Paraíso.

O primeiro teste com a Zero destruiu um quarteirão inteiro. Transformou um cubo metálico de uns 10 centímetros em energia pura. O inventor, sua família e seus vizinhos vaporizados instantaneamente. Infelizmente, todo o processo de desenvolvimento estava documentado. Nada que exigisse materiais exóticos ou tecnologia secreta, embora não fosse trivial de construir. A tragédia estava só começando.

Zero é uma máquina capaz de transformar os glúons que seguram os quarks unidos em um catalizador para energia de vácuo, ou, energia de ponto zero. Sei que os termos podem ser meio confusos para a maioria de vocês, mas essa é a explicação técnica da coisa. Na prática, qualquer coisa que é colocada dentro do campo de ação da Zero explode de forma catastrófica. Não é e nunca foi algo seguro.

Quando pensamos na Era Elevada, estamos falando do resultado direto da utilização da Zero e a quantidade praticamente infinita que ela nos permitia. Qualquer concentração de massa servia como um combustível praticamente inesgotável. Até mesmo as áreas mais vazias do cosmo continham energia potencial suficiente para alimentar nossas criações.

A história que nos contam do tempo em que a humanidade esteve à beira da extinção por causa da Zero é mais complicada do que isso. Sim, perdemos países inteiros por causa de ataques terroristas com bombas de Zero, mas isso também nos empurrou para o espaço. Antes da tecnologia, o custo de mandar uma pessoa para a Lua já era proibitivo. Milhares de pessoas trabalhando e bilhões em custos.

Quando uma nave não maior que um dos carros da antiguidade podia acelerar numa velocidade de quase 20% da luz por semanas com apenas um punhado de terra, fomos colonizar o sistema solar, e depois disso, até mesmo outras estrelas. Na Terra, depois de alguns anos de medo constante, a maioria das pessoas entendeu que era necessário controlar o acesso a basicamente tudo o que poderia ser usado para construir bombas com essa tecnologia. Abrimos mão de muitas liberdades, mas ao mesmo tempo, energia basicamente infinita nos deu várias oportunidades de desenvolvimento, mesmo que sob vigilância constante.

A maioria das pessoas que não tolerava esse grau de controle sobre a vida cotidiana acabou se mudando para colônias e habitats longe da órbita terrestre. Algumas prosperaram, outras acabaram em explosões gigantes. Liberdade tem um custo. De uma forma ou de outra, o Sistema Solar encontrou um ponto de equilíbrio, tenso, mas suficientemente previsível. Terra e colônias tinham total capacidade de aniquilar umas às outras, e por um tempo isso foi suficiente.

Até, é claro, o evento de Júpiter. Ao tentar atingir a camada de hidrogênio líquido nas camadas inferiores do gigante gasoso, uma das colônias iniciou uma reação em cadeia com o Zero que acabou numa explosão tão incrivelmente energética ao ponto de cegar pessoas vivendo na Terra. Metade da atmosfera do planeta natal da humanidade foi expulsa em questão de minutos. Ao redor do Sistema Solar, os casos de envenenamento por radiação e câncer aumentaram exponencialmente.

Sim, a explosão foi grave. Sim, estivemos próximos de não conseguir nos recuperar, mas não foi isso o que nos colocou onde estamos hoje. Há muito tempo atrás existia uma expressão chamada “Cisne Negro”, que é algo que pega todo mundo de surpresa, mas se você parar para pensar, ia acontecer uma hora ou outra. Nós somos o Cisne Negro da galáxia.

Nossa civilização desenvolveu uma tecnologia que nenhuma outra tinha desenvolvido. Descobrimos algumas décadas depois, ainda reconstruindo o Sistema Solar depois da explosão de Júpiter, que não estávamos sozinhos no universo. Não foi apenas uma civilização alienígena que veio nos contactar naquele tempo, foram todas as capazes desse feito. Hoje vemos nossos captores como um grupo único, mas por trás das máquinas e dos capuzes, eles são vários. Nossa engenhosidade destrutiva uniu uma galáxia toda na certeza de que precisávamos ser contidos.

E o trabalho que esses alienígenas tiveram não foi pequeno. Mesmo cambaleante pela catástrofe jupiteriana, ainda tínhamos em mãos uma arma tão incrivelmente poderosa que até mesmo civilizações capazes de viajar pelo espaço não tinham resposta suficiente. Eles tinham números, inteligências avançadas e tudo mais para controlar qualquer povo, mas nós tínhamos um botão mágico que explodia qualquer coisa que quiséssemos.

