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Entre o bem e o mal.

Entre o bem e o mal.

| Desfavor | | 2 comentários em Entre o bem e o mal.

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Entre o bem e o mal.

Quando você toma uma atitude, você pensa se está fazendo algo bom ou ruim? Quantas vezes você lê o jornal ou assiste a televisão e tem a sensação de que a criminalidade e a violência estão aumentando? Será que a humanidade está realmente caminhando para um futuro de caos e incerteza? Será que a linha entre o bem e o mal está tão tênue a ponto de se romper? Ou será que estamos vendo apenas o que queremos ver? Afinal de contas, o ser humano em sua essência é bom ou mal? Perguntas que tem intrigado os filósofos há séculos e que até hoje ainda divide opiniões, principalmente em tempos em que as pessoas parecem se distanciar cada vez mais uma das outras, se fechando em suas próprias opiniões.

No Iluminismo, o filósofo Jean-Jacques Russeau defendeu a ideia do bom selvagem. Para ele, a essência do homem é boa, mas em constante julgamento da sociedade, o que acaba tornando-o uma criatura má. Nessa teoria, o homem passa por três estágios: o primeiro é seu estado natural, que é determinado pelos instintos e pela natureza; o segundo estágio é o do homem selvagem, que carrega conflitos morais e imperfeições; o terceiro é o homem civilizado, que é privado de seus interesses, de sua liberdade e de sua moral. Nesse processo, a bondade vai dando espaço a maldade, ao egoísmo e ao individualismo. Russeau percebeu que o contrato social seria a maneira de preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo tempo garantir seu bem-estar na sociedade. Diminuir a desigualdade social e instituir a justiça para todos como iguais seriam maneiras de preservar o bem comum, de preservar a bondade inerente das pessoas.

Já Thomas Hobbes caracterizou a natureza humana como egoísta e dominadora. Para ele o homem é o lobo do próprio homem e cabe ao Estado criar regras e limitações para conter essa natureza maligna. Seguindo esse pensamento, o ser humano não é um ser social pois seu impulso selvagem o leva à brutalidade, sendo que a única coisa que inibe essa violência é o controle do Estado e a ciência de que quebrar as normas de convivência acarretam em punições. Quando deixadas livres, ou quando percebem que as normas rompidas não sofrem nenhum tipo de punição, as pessoas pouco a pouco voltam ao seu estado primitivo que é a violência.

Mesmo sendo antagônicas, a opinião de ambos tem algo em comum: é a vida em sociedade que determina a essência do ser. Sobre isso podemos falar um pouco mais com a ajuda dos trabalhos do psicólogo Gustave Le Bon e do sociólogo Karl Marx, que estudaram como as multidões se comportam diante de uma determinada situação. Para Le Bon, as multidões se movimentam de forma irracional e ameaçadora. Para ele, não existe individualidade na multidão, já que todos se tornam uma massa com o único objetivo de desestabilizar a sociedade. Sendo assim, caberia ao poder destinado aos líderes a manutenção da ordem e do controle dessas massas. Já Karl Marx defendia que as massas eram organizadas e que surgiam como forma de protesto contra a opressão dos líderes de governo. Para ele, as multidões eram um acúmulo de interesses individuais que, quando juntos, se transformavam em uma potência como forma de resistência social.

Para quem estuda comunicação, a psicologia social é essencial para entender como as massas funcionam. Quando um publicitário lança uma campanha, ele espera que um determinado público-alvo seja atingido, mesmo que irracionalmente. O mesmo ocorre com os jornais, que dão mais destaque a determinados assuntos visando a vendagem de assinaturas e a conquista de parcerias econômicas. Dessa forma a publicidade e o jornalismo trabalham esperando uma reação em massa, em que cada vez mais pessoas são influenciadas a comprarem seus produtos ou notícias apenas porque outras pessoas fazem o mesmo. Porém, quando a publicidade ou a informação possuem a intenção de expor um problema social, a reação que se espera é a da massa potência, com pessoas saindo ás ruas exigindo mudanças ou respostas sobre um determinado assunto. Quando meios de comunicação ou líderes de governo utilizam esses tipos de tática de forma proposital, a multidão vira massa de manobra.

