que se desenvolveram no planeta ao lado.

Como a Lua estava lá desde o começo da vida na Terra, quase toda espécie que passou por aqui acabou influenciada por ela. A atração gravitacional dela gera eventos como as marés, que adicionam dinamismo ao ambiente marinho. A luz que reflete durante as noites permite que vários animais adotem um estilo de vida noturno. Direta ou indiretamente, evoluímos com a Lua nos céus.

Mas tem um argumento muito interessante sobre como ela mexeu com a mente humana: uma espécie que não tenha se desenvolvido vendo sua lua grande e brilhante nos céus todas as noites talvez não tivesse o mesmo desenvolvimento intelectual que tivemos.

Vamos pensar em quanta coisa o simples fato de ter uma lua desse tamanho no céu consegue sugerir sobre o universo?

Desde que o ser humano foi capaz de olhar para cima de noite e pensar sobre o que estava vendo, podia ver detalhes da superfície lunar. As manchas e crateras são bem visíveis, especialmente nos céus sem poluição luminosa de nossos ancestrais. O Sol, outros planetas e estrelas são apenas luz, mas a Lua tem resolução suficiente nessa distância para demonstrar que é um lugar.

Acho muito difícil presumir que todo ser humano do passado, até mesmo os que viviam em cavernas, não conseguia sequer desconfiar que a Lua era um objeto distante. Mais do que algo pendurado nos céus junto com as estrelas, um outro lugar que em tese tinha como ser pisado. O pensamento lógico não começou na era moderna, o que mudou muito foi a capacidade de manter registros e construir conhecimento de forma coletiva.

Se tivéssemos evoluído num planeta sem a visão clara de que a Lua era mais do que um ponto de luz, talvez tivéssemos demorado séculos ou milênios a mais para depreender a noção de espaço que desenvolvemos. O simples fato de ver mudanças de cor e texturas na Lua já muda a forma como se pensa sobre o objeto.

Outra coisa muito importante é o formato: o fato dela ser redonda já começa a dar muitas dicas sobre como as coisas são. O Sol sozinho poderia ser uma anomalia, mas o Sol e a Lua redondos? Isso deve ter acelerado muito a percepção sobre o formato dos objetos, inclusive o da Terra. É mito que antigamente as pessoas achavam que a Terra era plana, sempre foi uma minoria. A maioria das pessoas nem se importava com isso, e quem resolvia estudar chegava na conclusão de estarmos num objeto redondo com testes simples e eventualmente com um pouco de matemática.

E a cada vez que acontecia um eclipse, uma série de informações podia ser depreendida sobre o universo. Primeiro que havia uma relação de distância entre Sol e Lua. Na antiguidade já se percebia que o dia virar noite era uma prova de que a Lua estava “na frente” do Sol. Que a luz vinha de longe e que era bloqueada no meio do caminho.

Estudiosos antigos depreenderam o tamanho e a distância da Lua e do Sol com um grau de precisão assustador calculando quanto tempo durava um eclipse e como a sombra aparecia em lugares diferentes. Sem uma Lua que gerasse eclipses perfeitos, ia ser difícil sequer pensar em fazer esses cálculos de distância e tamanho. Um eclipse é algo chamativo o suficiente para fazer os macacos pelados pararem tudo o que estão fazendo pra ver em 2024, imagine só milhares de anos atrás?

É quase como se a Lua quisesse que a gente pensasse no espaço. Existe uma possibilidade de resposta para o Paradoxo de Fermi (por que não vemos aliens se o universo é tão grande e antigo?) que considera a existência de uma Lua tão grande e próxima como uma mola propulsora para desenvolvimento de tecnologia espacial. Ela esteve lá desde o começo do nosso pensamento abstrato, provocando a gente a pensar sobre o que existe fora do planeta.

Uma civilização que nunca teve esse incentivo brilhante poderia não se animar a desenvolver ciência e tecnologia espaciais. E como vemos no Sistema Solar, aparentemente luas desse tamanho nessa distância não são muito comuns. A Lua é tão grande em relação à Terra que na verdade nós dois orbitamos um centro comum de gravidade que não é no centro da Terra. Faltou pouco para chamarmos Terra e Lua de um sistema binário (como Plutão e Charon, por exemplo).

Todo esse argumento é altamente especulativo, é claro. É muito difícil provar algo do tipo, até porque até segunda ordem só temos um exemplo de civilização avançada no universo. Mas a gente pode explorar um pouco mais essa ideia da Lua como a semente do pensamento humano moderno através de algumas conclusões que ver esse outro objeto real distante fez com a nossa cabeça.

Primeiro que é uma lembrança constante que a Terra não é tudo. Se você quisesse tratar o Sol como apenas um ponto luminoso no céu criado para a gente, era bem fácil. Muitas culturas começaram a jornada pela espiritualidade usando o Sol como divindade. Mas a Lua tem algo de mundano com suas manchas e crateras. Sim, a humanidade criou mitos e mais mitos para o seu satélite, mas sempre teve algo sólido ali.

Perceber que está num objeto e que existem outros longe é uma forma de combater a ideia de universo criado apenas para nós. Não força ninguém a abandonar a ideia de deuses, é claro, mas coloca uma pulga atrás do orelha. Por que existe uma Lua? Por que ela parece um lugar como tantos outros? Tem mais coisa lá fora? Tem alguém lá? São coisas muito mais difíceis de pensar se você só tivesse uma estrela em destaque nos céus. Ou se suas luas fossem pequenas e distantes como basicamente todas as outras do Sistema Solar.

Só de ter uma noção sobre o tamanho do espaço e da não exclusividade da Terra como único “lugar”, já podemos extrapolar um monte de ideias supersticiosas e místicas nocivas. Cria escala, nos coloca em perspectiva. E com a repetição de fenômenos astronômicos, podemos começar a depreender que as regras que vemos aqui se replicam fora do planeta. Menos “deus fez isso” e mais “existe uma lógica nessa porcaria toda”.

A transição entre macaco muito esperto e pisar na Lua talvez não seja obrigatória do ponto de vista biológico, a natureza sozinha não faz planejamento e estabelece metas, a gente teve que começar a pensar de uma forma bem diferente do resto dos nossos companheiros de planeta para chegar aonde chegamos. A teoria (com t minúsculo) deste texto é baseada na ideia de que ver a Lua redonda no céu toda a noite pode ter sido o estímulo perfeito para fazer a gente ir além do puro utilitarismo de comer mais calorias e se reproduzir rápido.

Será que buscaríamos controlar o fogo se as nossas noites não fossem minimamente iluminadas pela Lua para demonstrar a viabilidade? Será que nos espalharíamos tanto pelo globo forçando diversificação genética (e resistência à extinção) se achássemos que o mundo fosse apenas a savana africana? Será que sonharíamos tão longe como sonhamos sem a ideia de que a Lua estava “logo ali”?

Muita gente fala sobre como a Lua influencia a humanidade, mas é sempre um papo estranho sobre crescimento de cabelo e mudanças de comportamento no dia de Lua cheia… eu realmente acho que ela fez muito mais do que essas coisas superficiais por nós. Ela mostrou o universo para a gente, e nunca mais conseguimos deixar de pensar nele.

Existem vários motivos pelos quais a Lua impacta na biologia terrestre, mas é bem possível que o salto dado pela humanidade tenha sido também influência lunar. Nunca é só uma coisa ou outra, mas é difícil presumir se alguma parte da nossa história pode ser tirada sem impactar o resultado. Podemos muito bem não ser a única espécie inteligente do universo, mas talvez sejamos uma muito sortuda por ter uma “meta espacial” diante dos nossos olhos todas as noites.

Para dizer que já sabe o que ler antes de dormir, para dizer que este texto foi pago pelos lobisomens illuminati, ou mesmo para dizer que eu vivo no mundo da Lua (ha): comente.

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espaço, evolução, humanidade, Lua

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