Memória genética.

Durante muito tempo se pensou nos genes como um depósito de informações relacionadas a características físicas: eram eles que determinavam a cor dos seus olhos, sua altura ou a cor dos seus cabelos. Hoje, acredita-se que os genes possam responsáveis por muito mais do que isso, sendo capazes até de armazenar memórias, sentimentos e informações ligadas a vivências de antepassados Desfavor Explica: Memória Genética.

Simplificando de forma bem grosseira, um gene é uma molécula que carrega informações sobre um ser vivo. Um conjunto de genes em sequência forma o DNA. É como se o DNA fosse um colar e os genes fossem as contas. Como o DNA é um colar enorme (se o DNA de uma única célula humana pudesse ser esticado em linha reta, teria dois metros de comprimento), ele precisa ser compactado dentro das células, enrolado dentro de uma estrutura chamada Cromossomo.

Cada célula humana tem cerca de 25.000 genes. Uma célula usa seus genes conforme sua necessidade: pode ativar os genes que precisa no momento certo e desativar outros genes quando não precisa. Todas as células do corpo (exceto óvulo e espermatozoide) contêm os mesmos genes, mas elas se diferenciam justamente pelos genes que escolhem ativar ou desativar: é assim que uma célula torna-se especializada, virando uma célula muscular e não uma célula óssea, por exemplo.

Alguns genes ficam ativos o tempo todo para produzir as proteínas necessárias para as funções básicas da célula. Outros são desligados quando terminam sua função, podendo reiniciar sua atividade, se necessário, posteriormente. Ainda não controlamos bem como esse mecanismo acontece e não conhecemos todo seu potencial. E é justamente daí que surge o tema do texto: pode ser que muitas dessas funções, inclusive as que estão desligadas, sejam herdadas e não aprendidas por nosso organismo. Seria a chamada Memória Genética.

Memória Genética, explicada brevemente, são habilidades complexas e conhecimento sofisticado que nunca nos foram ensinados, eles estão ali apenas porque foram herdados. Isso vai de encontro com a antiga ideia de que o cérebro nasce como uma tela em branco e vamos adquirindo as informações que nos são ensinadas durante a vida. Parece que nossos genes trazem muitas informações pré-programadas, aprendidas por nossos antepassados e fixadas em seu DNA.

Ao que tudo indica, já nascemos com uma bagagem de informação enorme, por mais que nem sempre consigamos acessá-la. Temos um banco de dados de todas as experiências relevantes de nossos antepassados em algum lugar, só não sabemos bem como ativá-lo, e às vezes ele se ativa sozinho, causando espanto em todos. Pessoas que nunca aprenderam determinada atividade complexa passam a desempenhá-la com maestria, pessoas que nunca vivenciaram um trauma tem um sistema de segurança contra o evento… são muitas as evidências da Memória Genética.

Isso muda tudo e deveria fazer com que repensemos o sistema de ensino e até a forma como pais criam seus filhos em casa, para estimular de forma eficiente todas as potencialidades desde pequenos. Se ficar provado que nossos genes têm memória e que herdamos o aprendizado de nossos antepassados, é possível ajudar crianças a desenvolver potenciais que seu DNA herdou, talvez criando humaninhos bem acima da média.

A ideia de Memória Genética não é nova. Carl Jung utilizou o termo “inconsciente coletivo” para definir essas informações herdadas, intuições e sabedoria coletiva do passado. O conceito de Jung, apesar de impreciso, é o uma das primeiras referencias sobre o assunto: a ideia de que seres humanos herdam ideias, experiências e sentimentos de seus ancestrais e sequer se dão conta de onde vem este conteúdo, ele apenas está lá, e geralmente morre inexplorado.

No reino animal isso não é incomum: animais migram para locais aos quais nunca foram ensinados a ir, por exemplo. Só que a gente chama isso de “instinto”. Pouco importa o nome que se dê, para animais ou para humanos, o fato é que cada vez mais se demonstra que existe uma Memória Genética, que temos aptidões, conhecimentos e capacidades herdadas e muitas vezes adormecidas, que podem ser ativadas por alguns eventos randômicos que não controlamos – ainda.

Experimentos recentes comprovam a teoria de que, além de certas aptidões, emoções dos pais podem ser passadas para seus filhos pelo DNA. Um deles mostrou que ratos treinados para evitar o cheiro da flor de cerejeira passam a aversão ao cheiro da planta para seus netos. Foi realizado da seguinte forma: ratos eram submetidos a choques cada vez que entravam em contato com o cheiro e, obviamente, ficaram traumatizados. Cada vez que esses ratos sentiam esse cheiro, passaram a sentir medo, estresse, pavor.

Posteriormente, os filhotes desses ratos (separados dos pais, portanto, sem qualquer influência da reação deles) que nunca levaram um choque na vida, foram submetidos ao cheiro da flor de cerejeira. A reação? O mesmo medo, estresse e pavor, mesmo sem nunca terem sofrido qualquer consequência negativa relacionada com este odor. Mais: descendentes desses ratos (filhos e filhos dos filhos) também reagiram com medo quando expostos ao odor.

Não dá para falar em “instinto”, pois o cheiro dessa flor nunca foi nocivo para ratos. Foi um aprendizado, uma memória emocional, um trauma, que ficou gravada no DNA dos pais e passou para os filhos e, posteriormente para os netos.

Segundo o estudo, a primeira geração de ratos, a que levava o choque quando exposta ao odor, apresentou uma mudança química e estrutural na área responsável pela detecção de odores em seu cérebro. O corpo “gravou” de forma física que o odor era perigoso. Não estamos falando de uma memória abstrata, houve uma modificação na estrutura cerebral.

Por sua vez, o cérebro de seus filhotes (e dos filhotes dos seus filhotes) veio “de fábrica” já com esta alteração no cérebro: odor de flor de cerejeira é perigoso. Qualquer outro rato no mundo nasceria com o cérebro no “formato padrão”, mas os filhotes de pais traumatizados nascem com um cérebro estruturalmente diferente.

Como essa alteração se deu? Pelos genes dos pais, que geraram os filhotes. Não foi necessário vivenciar a experiência, ela foi passada através dos genes dos pais. Segundo os pesquisadores, ocorreram mudanças no cérebro E no DNA dos animais. O resultado da transmissão da fobia/medo de geração para geração aconteceu pela programação do DNA, que se alterou para apresentar aos filhotes os traumas vivenciados por seus antecessores.

Ou seja… a transmissão biológica de memórias é possível e provavelmente é um mecanismo para aumentar as chances de sobrevivência da prole, que não precisará passar por todos os riscos, perigos e situações nocivas que seus pais passaram para aprender a evitá-las. Diversas experiências foram realizadas com outros animais, e em todas se observou a memória genética, em alguns casos, durando até 14 gerações.

Então, quando várias pessoas da mesma família tem medo de uma mesma coisa, isso pode estar escrito no DNA, e não ser resultado de observação, como até então se supunha. Sim, medos e fobias podem ser herdados geneticamente. Dá para bater o martelo? Não dá, pois são pesquisas muito recentes (essa dos ratinhos, por exemplo, é de 2013!). Mas tudo converge para a constatação de que nosso DNA armazena emoções de alguma forma.

Isso é visível em seres humanos. Não se pode realizar esse tipo de experimento por questões éticas, mas, ainda assim, a memória genética pode ser observada em certas situações. Existem inúmeros casos de humanos que demonstram habilidades repentinas, muito acima da média, em áreas como música, arte ou matemática, por exemplo. Habilidades que vem de berço ou que permaneciam dormentes até serem liberadas por algum evento externo como uma lesão cerebral, libertando a capacidade latente que elas continham.

Um dos casos mais famosos de “habilidade que vem de berço” é o de Thomas Wiggins, vendido em meio a um “lote” de pessoas como escravo. Por ser cego, ele não poderia desempenhar as atividades braçais que se esperavam dele. Chegaram até a cogitar mata-lo. Mas, para surpresa de todos, aos cinco anos de idade, quando teve acesso a um piano, ele sentou e compôs sua primeira música, sem que nunca ninguém tenha lhe ensinado nada. Acabou se tornando um dos pianistas mais conhecidos de seu tempo.

Por óbvio ninguém lhe ensinou nada. Além de ser um escravo, portanto, alguém que não teria acesso a esse tipo de informação, ele era cego e muito pequeno para compreender a complexidade musical da qual desfrutava. Isso veio com ele de fábrica, estava, de alguma forma, armazenado em seus genes e bastou um pequeno estímulo externo para fazer todo o download de sua capacidade musical.

Um caso de habilidade que permaneceu latente até a interferência de um evento externo é o de Alonzo Clemmons. Depois de sofrer uma lesão na cabeça, ele começou a esculpir com uma rapidez e precisão fora do comum, tornando-se um conhecido escultor, capaz de moldar com perfeição qualquer animal em uma hora ou menos posicionando cada músculo e tendão perfeitamente, mesmo tendo visto o modelo apenas uma única vez. Ele não teve nenhum treinamento formal, apenas uma pancada na cabeça que, supostamente, trouxe à tona uma habilidade que estava latente.

O que normalmente se explicava como “reencarnação” de alguém com estas habilidades hoje pode ser explicado pela Memória Genética. Se nossos genes armazenam emoções e aptidões dos nossos antepassados, um ancestral algumas gerações atrás com exímia habilidade musical ou para artes pode ter compilado isso em seu DNA e passado adiante. Pode ter ficado latente por muitas gerações, até que se mostrou ativo em uma delas. Não deixa de ser uma forma de “reencarnação”, sem toda aquela alegoria-baboseira da doutrina espírita: você está pegando a experiência acumulada de uma pessoa que já não está mais entre nós.

Falando sobre emoções, medos e traumas, também há fortes indícios que eles sejam gravados no DNA humano, assim como foram gravados no DNA de ratos. Uma equipe de pesquisadores comparou a composição genética de um grupo de 32 homens e mulheres judeus com a composição genética de seus filhos. O grupo de estudo tinha vivido em um campo de concentração e sofrido com o regime nazista. Essa informação foi comparada com a de outras famílias judias que não tinham vivido na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.

A conclusão é que os filhos das famílias que foram vítimas diretas são mais propensos a sofrer problemas ligados ao estresse. Você pode pensar que crianças criadas por pais estressados tem mais propensão ao estresse, portanto, seria ambiental, ou que escutar essa história horrível os deixou assim. Porém, para a professora de psiquiatria e neurociência e líder do projeto de pesquisa afirma que as mudanças genéticas nessas crianças foram herdadas dos pais. A explicação é bem complexa, mas vamos tentar simplificar.

Quando os genes mudam pela influência do ambiente (traumas vivenciados pela pessoa, aprendizados vivenciados pela pessoa, etc), esta mudança ocorre mediante uma “etiqueta química” (papo técnico: epigenoma) que adere ao DNA e funciona como um interruptor: modifica os genes, ativando-os ou silenciando-os. Porém, no caso da memória genética, estas “etiquetas químicas” são diferentes, é como se fossem “etiquetas externas” de outra pessoa, coladas no DNA dos filhos. Apesar de cumprirem a mesma função, se sabe que vieram de lugares diferentes, provavelmente do DNA de seus pais.

Aceitar que a Memória Genética de fato existe e que temos as emoções, os medos, as experiências dos nossos antepassados no nosso DNA é algo muito interessante, que pode ser bastante explorado pela humanidade. Mas, pode mudar toda nossa forma de pensar e levantar uma série de questões éticas.

O que você é hoje não é apenas você, é você + uma enorme bagagem dos seus ancestrais. Isso pode ser determinante para entender alguns comportamentos, resolver fobias e até para se conhecer melhor. Corrigir algumas coisas ou desenvolver outras pode ser muito difícil quando você acredita que é tudo “seu”, pois a origem de problemas “herdados” será desconhecida. Talvez com a nova perspectiva de que muito do que você sente é herdado, se torne mais fácil entender a mente humana.

E se, para tratar a mente, um trauma ou as potencialidades de uma pessoa se buscassem as respostas não apenas na pessoa, mas em seus antepassados também? Não sei se alguma área da psicologia já faz esse tipo de trabalho, mas acredito que valeria uma tentativa.

E bebês modificados geneticamente? Até então achávamos estar mexendo apenas em características físicas, coisas como cor da pele ou dos olhos, mas agora pode ser que estejamos apagando ou reescrevendo a história familiar gravada em seu DNA. Seria ético fazer isso? Seria justo privar um ser humano de tanta bagagem acumulada?

Outro questionamento é: se armazenamos nossas emoções no nosso DNA, será que existe uma separação entre corpo e alma? Se nossas memórias, vivências e sentimentos estão escritos no nosso sistema nervoso, nas nossas células, se de fato fica tudo arquivado fisicamente, faz sentido falar em mente ou em espírito?

Muitas perguntas, para as quais ninguém tem resposta – ainda. Sugiro que comecem a pensar nisso, pois a tendência é que com o tempo estas discussões se tornem cada vez mais necessárias. E, se eventualmente julgarem necessário, tentem entender a origem de certos sentimentos, traumas, medos, emoções ou aptidões olhando para o passado da sua família, pode ser que a resposta esteja lá.

Para dizer que agora vai botar a culpa de todos os seus defeitos em seus antepassados, para dizer que suas células tem Alzheimer ou ainda para dizer que é do tempo do fax e que não consegue mais acompanhar as novas descobertas científicas: sally@desfavor.com

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Comments (6)

  • Caramba, as perguntas que fecham o texto realmente são de dar nó na cabeça. Em pensar que a humanidade, não fossem as tais questões éticas, estaria a um passo disso, a um passo da modificação genética pra curar enfermidades e mesmo medos, fobias, memórias…

  • A conveniência de ter um filho com a aparência da moda ou com propensão a certas habilidades selecionadas pelos pais vai superar essa discussão.

    • Se isso for deixado a critério dos pais sim. Mas antes isso vai passar por um filtro do Poder Público. Talvez não no Brasil, mas em alguns países do mundo com certeza.

  • Leane Lorguetie

    Desde criança eu sinto muita tristeza ao ouvir barulho de trem na madrugada, comentei com minhas irmãs isso um dia e elas disseram sentir o mesmo. Depois descobri que minha bisavó morreu em um acidente de trem, minha avó era adolescente e estava junto com ela, mas sobreviveu, apenas ficou em coma um pequeno tempo pois algo acertou sua cabeça.

    • Leane, essa explicação te trouxe alguma paz ou conforto? Normalmente as pessoas se sentem melhor quando conseguem entender de onde vem seus sentimentos.

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