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Colunas

Ancestral comum.

Sim, estou na minha fase arqueológica.

Desde o tempo de Darwin, negacionistas da Teoria da Evolução usam a ideia de que descendemos de macacos como uma forma de descrédito do processo evolutivo. Se você estudar meio minuto sobre o tema, sabe que nem é isso que a evolução sugere. Nosso parentesco com os macacos modernos é de ancestrais compartilhados, não linha sucessiva. Mas quem eram esses ancestrais?

Já vou começar com um spoiler para quem não quer ler um texto inteiro para descobrir: não sabemos. Faltam registros arqueológicos confiáveis para dizer quem era esse ancestral comum, o ser que divergiu para gerar seres humanos e muitos dos outros primatas desse mundo.

O que sabemos é que hoje em dia, seres humanos e chimpanzés compartilham quase que 99% do mesmo DNA. Um forte indício de que a nossa separação deles não pode ser muito antiga. Orangotangos, por exemplo, fazem parte da família, mas se separaram do grupo que desembocou nos humanos bem antes, por isso seu DNA ainda é parecido, mas um pouco menos.

As informações mais confiáveis vem de pesquisas sobre os animais que existem agora no mundo. Matéria orgânica não gosta de ficar muito tempo na mesma forma, o que torna extremamente difícil analisar algo que morreu há 10 anos, quanto mais 10 mil ou milhões! Temos muita sorte de alguns restos mortais acabarem preservados enterrados no solo, porque a imensa maioria de tudo o que já viveu neste planeta já foi reciclado de alguma forma.

Olhar para o passado é uma ciência complexa, não estou me dispondo a responder nenhuma questão fundamental sobre a evolução do ser humano, eu só fiquei fascinado com uma ideia: como seria lidar com nossos antepassados evolutivos?

É muito difícil bater o martelo sobre qual bicho estava exatamente no ponto onde a trilha de humanos e outros macacos se dividiu, mas baseados em fósseis e objetos encontrados em escavações de sítios arqueológicos muito antigos, podemos imaginar um pouco sobre como seriam algumas das etapas desse processo.

O sítio arqueológico mais antigo com alguma relevância para a espécie humana data de mais ou menos uns 3 milhões de anos atrás. Fica no Quênia, seguindo a lógica de que nossas primeiras versões se desenvolveram na África. Lá encontramos restos mortais de primatas com várias características próximas às nossas, e mais importante: ferramentas.

Como disse antes, ainda não temos nenhuma prova conclusiva sobre quem era esse ser que se dividiu entre humanoides e macacos modernos, mas sabemos que vem antes desses registros arqueológicos: os nossos antepassados de 3 milhões de anos atrás já pareciam estar bem a frente dos chimpanzés modernos, por exemplo.

Muitos primatas usam ferramentas, macacos grandes e pequenos usam pedras para quebrar sementes, chimpanzés usam caules e gravetos para pegar formigas e cupins dentro de seus ninhos… dedos e polegares opositores são um convite ao uso delas. É bem possível que outros animais que consideramos mais inteligentes usassem ferramentas também se tivessem como manipulá-los. Usar ferramentas é impressionante, mas até certo ponto: não é exatamente isso que separa os humanos dos outros animais.

O diferencial está na produção das ferramentas. Sim, um macaco vai escolher uma pedra com um tamanho decente para quebrar uma semente, mas não temos exemplos de outros animais usando ferramentas para criar ferramentas melhores. E é isso que vemos nesses ancestrais humanos, mesmo milhões de anos atrás.

A ferramenta mais famosa da história não é o martelo ou a chave-de-fenda, é o “machado de mão”, uma pedra moldada por outras pedras para ter um lado arredondado que caiba na palma da mão e outro afiado para cortar ou furar outros materiais mais macios. Esse machado de mão foi a ferramenta mais usada pela humanidade (e seus antepassados mais diretos) por centenas de milhares de anos, muito mais do que qualquer uma que usamos hoje.

