Calma, calma…

Considerando que o Brasil recentemente foi declarado o país mais ansioso do mundo, a arte de acalmar pessoas é realmente útil nas nossas vidas. Mas Sally e Somir não entram em acordo na melhor estratégia para isso. Os impopulares respiram fundo…

Tema de hoje: qual a melhor forma de acalmar uma pessoa próxima muito nervosa?

SOMIR

Se importe, ou pelo menos finja que se importa. Fazer as coisas honestamente sempre traz resultados melhores, mas às vezes é difícil encontrar empatia verdadeira pelo nervosismo alheio. Nesses casos, o que nos resta é fazer um esforço para tentar entrar na mente do nervoso pelo tempo suficiente para saber o que fazer. O que não significa, é claro, que você vai ficar nervoso junto, é só uma questão de validar a pessoa o suficiente para reduzir a insegurança e oferecer uma ajuda mais racional depois.

Eu já tentei a via de ser calmo. Para mim, é bem simples até: com raras exceções, eu sou a pessoa mais calma em qualquer situação de crise ou estresse dentre as pessoas ao meu redor. Não que eu conviva só com gente dramática, mas é uma resposta mais natural para mim respirar fundo e pensar na situação de forma mais racional. Tem gente que se sente segura ficando agressiva na hora do aperto, tem gente que enxerga essa mesma segurança na frieza e no calculismo.

Por isso, já encontrei o problema na estratégia de demonstrar estabilidade e calma para uma pessoa nervosa: ela perde a conexão com você. Num mundo ideal eu adoraria concordar com a Sally, porque pessoas mais dadas à racionalidade e avessas ao sofrimento desnecessário realmente encontram vantagens em lidar com alguém mais calmo que elas. O problema, como sempre, é que o mundo não é ideal.

No mundo não ideal, a tendência é que enxerguem sua serenidade como desinteresse ou pior, condescendência. Mesmo que o cidadão médio sequer saiba o significado dessa palavra, a sensação é fácil de reconhecer e tende a incomodar bastante: somos geneticamente programados para nos sentir parte do grupo, encontrar espelhos do nosso estado emocional no outro acalma esse instinto primitivo de pertencimento e coloca o ser humano num estado mais útil: o de resolução de problemas.

Quando a pessoa sente que você está fazendo pouco do que ela sente, mesmo que você esteja se prontificando a ajudar, algo fica quebrado no processo. Eu juro que já tentei comunicar de forma fria e racional que entendo o sentimento da pessoa nervosa, e isso nunca deu resultados válidos. Nessa hora, palavras são só palavras. O medo primal do ser humano é muito mais antigo que nossa comunicação moderna. É impossível falar algo que resolva uma crise de pânico ou fobia, por exemplo. Normalmente você espera a tempestade emocional passar ou toma alguma atitude clara no campo da realidade para reduzir esse medo.

Nervosismo não é pânico ou fobia, mas bebe de uma fonte parecida: é o medo do que pode acontecer. É a mente presa no futuro, sem poder acessar os recursos do presente para se acalmar. Quando você consegue demonstrar empatia por aquele nervosismo, acessa o ponto temporal onde aquela pessoa está. Se você não for minimamente hábil, pode acabar preso ali com ela, mas já partimos do pressuposto aqui que você não está com o mesmo nervosismo que ela. Se você consegue buscá-la nesse “medo futuro”, consegue trazê-la para o presente depois.

Calma resolve muitos problemas, desde que eles possam ser resolvidos pela calma. Explico: é preciso encontrar o momento certo para exercer essa serenidade, e ele raramente está próximo de um ataque de nervosismo. Se você quer acalmar a pessoa, ela tem que ser trazida de volta para um momento de paz. E um dos maiores atalhos para se conectar com outra pessoa e projetar seu estado emocional é justamente gerar essa conexão através da empatia. Se você tenta entender e valida por um tempo o nervosismo da pessoa, você consegue criar essa ponte.

Empatia é uma via de mão dupla. Se a pessoa consegue projetar as emoções dela em você, você consegue fazer o caminho inverso. Se a pessoa está com medo, aceite que ela está com medo e não a faça se sentir idiota por isso. Sentimentos sem reflexo tendem a gerar mais insegurança e aumentar as defesas da pessoa. Primeiro você entende e conversa com ela na única língua que ela entende, depois que você adiciona novos verbos nessa troca. Uma pessoa com raiva não quer ouvir que a raiva dela é errada, uma pessoa triste não quer ter seu sentimento diminuído… essas pessoas querem validação externa para combater o medo primal de ficarem sozinhas. Nosso cérebro primitivo nos diz que quem não está em sintonia com o grupo é abandonado.

O animal mais perigoso é o animal acuado. Quando você gera um pouco de validação para essa pessoa nervosa, o sentimento de grupo volta o suficiente para ela buscar uma conexão, e é aí que você consegue projetar sua calma e racionalidade de volta. E por incrível que pareça, quando você simplesmente se mostra um porto seguro para uma pessoa nervosa, ela fica mais distante de você, porque você não é mais parte do grupo dela. É sobre não queimar etapas. Traga a pessoa de volta para perto, e só aí tente acalmá-la.

Sim, tem gente que fica nervosa pelos motivos mais ridículos e incoerentes possíveis, mas aí entra sua experiência e capacidade de escolher o ponto que vai usar como conexão. Às vezes basta entender a reação, e não a motivação. Escuta o que ela tem a dizer, mostre uma reação facial parecida, tome o time dela imediatamente e só depois traga o racional de volta para o jogo. A necessidade de conexão é tão primal para o ser humano que muita gente é manipulada a fazer coisas horríveis só com essa estratégia. Depois que você abre essa passagem para dentro da cabeça dela, você faz basicamente o que quiser.

Com grandes poderes… mas estamos falando de pessoas próximas e queridas que você quer acalmar. Se você vai entrar para ajudar, não tem nada de errado em simular essa empatia momentânea. Médicos tem que cortar pessoas para fazer cirurgias, nem sempre o processo pode ser limpo. Se você tem o firme propósito de fazer o bem acalmando uma pessoa nervosa, entre na cabeça dela por qualquer via disponível. Pessoas gostam de ser validadas, pessoas gostam de saber que outra pessoa entende o que elas sentem. Isso tira do caminho a maioria dos escudos, o que inclusive já acalma muito por si só. Nervosismo é uma espécie de medo do que não aconteceu ainda, é custoso para o organismo e faz mal. Quando você sabe que vai ter mais alguém no seu time antes de enfrentar um problema, é natural que se acalme naturalmente.

E para o cérebro primitivo, só alguém que está demonstrando sentimentos parecidos que pode ser considerado aliado. Eu adoro as palavras, mas infelizmente elas não têm esse poder todo…

Para dizer que eu vivo glorificando mentiras, para dizer ficou nervoso(a) por não saber usar essa estratégia, ou mesmo para dizer que a solução para tudo é tocar o foda-se: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a melhor forma de acalmar uma pessoa próxima que está muito nervosa?

Sei que pode até soar cruel para alguns de vocês, mas a melhor forma é não dando importância ao nervosismo da pessoa e se mantendo calmo.

Vou repetir: não dando importância AO NERVOSISMO da pessoa. Isso não significa não dar importância ao problema ou desmerecer o sofrimento do outro, significa não pilhar ainda mais esse estado nervoso que não resolve nada e ainda por cima atrapalha.

Nervosismo cega. Nos torna mais burros, mais propensos a fazer besteira, menos aptos a tomar boas decisões. Em algumas situações ele até pode ser um aliado. Em um incêndio, por exemplo, ficar nervoso é um bom negócio: seu corpo libera adrenalina, seus reflexos melhoram, sua força aumenta, seu fôlego quase que dobra. O corpo te prepara para fuga ou para a luta, para sobreviver.

Porém em situações do dia a dia que não implicam em risco iminente de vida, o ficar nervoso é apenas uma herança evolutiva de merda que só atrapalha. O melhor que podemos fazer por alguém que está muito nervoso é tentar tirá-lo desse estado. E se você tem amor aos seus dentes, deve saber que nunca se pede para que uma pessoa nervosa fique calma, isso só piora a situação.

Se não dá para pedir calma, então como retirar a pessoa desse estado nocivo que só a prejudica? Não dando dimensão a esse nervoso. Seja o exemplo, se mantenha calmo, não caia no nervosismo da pessoa nem o valide, caso contrário ela ficará mais tempo nesse estado.

Quando aprendi a adestrar cães uma das primeiras lições foi: não pegue seu cão no colo quando ele estiver assustado com fogos ou barulhos altos, pois isso valida o medo do cão. O cão escuta um barulho, se assusta e logo vem alguém para protegê-lo, então ele pensa: “nossa, o perigo é real, essa pessoa que é a chefe da matilha correu para me proteger, devo sempre ter muito medo desta ameaça”.

Não dizendo que humanos são emocionalmente equiparáveis a cães, foi apenas uma analogia para tentar trazer as coisas para o campo do concreto. Se uma pessoa está com o discernimento turvado em um estado nervoso e você reforça isso dando a entender de qualquer forma que é justificável que ela fique assim, o nervoso se instaura com mais força, graças ao seu aval.

Eu sei que nosso primeiro instinto com pessoas queridas é tentar levar conforto a qualquer preço, pois é muito ruim ver quem a gente gosta sofrer. Porém, quando tem alguém fora de si, a maior prova de amor que você pode dar para a pessoa é ser uma rocha, um porto seguro, um guia para o que é verdadeiro. Simular empatia (ou qualquer outra coisa) não ajuda, aliás, no geral, fingir sentir algo que você não sente, mentir ou enganar não ajudam nunca.

É cientificamente comprovado que nosso estado emocional influencia as pessoas que estão próximas. Há inúmeros relatos de nervosismo que se espalhou até virar uma histeria em massa, retroalimentando o sentimento até que ele sai do controle. Esse papo de fingir sentimento como forma de mostrar para a pessoa que ela não está sozinha é furada: se o lugar onde ela está é ruim, tem que tirar ela de lá e não se juntar ou fingir se juntar a ela.

Muitas vezes não é preciso dizer sequer uma palavra. Façam o teste e entenderão o que eu estou falando. Quando diante de uma pessoa nervosa, se mantenham centrados. Olhem nos olhos e apenas sustentem seu bom estado da mente. Aos poucos a pessoa vai desacelerando, vai acalmando, vai vendo que você está em um lugar de verdade, em um lugar que é muito melhor. Funciona inclusive com crianças: quando uma criança birrenta começar a gritar, apenas olhe para ela e se mantenha equilibrado.

Vale mais para a pessoa ter um guia para tirá-la do buraco em que ela está do que companhia para validar o buraco em que ela se meteu. Talvez você não acredite nisso, mas uma pessoa com a mente em um bom lugar ajuda a puxar as pessoas que estão com a mente em um lugar ruim para esse bom lugar. Eu me recuso a tratar a pessoa com pena, simulando algo como conforto para ela. Ela tem total capacidade, ela pode e deve sair desse estado e eu vou fazer a minha parte para tirá-la de lá o quanto antes.

Não tem dessa de “tadinho, está nervoso”. Somos todos adultos, responsáveis pela nossa realidade. Ninguém é tadinho, não existem vítimas. Não vou reforçar um comportamento que eu acredito ser nocivo para a pessoa. Todo mundo tem condições de sair desse estado ruim e assim serão tratados.

Vale lembrar que para isso não precisa ser grosseiro com a pessoa nem desmerecer seu sofrimento. Basta se mostrar calmo, tranquilo, e esperar algum tipo de espelhamento. Basta conversar civilizadamente, sem pena, trazendo a pessoa para um lugar de mais serenidade, oferecendo soluções ou pontos de vista que o nervosismo a está impedindo de ver. Às vezes, basta um simples abraço em silêncio para tirar a pessoa desse estado.

Não precisa seguir minha escolha desde um lugar de falta de empatia. Minha escolha é empática. Você pode dizer que ama a pessoa e assegurar que vai ficar tudo bem. Você pode fazer isso desde o lugar mais afetuoso que conseguir, não está nas palavras, está na postura, está do lugar desde onde se fala: manter a calma e não dar importância ao nervoso que a pessoa está sentindo, porém, dando muita importância à pessoa e ao que ela está sentindo.

Para que algo seja importante ou relevante não é necessário que venha acompanhado de nervosismo. A única coisa que você vai tentar remover da equação é o nervoso. O que quer que aconteça, salvo em casos de catástrofes com risco de morte iminente, será mais bem resolvido por uma mente calma.

Se uma pessoa nervosa vê alguém em quem ela confia ficar igualmente nervosa, ela terá a percepção, ainda que inconsciente, de que sim, há motivos para ficar assim e será mais difícil que saia desse estado depois de receber essa validação. Não seja a pessoa que valida esse estado. Seja a luz que guia essa pessoa para um lugar melhor.

Para dizer que você faz um chilique maior ainda para obrigar a pessoa a se acalmar e ser a voz da razão, para dizer que seu emocional é um lixo e você fica nervoso junto ou ainda para dizer que gosta de ver o circo pegar fogo e pergunta “tá mais calminha?”: sally@desfavor.com

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