Infiltrada no puteiro.

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Infiltrada no puteiro

Prostíbulo, bordel, casa de entretenimento adulto ou, simplesmente, puteiro. Muitas mulheres tem curiosidade em saber como é um dos mais controversos ambientes frequentados pelo público masculino, além da sauna e do jogo semanal de futebol. Tive a experiência de conhecer um destes lugares e vou compartilhá-la com vocês.

O fato aconteceu há mais de uma década quando a equipe do trabalho estava reunida após o expediente para comemorar o término de um projeto. Uma das mulheres comentou que tinha curiosidade em saber como era um puteiro. Um dos homens, frequentador assíduo de um determinado estabelecimento na cidade, animou-se com a possibilidade de ser nosso anfitrião em um programa (sem trocadilho) inusitado, e se ofereceu para nos levar até lá. Aceitamos após algum tempo debatendo a proposta, e assim começou uma série de experiências antropológicas.

Para facilitar a narrativa, usarei um codinome para o colega que assumiu a frente desta empreitada e que foi o principal personagem em boa parte das situações da noite. Por motivos de preguiça, seu codinome será Beija-Flor. Fatos interessantes sobre ele: truculento, arrogante, exibicionista, egocêntrico e na época tinha uma namorada que atualmente é sua esposa e mãe de seus filhos.

Chegamos ao estabelecimento que, naquele tempo, era considerado o mais “classudo” da cidade. Existe até hoje, mas não sei se continua com o mesmo status ou se foi desbancado de sua posição por outro empreendimento. Na entrada, um obstáculo: o porteiro do puteiro. Não sei se ele tem um cargo mais elegante, como o maître de um restaurante, mas a rima é boa demais para não usá-la. Carrancudo, proibiu a entrada das mulheres do grupo com a justificativa de que poderíamos encontrar o marido de uma amiga e fazer um escândalo. Embora não fosse nosso objetivo, achei a postura dele coerente e precavida. Pontos pelo profissionalismo.

Neste momento, um fato curioso aconteceu. Beija-Flor começou a conversar com o funcionário com uma voz suave como eu nunca havia visto conversar nem com o gerente da empresa, de forma paciente, humilde e em um processo gentil de explicações sobre o fato de nós, as mulheres, sermos muito tranquilas, de estarmos apenas curiosas sobre o lugar, de que ele tinha certeza de que tudo correria de forma serena e outras justificativas mais. Era engraçado ver aquele homem corpulento olhando para baixo em um diálogo submisso com o baixinho careca e de bigode vestindo um terno. Se todos têm um calcanhar de Aquiles, havíamos descoberto qual era o do Beija-Flor.

Após algum tempo de negociações o porteiro do puteiro, muito a contragosto, deixou-nos entrar, não sem antes dizer que estaria o tempo todo de olho em nós – ou melhor, “de olho nelas”, já que ele falava apenas com o Beija-Flor e se dirigia à parte feminina do grupo apenas para nos direcionar olhares muito desconfiados. Não sei se ele foi vencido pelo cansaço, se rolou camaradagem ou então alguma propina muito discreta.

A entrada era cheia de tapetes enormes e muito bregas, e a sensação de andar sobre eles foi estranha, como se estivesse indo a um casamento nos anos 80. Achei que alguém vestido de branco jogaria um Campari em mim. O local era como uma casa noturna, com um grande pista onde estavam espalhadas pequenas mesas sem cadeiras. Ao redor das paredes havia uma estrutura parecida com uma arquibancada, na qual era possível sentar. Três pequenos palcos completavam o local, dispostos um em cada parede, formando um triângulo imaginário. A casa estava praticamente lotada.

Paramos ao lado de um dos palcos, na parte alta que permitia sentar e oferecia uma boa visão do lugar como um todo. O porteiro do puteiro não deixou sua promessa morrer e, com uma certa frequência, aparecia próximo à entrada com cara de poucos amigos e avaliava se nosso comportamento estava sendo adequado. Pontos pela persistência.

Na pista, havia muitas mulheres atendendo a todos os gostos e poderes aquisitivos. Barangas, lindíssimas, gordinhas, modeletes, roupa brega, roupa mais arrumada, mas o que era comum a todas era o estereótipo de muita maquiagem, pouco tecido e bastante corpo exposto. Pela reputação do lugar, achei que encontraria apenas mulheres bem cuidadas cobrando valores exorbitantes, mas Beija-Flor explicou que havia uma grande diversidade de oferta para atender a diversos públicos.