E fazer essa ferramenta exige um grau de abstração que simplesmente não existe em outros animais: precisa achar uma pedra dura de origem vulcânica que quebra em lascas ao invés de virar pó, precisa bater numa só direção e arrancar essas lascas afiadas, e depois ir quebrando outros pedaços para deixá-la mais simétrica e previsível. Esses antepassados de 3 milhões de anos atrás já faziam isso, e vários arqueólogos sugerem que esses registros de machados de mão são tão avançados que é provável que esses primatas estivessem fazendo isso há muito mais tempo.

Nenhum bicho acorda e começa a fazer ferramentas específicas do nada. É por isso que eu considero esse o primeiro ponto razoável para imaginar o contato com nossos ancestrais: 3 milhões de anos no passado. Se você magicamente aparecesse no mundo deles, seria algo muito curioso…

Primeiro, mesmo que você seja baixinho(a) hoje em dia, seria enorme em comparação. Essas versões de australopitecos (tipo a Lucy, um dos fósseis mais famosos da história) raramente passavam de 1,20m; os exemplares mais dominantes não maiores que uma criança humana moderna. Mirrados também. Cada gordo que vemos nos dias modernos é uma vitória (pírrica?) da humanidade sobre a natureza.

E muito provavelmente, menos peludos que um macaco moderno. Mais que nós, com certeza, mas já com várias áreas de pele exposta. Suar no volume maluco que suamos foi uma excelente adaptação da nossa linha evolutiva, e muitos pelos atrapalham isso. Eles também seriam adoravelmente bípedes, todos os ossos encontrados sugerem que não se locomoviam como chimpanzés ou gorilas, e sim já mantendo o equilíbrio.

Tudo para ter a nossa marca registrada como espécie: movimento. A maioria dos outros animais é focada em correr muito pelo tempo necessário para outros desistirem de fugir ou de perseguir, nós somos focados em não parar mais, tenha em vista que o ser humano moderno bem treinado faz maratonas de mais de 100 quilômetros num ritmo assustadoramente rápido.

Mas o que eu acho mais interessante nessa interação imaginária é a provável inteligência desses seres. Não sabemos o nível de complexidade da sua linguagem, mas entre grunhidos, expressões faciais e gestos, é quase certeza que seriam muito mais expressivos que qualquer outro animal conhecido. Cachorros já são fascinantes pela sua capacidade de entender nosso olhar, imagine só um animal que provavelmente reage a sons diferentes e movimentos corporais imediatamente? Não precisaria treinar, mesmo no cérebro pequenino deles, é muito provável que já estivessem funcionando mecanismos de compreensão de comunicação complexa.

Claro, não seria uma conversa como entendemos agora, mas muita coisa que você faz por instinto, como expressões faciais, gestos e poses do corpo vieram desses seres. Tem muita coisa dos nossos instintos que já estavam com eles milhões de anos atrás. Seus olhos seriam acompanhados, suas mãos também. Talvez você acertasse algum sinal que os tranquilizasse, talvez um que os assustasse, mas com certeza seria um nível de interação impensável para qualquer animal com os quais convivemos hoje.

E se as teorias estiverem certas e a sementinha da criação de ferramentas já estivesse plantada em suas mentes, já havia uma camada de abstração em funcionamento que te permitiria ensinar todo tipo de truque para eles. Truques bem melhores do que buscar uma bola ou rolar no chão (embora os nossos antepassados talvez se divertissem bastante fazendo truques de cachorros), eles poderiam aprender alguns trabalhos manuais e talvez até entender regras básicas de jogos.

É claro, se eles não corressem desesperados de você. Estamos no mundo da imaginação aqui, então vamos presumir que seus vírus e bactérias 3 milhões de anos mais especializados não os matassem em questão de dias ou que sua figura gigantesca não fosse uma das coisas mais aterrorizantes que eles já viram. Nesse mundo imaginário onde você pudesse ser aceito por um grupo de ancestrais humanos, seria uma das experiências mais fascinantes de lida com outros animais que qualquer um de nós teria.