Por isso, se você ficar vendo um noticiário que só mostra violência, ou se conversar com pessoas que dão mais importância a esse tipo de notícia, começará a ter a sensação de que a violência e a desigualdade social estão crescendo desenfreadamente. O mesmo ocorrerá se você ficar vendo apenas vídeos motivacionais ou conversar apenas com pessoas mais esperançosas, te deixando com um pensamento mais positivo em relação aos tempos atuais. Independente de qual lado você estiver, é bem possível que nem o bem e nem o mal estejam imperando no mundo, já que ambos caminham conforme as pessoas se relacionam entre si. Claro que existem cidades e países mais violentos que outros, mas em um geral, a violência mundial tende a crescer apenas conforme cresce o número de habitantes no mundo. Porém, o mesmo ocorre com a bondade.

Pensar no bem e no mal como seres antagônicos e distintos se chama maniqueísmo. Presente em algumas filosofias religiosas, o maniqueísmo defende que o bem e o mal são forças absolutas, aonde há um não existe o outro. Esse pensamento religioso foi confrontado por Santo Agostinho, que defendia que as pessoas eram essencialmente boas por serem parte da Obra Divina, mas que podiam se corromper às tentações e ao pecado por terem o livre-arbítrio. Para o Santo, independente do caminho que tomamos, nossa alma continua sendo um elemento de bondade, que sofrerá a Justiça Divina conforme as decisões que tomamos.

No âmbito da psicanálise, a dualidade humana é mais complexa e foi estudada tanto por Sigmund Freud quanto por Carl Jung. Enquanto um definia a formação da personalidade a partir da libido, o outro defendia que a formação da personalidade é fruto da evolução e da hereditariedade. Para Freud, o eu é formado a partir de referências familiares e da frustração do desejo sexual. Já para Jung, a consciência é a parte central da personalidade, que também é definida pelo inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. E é nesse ponto do inconsciente coletivo que criamos os arquétipos, que são representações sem forma de uma possibilidade de ação e percepção.

Para Jung, são através dos arquétipos que criamos nosso heróis e vilões, mesmo que com poucas referências plausíveis para isso. Para entender melhor como isso funciona, imagine uma cena aonde você está andando à noite em uma rua escura. Na direção contrária vem um homem negro, vestindo roupas largas, com a mão no bolso e cara de poucos amigos. Essa cena te fará pensar que será assaltado e isso é o arquétipo entrando em ação, mas não significa necessariamente que você será assaltado ou que aquele cidadão é realmente um bandido. É um pré-conceito criado a partir do seu inconsciente, que ao resgatar referências prévias, traz ao consciente uma possibilidade do que pode acontecer.

Na psicologia junguiana, somos uma dualidade complexa de luz e sombras, tomando cada decisão conforme nossas próprias percepções conscientes, mas que são ativadas a partir de conceitos inconscientes das quais não temos controle. Dessa forma nem o bem nem o mal são absolutos, mas tons cinzentos de nossas próprias personalidades. Sendo assim, inúmeras variáveis irão determinar se vemos o copo meio cheio ou meio vazio. O mesmo vale se formos encarar o mundo a nossa volta com pessimismo ou com esperança. Tirando pessoas com sérios problemas mentais, ninguém é essencialmente mal. Tirando alguns supostos mestres religiosos que atingiram a plenitude, ninguém é essencialmente bom. Cabe a cada um de nós tomarmos nossas decisões, com o cuidado de que podemos estar enganando a nós mesmos por causa de nossos inconscientes. Cabe a cada um de nós escolhermos se vamos ficar entre o bem e o mal.

Por: Tender

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