Conhecemos, também, o modus operandi do local. As mulheres circulavam e, se não fossem abordadas por ninguém, dirigiam-se a algum possível cliente e puxavam assunto. Se o cidadão oferecesse a elas uma bebida, isso era um bom indício de que poderia estar interessado em dar continuidade a algo mais rentável. Se não houvesse a iniciativa, as mulheres pediam que ele lhes pagasse uma bebida. Se o homem recusasse ou se fizesse de sonso elas deduziam que era pão-duro e não perdiam tempo tentando investir, voltando a circular em busca de novos possíveis clientes. Caso o match acontecesse, havia duas possibilidades de logística: pagar um dos quartos que ficavam em uma área reservada na casa, ou ir a um motel ou qualquer outro lugar solicitado pelo cliente. Não lembro de detalhes referente ao comissionamento do dono do estabelecimento nesta transação.

Observei que as moças tomavam uma bebida gaseificada sabor limão que era muito consumida pelas mulheres nas danceterias no final dos anos 90, início dos anos 2000, mas não naquele período. Achei curiosamente vintage. Questionei ao Beija-Flor qual o motivo de toda aquela ladainha com bebida – já que todos estavam ali para pagar por mulher, por que não iam direto ao assunto? Ele explicou que as mulheres eram orientadas pelo proprietário a fazer os clientes consumirem o máximo possível de bebida, que gerava boa parte do lucro. Curiosa, perguntei o preço de uma cerveja e da ice que as mulheres bebiam. Era absurdamente mais caro do que o valor dos mesmos produtos em um bar ou danceteria – que, por sua vez, já é bem mais alto do que o valor de supermercado. Tive um ataque de riso quando ele disse que muitos homens iam lá com frequência só para beber uma cerveja com amigos, sem contratar os serviços de prostituição. Imagino que a cerveja tenha um sabor especial quando você paga o equivalente a um rim por ela.

Nos já citados três palcos acontecia um revezamento de apresentações de striptease. No palco ao lado de onde estávamos, uma jovem e bonita mulher começou a performar. As mulheres do nosso grupo começaram a avaliar a coreografia, a delicadeza ao retirar as peças de roupa e a graça dos movimentos. Devido à proximidade pude observar que ela tinha uma cicatriz aparente de cesárea próxima a virilha. Isso me causou uma grande tristeza e pensei na criança em casa, possivelmente aos cuidados da avó, enquanto a mãe estava ganhando dinheiro tirando a roupa para desconhecidos. Aí está o verdadeiro significado da expressão “filho da puta”. Fui tirada desse devaneio pelos olhares de dois rapazes que estavam em frente ao palco, mas com os rostos em nossa direção, visivelmente confusos. Ainda sob o efeito da lembrança amarga do filho da puta apontei para a mulher, indicando com um grito (o volume da música era alto para se fazer ouvir) que o show era ali. Eles viraram um pouco constrangidos. Nem minhas próprias cicatrizes me mobilizaram tanto.

Perguntei ao Beija-Flor sobre o outro tipo de dança que acontecia no lugar, pois vi que às vezes alguma mulher subia em uma das mesas na pista para dançar, mas sem tirar a roupa. Ele explicou que os homens podiam pagar por danças privadas e, com os olhos brilhando, disse que ia contratar uma para que pudéssemos ver como era. Fiquei bastante confusa com o conceito de “privada”. O homem pagava cinquenta reais para uma mulher subir em uma mesa e dançar sensualmente para ele por alguns minutos, olhando nos seus olhos, fingindo que ele era “o cara”, enquanto os demais que não pagaram nada se amontoavam ao seu redor para desfrutar gratuitamente da exibição. Não faz sentido para mim, mas o que fazia sentido lá?

