Mensagens.

“Perigo. Não enviar mais.

2021. A limitada banda de transmissão da Voyager 2 foi tomada por uma mensagem em 55 línguas diferentes, todas gravadas pela mesma voz grave e metálica. Na maioria dos casos, a curta frase continha erros gramaticais severos ou falhas de transmissão, mas a partir das versões em Coreano, Urdu e Latim, as mais claras e corretas, os pesquisadores foram capazes de identificar o padrão.

Meses antes, a Voyager 1 deixou de transmitir. Não havia sinais de problemas no reator nuclear em comunicações anteriores, muito menos de defeitos nos equipamentos. A transmissão simplesmente não chegou na hora esperada, e nunca mais depois disso. Logo após a mensagem gravada, a Voyager 2 teve o mesmo destino. Silêncio total. A diferença entre os dois casos foi a publicidade: no caso da primeira, a NASA fez um comunicado oficial agradecendo pelos serviços da valente sonda espacial, e por alguns dias, pessoas do mundo todo fizeram uma bonita homenagem nas redes sociais. Já no segundo evento, a escolha da agência espacial foi bem diferente.

O exército foi envolvido imediatamente, e sua primeira ordem foi a de falsificar o relatório de contato da Voyager 2, mantendo o caso em segredo. O que, francamente, é compreensível. Uma mensagem dessas seria combustível para todo tipo de conspiração e pânico. Ainda havia uma dúvida honesta se a gravação constituía nosso primeiro contato com alienígenas ou se não passava de uma complexa armação. Embora existisse um considerável grau de certeza nos contatos entre as sondas e a Terra, não era impossível que alguém tivesse tomado o sinal e colocado algo em seu lugar.

O problema é que na sanha de identificar um sinal estranho, a NASA já havia chamado linguistas e especialistas em decodificação de áudio antes de receber a ordem de manter tudo em segredo. Cada um dos participantes do esforço inicial de identificação da mensagem assinou um contrato de confidencialidade com sérias penalidades em caso de quebra, mas algo dessa magnitude vai além do senso de preservação de muita gente. Mesmo sem nenhuma prova material, a teoria de conspiração achou seu caminho até fóruns especializados e redes sociais, onde começou a ganhar mais e mais seguidores.

O caráter conspiratório da história ainda permitia um certo grau de segurança para as autoridades envolvidas, para cada pessoa repetindo a história da mensagem de perigo recebida do espaço, dez apontavam as inconsistências sem precisar de nenhum incentivo. Isso deu tempo para a formação de uma força-tarefa entre americanos, europeus e asiáticos para identificar a veracidade da mensagem. E por várias semanas eles trabalharam tentando encontrar possíveis culpados por falsificarem a transmissão, sem sucesso. Não só o processo técnico de enganar a NASA e esconder o sinal verdadeiro da Voyager 2 parecia complexo demais, como o trabalho de gravar em 55 línguas, as mesmas do disco dourado, mesmo com os erros, parecia exagerado para uma mera pegadinha.

Somado a isso, o fato de que depois de dois meses, nenhum dos áudios tinha vazado. Se alguém tivesse tido todo esse trabalho, com certeza já teria liberado algumas das gravações para ver algum fruto do seu estratagema. A conspiração na internet começava a enfraquecer, ficando cada vez mais restrita a ufólogos e notórios paranoicos. Dois meses depois disso, a NASA decide parar de forjar os dados da Voyager 2 e dá-la como inoperante. A reação popular não foi tão emocional como no primeiro caso, mas ainda gerou algumas notícias.

E por vários anos, o assunto foi enterrado nos arquivos militares. De tempos em tempos surgiam mais alguns depoimentos anônimos revelando detalhes sobre a operação, mas nunca perdendo o status de teoria conspiratória. A decisão dos líderes daquele tempo foi de não mudar em nada os planos de exploração espacial. Com o passar dos mandatos, as mensagens da Voyager 2 deixaram até de ser comunicadas para os presidentes e primeiros-ministros dos países que sabiam delas. Os próximos objetos que alcançaram o espaço interestelar foram as sondas Pioneer 10 e 11, alguns anos depois, mas ambas estavam inativas há décadas quando fizeram a travessia. A próxima com capacidade de enviar dados de volta seria a New Horizons.