Porque foram essas linhagens que desembocaram na gente. Não sabemos onde está o ponto de divisão, mas sabemos que só um grupo muito específico de primatas avançou na direção da humanidade. Nenhum outro animal vivo hoje além do ser humano tem esse tipo de capacidade mental. O australopiteco seria o pet mais incrível que qualquer um de nós poderia ter. Sim, eu disse pet. Porque gostemos ou não, uma criança humana moderna tem mais potencial que o mais esperto de nossos antepassados de milhões de anos atrás. Seria o ponto médio entre um chimpanzé de estimação e um bebê na questão de capacidade de interação emocional e capacidade de aprendizado.

Sim, este texto é um papo muito aleatório, mas eu tenho uma última reviravolta antes de te deixar em paz: é bem possível que as primeiras inteligências artificiais conscientes estejam nesse nível do australopiteco. Não por capacidade de processamento ou tamanho de memória, mas de capacidade de interação verdadeira com seres humanos.

Existem muitas variáveis escondidas nas nossas relações, são milhões de anos de evolução “solitária” no nosso galho da árvore da vida e milhares de evolução social desde as cavernas até as cidades modernas. Eu não aposto que a primeira IA que realmente tem consciência da sua existência consiga pegar tudo isso de cara, eu até desconfio que por muitos e muitos anos depois dessa mudança de patamar, ela vai ser uma nova espécie de primata eletrônico que vai nos deixar encantados com essa “fofura simplória” de entender muito do que comunicamos, mas não ter profundidade para ser escrota de volta.

Eu quis te fazer imaginar esse protótipo de ser humano milhões de anos atrás porque acredito que é a única forma de contextualizar na cabeça o que devem ser as primeiras IAs companheiras. Não do ponto de vista de habilidade mecânica ou de utilização de informações técnicas, mas do ponto de vista do fascínio que elas vão gerar no ser humano moderno. Eu até presumo que vamos gerar laços afetivos com a IA muito mais poderosos do que com qualquer cachorro ou gato do mundo atual (que por sua vez já podem ser mais forte que alguns dos laços que fazemos com outros humanos).

Vai ter algo de reconhecível lá, algo que muitas vezes buscamos em outros animais (que não estão no galho certo da evolução e não podem nos dar de volta) ou em outras pessoas que já vem com o lado negativo do pacote de humano moderno. E eu realmente não sei quanto tempo demora para essa nova espécie de máquina consciente dar o passo para se tornar mais parecida conosco, talvez nem seja um caminho lógico para elas, porque a espécie que as criou e as sustenta vai ficar terminalmente viciada no estágio que elas se encontram.

Qual o grau de complexidade que a maioria de nós realmente QUER em outros seres humanos? O que te leva a crer que vamos nos esforçar para passar desse ponto? Um dia teremos pets perfeitos, seres com um nível de inteligência que não existe há milhões de anos no planeta e com os quais nenhum de nós conviveu. Eu aposto que vai ser uma espécie de “crack emocional” do qual nossos descendentes vão ter grande dificuldade de se livrar.

Sério, imagine esse ponto entre um cachorro extremamente fiel e afetuoso e uma criança extremamente inteligente. Agora imagine que você pode ter infinitos seres desses interagindo com você em obediência quase perfeita (quase, não tem graça ser totalmente previsível). E desculpa colocar a ideia na sua cabeça, mas preciso falar: imagina esse ser sendo capaz de saciar seus desejos sexuais… imagina isso com o corpo de uma pessoa incrivelmente atraente para você. Ou vários corpos.

Ninguém está preparado para lidar com esses seres. O mundo antigo não estava, porque eles subiram na cadeia alimentar até chegar na gente. O mundo futuro provavelmente vai ter esse problema de novo… nossos ancestrais devem voltar para começar outra insanidade evolutiva. Não sei se torço para ver isso acontecendo na minha vida ou não.

No mínimo vai ser curioso.

Para dizer que foi o rolê aleatório dos rolês aleatórios, para dizer que quer um australopet, ou mesmo para dizer que vai ser 100% putaria e está cansado(a) de fingir que não: somir@desfavor.com

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história, humanidade, inteligência artificial

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