Houve também um momento muito estranho no qual um tiozão meio alcoolizado tentou iniciar um diálogo comigo, mesmo eu estando vestida dos pés à cabeça (era uma noite muito fria), sem beber e destoando totalmente do dress code do lugar. Cortei a conversa, explicando que eu não era puta. Desconfiado, perguntou o que eu estava fazendo no lugar. Recorri à velha desculpa das solteiras quando não querem ser importunadas por homens insistentes de que estava lá com meu namorado. Ele não acreditou e se tornou mais invasivo. Saí dali e o primeiro conhecido que encontrei foi Beija-Flor. Na minha inocência da época, pedi a ele que ficasse conversando comigo porque outro homem estava me importunando. Beija-Flor encarnou o namorado fake ofendido e quis partir para a briga. Assustada e irritada, falei para ele parar com aquilo. Hoje sei que não havia motivo para preocupação, pois não havia por perto uma turma do “deixa disso” para que ele pudesse dizer coisas como “me segura que eu vou quebrar a cara dele” enquanto segurava o braço de um amigo.

Depois de algum tempo, resolvemos ir embora. O porteiro do puteiro, ao nos ver saindo, fez uma expressão de alívio que me fez simpatizar com ele. Às vezes, tudo o que você não precisa é de uma mulher barraqueira no seu turno de trabalho. Contagiadas pelo clima de diversão, agradecemos a ele efusivamente pela oportunidade, elogiando o bom gosto da decoração do local e, principalmente, a elegância dos tapetes. Mais ou menos como quando uma mãe orgulhosa nos mostra um bebê feio, e ficamos sem saber o que fazer e começamos a mentir exageradamente sobre a beleza da criança. Ele abriu um grande sorriso, agradeceu transbordando simpatia e sequer parecia o mesmo homem que queria barrar nossa entrada. Foi uma decisão arriscada, isto é fato. Pontos pela ousadia.

Minha grande frustração naquela noite foi não ter encontrado nenhum conhecido para chegar sorrateiramente dando um tapinha em suas costas e, quando ele virasse, gritar feito o Sergio Mallandro: “Rá! Te peguei no puteeeiro, bem na véspera do meu encontro com a (nome aleatório da namorada/noiva/esposa)!”. Talvez tenha sido melhor assim. Vai que o SAMU não chegasse a tempo para tratar o ataque cardíaco?

Por: Morgana

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Comments (17)

  • Muito decente esse puteiro, comparado ao que já ouvi de bailes funk. É bem pior do que isso, não consigo nem imaginar…

  • O porteiro do puteiro estava certo. Vocês não são de confiança. Nem as putas curtem quando as amadoras invadem o seu ambiente de trabalho.

  • Felícia, antigamente no Rio de Janeiro existia um lugar mais ou menos nessa vibe chamada clube das mulheres. No happy hour, as mulheres entravam de graça (acho) e viam o show dos goo goo boys, depois de um certo horário os homens podiam entrar, assim a casa funcionava como uma boîte normal. Tudo num nível muito elevado e ótimo gosto.

    Apesar de achar que as putas possuem um papel social importante, acho, ao mesmo tempo, degradante a profissão. Sei lá, sexo é uma coisa tão íntima para fazer com qualquer um, eu não consigo entender como homens casados conseguem levar uma vida dupla. É demais para a minha cabecinha. Alguém me explica essa lógica, por favor?

    • Consequência de uma sociedade que dá mais valor a alguns minutos de prazer sem compromisso do que a um relacionamento sério e fiel.
      Teve um caso assim na minha família. O sujeito, parente meu, era casado há quase 10 anos e tinha 2 filhos. Um dia resolveu trair com alguma putinha por aí… resultado: a mulher pediu divórcio, mudou de cidade, ele voltou a morar com os pais e está se enrolando todo pra pagar a pensão e ainda levando sermão dos pais. Tudo isso por uma gozadinha numa noite.

    • Eu tenho a impressão/hipótese, pelo que já ouvi por aí, não necessariamente por pessoas conhecidas, de que homem gosta dessa coisa de mistério e esconder e tal, e toda essa adrenalina envolvida, até porque “dá mais tesão”.

      Outra coisa que muito já ouvi por aí também é que “puta é mais prático” porque às vezes o cara só quer chegar em casa depois de um dia estressante de trabalho, meter, dar uma gozadinha e pronto, sem encher o saco. Enquanto que, se chegar em casa, tem que ouvir ladainha da mulher e dos filhos e daí se estressa mais ainda…

    • Fui em dois eventos com strippers masculinos, ambos lamentáveis. Em um deles, após as apresentações, os caras se vestiram normalmente e foram bater papo com a mulherada da plateia. A intenção era encontrar clientes para estender a noite fazendo programas e faturar mais.

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