Não se animem, nós perderíamos a guerra de qualquer jeito. O problema para os invasores era o custo de nos eliminar. Ou a humanidade era exterminada e levava consigo metade da galáxia, ou entraríamos em algum acordo. Só estamos aqui porque seguimos pela segunda via. Nascemos, vivemos e morremos neste “paraíso” porque foi o que pedimos em troca de abandonar a maior parte da nossa tecnologia. Muitas das palavras que eu uso te parecem estranhas porque seus professores, desde que você era muito pequeno, foram obrigados a deixar isso de fora do currículo.

Até que esquecemos, como espécie, da maioria das coisas que nos fizeram desenvolver a Zero para começo de conversa. Sim, faz sentido você achar o mundo no qual vive estranho, por mais belo e pacífico que seja. Essa não é a nossa realidade base, é uma prisão muito bonita criada para proteger o universo de nós. A nossa tecnologia ainda é usada, inclusive para alimentar nossos equipamentos elétricos. Mas quem a controla é um grupo de seres que se dizem superiores.

Essa não é a sua vida, essa é a sua pós-vida. Seus antepassados trocaram sua liberdade pelo lugar onde você vive agora. Mas não todos. Alguns se esconderam, viajaram para muito longe. Eles finalmente nos encontraram. É por isso que nossos líderes andam tão estranhos. Lá fora o universo está sendo destruído por gente que quer nos libertar. Não sei se eles vão conseguir vencer todas as barreiras que nos protegem, mas eu sei que mais uma vez a galáxia tem que decidir o que fazer com os humanos.

E provavelmente já estão se arrependendo de não nos ter eliminado da primeira vez. Talvez a única forma de desmoralizar os outros humanos que tentam nos alcançar seja acabar com o objetivo deles. Acabar conosco. Impossível dizer se somos os heróis ou vilões dessa história, mas nosso destino está em jogo. Nossos antepassados criaram o Zero, e decidiram, sem perceber, todo o nosso futuro.

Enquanto você lê esta mensagem, os povos que nos controlam estão decidindo o que fazer conosco. Eu não estou otimista com a decisão que vão tomar. Nem um pouco. Por isso, eu usei o conhecimento que me foi passado por aqueles que estão lá fora para sabotar a usina de energia Zero que alimenta nosso planeta de confinamento.

Se eles tentarem nos eliminar, vamos eliminar todos eles ao mesmo tempo. Não sei se é justo, mas é a nossa natureza. Seja como for, eu queria que vocês soubessem a verdade. Nos vemos nessa ou na próxima vida.

Para dizer que vai ser mais rápido e estúpido do que isso, para dizer que entendeu Zero sobre o texto, ou mesmo para dizer que até o paraíso o ser humano estraga: somir@desfavor.com

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Comments (6)

  • Somir, este seu texto de hoje daria um ótimo filme de ficção científica! Um do tipo que, mais do que somente especular sobre tecnolgias ainda não criadas e possibilidades de futuro, também faria refletir – e muito – sobre a condição humana. Seria o Homo Sapiens a erva daninha do Universo? Por isso, eu lhe sugiro que desenvolva um roteiro a partir deste conto e o apresente a algum conhecido seu que trabalhe com produções audiovisuais, especialmente cinema, mesmo que amador. Sei que o que eu disse agora pode parecer maluquice, mas muitas das melhores ideias que o mundo já viu também foram inicialmente consideradas apenas loucura. E tais ideias surgem na cabeça de gente que pensa “fora da caixa”. Como você.

    • Agradeço o incentivo. Infelizmente ideias interessantes não são o suficiente para partir para uma produção audiovisual. A espetacular série de livros Revelation Space do Alastair Reynolds está lá no topo da ficção científica junto com Aasimov, Clarke e afins, mas nunca sequer foi considerada para um filme ou série.

      Mas, numa nota mais esperançosa, eu estou começando a me planejar para usar IA para ilustrar algumas das histórias que eu gostaria de contar e usar um canal de YouTube para narrar. Infelizmente preciso melhorar minha pronúncia em inglês, porque em português vai ser impossível ter mais do que 10 visualizações… hahahaha.

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