E no final de 2037, dezesseis anos após a mensagem da Voyager 2, a New Horizons finalmente alcança espaço interestelar. A NASA-X, já privatizada naquele tempo, não tinha em seus arquivos o acontecido em 2021, muito menos as pessoas que tinham presenciado o fato. Por isso não foi capaz de identificar motivos de preocupação ao enviar para toda a internet sua nova descoberta: uma enorme área escura desconhecida no horizonte cósmico, previamente desconhecida. A empresa mencionou, responsavelmente, que poderia ser apenas uma falha na captação de imagens da New Horizons, já que seus equipamentos passaram há décadas do prazo de validade.

Mesmo sem confirmação, a região ganhou um nome não-oficial: o vazio de LACX, uma piada com um evento cultural da época que deixou de ser realizado. Astrônomos disputaram a imagem, mencionando que um vazio desse tamanho teria sido notado há séculos. Mas, mais importante, que as estrelas ao redor do vazio não faziam sentido algum de acordo com o posicionamento da câmera alegado pela NASA-X. Por alguns meses, a versão oficial foi a de que a câmera estava realmente defeituosa.

Mas aí chega uma nova imagem, na janela de transmissão seguinte: as estrelas fora de posição se mantiveram consistentes, mas o vazio aumentou consideravelmente. Os milhares de astrônomos – profissionais e amadores – que analisaram a imagem chegaram a um novo consenso: se a câmera não estava com defeito, o vazio estava aumentando numa velocidade muito maior que a da luz. Algo em torno de mil vezes. Logo após a segunda imagem, uma intervenção governamental toma controle dos dados da NASA-X em relação à New Horizons, baseada numa cláusula praticamente esquecida do contrato de privatização que permitia a ação no caso específico de sondas lançadas nos tempos de agência pública.

Saxon Musk, presidente da NASA-X, vem a público denunciar o fato, o que reascende todas as conspirações espaciais existentes na internet. Especialmente a das mensagens da Voyager 2. Em menos de 48 horas, os áudios originais vazam, nas 55 línguas. Estudiosos do mundo todo demoram pouco tempo para decodificá-las e chegar na mesma conclusão dos pesquisadores originais. O governo nega a veracidade delas, mas não há mais volta. A notícia atinge todas as mídias da época, digitais ou analógicas. Um movimento mundial acontece pedindo a liberação de todos os dados, tanto da antiga NASA quanto de inúmeras outras agências espaciais, públicas e particulares. Com o sucesso deles, descobrimos que a New Horizons também enviara uma última mensagem antes de terminar suas transmissões abruptamente.

“Nós protegemos vocês. Vocês escolheram se mostrar. Preparem-se para lutar. Vamos embora.”

As próximas sondas trouxeram informações sobre o Véu, o limite da nossa ilusão sobre o universo. Não sabemos quem fez isso, mas no limite do nosso sistema solar existe uma linha na qual todo o espaço muda. Como se houvesse uma bolha projetando um falso universo para nós na Terra. Nosso entendimento é que fomos escondidos do resto do universo, não temos certeza do motivo. Talvez o vazio de LACX seja a resposta, agora que ocupa praticamente metade do espaço capturado por nossas câmeras.

Nós somos os primeiros a estar aqui no limite atravessado pelas Voyagers há mais de um século e finalmente trazer informações confiáveis sobre o que há depois do Véu. Não sabemos o que vamos encontrar, mas vamos encontrar em poucos minutos. Eu estou velho demais para ajudar caso precisemos mesmo lutar, mas vocês nasceram e foram criados nesta nave militar para ser a primeira linha de defesa da humanidade. Não se esqueçam que bilhões dependem de vocês. Peço perdão por ter mantido a natureza de nossa missão em segredo até agora, mas eram minhas ordens.

Boa sorte, e que Deus esteja conosco.”

Para dizer que pelo menos essa assume que não termina, para dizer que isso cria mais problemas que resolve, ou mesmo para dizer que Star Trek fez melhor: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (3)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: