Como ganhar uma eleição no Brasil.

Seguindo uma sugestão de longa data do W.O.J., hoje eu explico o que um candidato precisa fazer para ter uma campanha de sucesso no Brasil, versão sincerona.

1. Seja um candidato viável:

Antes de qualquer coisa, é importante colocar na cabeça que eleições são concursos de popularidade. Propostas e ideologia até contam, mas estão muito subordinadas à capacidade do candidato ou candidata de gerar confiança e/ou simpatia nos eleitores. Não estamos falando de ter uma votação decente aqui, estamos falando de vitória.

Você é um candidato viável se já começa a eleição minimamente conhecido na região onde estão seus eleitores potenciais. Se o cargo desejado for de vereador, é importante ser famoso pelo menos no seu bairro. Se for presidente, você precisa de pelo menos algumas aparições na TV aberta antes de começar a campanha (o que pode mudar nas próximas décadas para uma presença online de destaque).

O ciclo eleitoral ficou muito curto nos últimos anos, não dá mais tempo de começar a campanha como um ilustre desconhecido e tirar a vantagem depois. Mas não para por aí: um erro comum é achar que só isso resolve.


2. Não tenha muita rejeição:

Apesar do que os lacradores vão querer te dizer, Hitler não seria eleito numa eleição nacional, mesmo que seja uma das pessoas mais conhecidas da história. O ser humano tem muito mais certeza sobre o que não gosta do que sobre o que gosta. É uma mecânica do funcionamento da nossa mente que provavelmente teve muita utilidade desde o tempo das cavernas.

Você sabe explicar bem porque não gosta de alguma coisa, mas normalmente fica meio travado para explicar porque gosta de outra. Candidatos vivem e morrem por essa forma de pensar tão comum entre as pessoas. E só tem rejeição quem já é minimamente conhecido. Está em segundo lugar porque é impossível não ter nenhuma rejeição se muita gente sabe quem você é, mas existe um limite “saudável” nessa conta.

É muito mais fácil gerar alguma simpatia em quem está te conhecendo do que tirar a imagem ruim que já está lá. Mesmo que seja algo totalmente irracional da pessoa, é muito difícil mesmo virar esse tipo de opinião. Rejeição é voto perdido que não volta mais, e pior, que influencia votos próximos daquela pessoa.

A solução é ser uma pessoa honesta que não se mete em confusões? Claro que não. O presidente que não me deixa mentir. A solução é ser mais ou menos neutro para boa parte da população. Quando o candidato consegue estabelecer um ponto chave sobre sua imagem e deixar o resto para ser idealizado pelos outros, vence a dificuldade da rejeição: as pessoas colam no candidato o que acham positivo para racionalizar um voto, ele merecendo ou não. Não é à toa que político costuma ser tão escorregadio na hora de defender ou rejeitar uma ideia. Quem se posiciona sobre tudo acumula mais e mais rejeição. Bolsonaro foi um candidato sem propostas reais para quase todas as áreas do governo, então, as pessoas presumiram o que queriam nele.

Combater rejeição não é sobre fazer as coisas direito, é sobre influenciar as ilusões dos eleitores sobre você. Quanto menos área para a pessoa colar as preferências dela, menor sua chance de conseguir o voto.


3. Não seja um candidato patético:

O brasileiro médio pode não ter muita noção do que configura uma boa plataforma de propostas, mas sente o cheiro de um perdedor de longe. No tópico anterior, já eliminamos aquela gente perdida que aparece por 2 segundos na propaganda política com dificuldades de ler o próprio número para a câmera, mas vai além disso.

Mesmo que você já seja conhecido por uma parcela considerável das pessoas que podem votar em você, há uma certa postura que se espera do candidato. Eu sei que o Tiririca foi eleito e que todo ano alguma subcelebridade dá um jeito de ficar entre os mais votados, mas se você for analisar a quantidade que tenta a cada ano, vai começar a notar que não basta ter um nome e um rosto famosos.

A postura do candidato conta, e seu histórico também: não adianta ser conhecido se você parece alguém com vergonha de estar fazendo campanha política, ou pior, se parece um completo imbecil sem a menor noção do que está fazendo. De forma alguma estou dizendo que competência é o fator determinante, mas sim que você pelo menos tem que demonstrar que pertence naquele ambiente.

As pessoas acreditam em quem acredita em si. Frase feita, mas que funciona na vida real. O Alexandre Frota é famoso por comer travestis em filmes pornôs, mas botou banca de macho-alfa numa eleição em que o brasileiro médio estava disposto a eleger candidatos agressivos. Naquele contexto, funcionou. O Tiririca fez uma campanha assumindo que era uma piada num eleição o brasileiro médio estava querendo sacanear o governo. Não tem muito a ver com suas propostas, tem a ver com entrar no papel desejado pelo povão e agir de acordo.

Um candidato ridículo nem sempre é patético, desde que tenha confiança no que está fazendo. Candidato que demonstra fraqueza não vence nem eleição para síndico. Não é sobre ser mais preparado, é sobre projetar uma imagem forte. Não adianta ser famoso se não conseguir passar a ideia que sabe o que está fazendo, mesmo que na verdade não saiba.


4. Tenha recursos:

Os orçamentos de campanha diminuíram muito de uma década pra cá. A internet mudou a lógica das campanhas, e a legislação mudou de acordo gerando várias limitações. Mas isso não quer dizer que elas ficaram baratas. Ainda há uma estrutura por trás de uma campanha que vai muito além de imprimir dez milhões de santinhos para poluir a cidade toda.

A pessoa que se candidata precisa de um mínimo de colaboradores na parte administrativa da campanha, mesmo quando tenta ser vereadora. Percebam que eu escrevi recursos, não necessariamente dinheiro. É possível que com um grupo dedicado de amigos e fãs, um político consiga alcançar essa massa crítica de suporte para o cargo que deseja, especialmente no caso de vereadores ou de prefeitos de cidades bem pequenas.

Tempo é dinheiro: ou você tem gente que vai doar o tempo da vida delas para sua campanha, ou você tem como pagar por isso. O que se economiza hoje com impressão de material de campanha precisa ser compensado com uma presença decente nas redes sociais. A parte financeira e jurídica precisa ser cuidada por profissionais com alguma experiência, quase todos os cabos eleitorais de rua são pagos de alguma forma, mesmo que seja uma nota de vinte reais e um sanduíche. Aquela gente que chacoalha bandeira na rua sempre recebe por isso.

Percebam que isso entrou em quarto lugar na sequência: não basta ter milhões para torrar, como pudemos ver na eleição passada. O candidato com mais dinheiro, Henrique Meirelles, foi trucidado pela campanha muito mais barata de Bolsonaro. Mas, muito mais barata apenas considerando o quanto de dinheiro saiu do bolso do candidato e do seu partido, porque se você for contar as horas de trabalho dos seus defensores nas redes sociais e a publicidade grátis que suas polêmicas geravam na grande mídia, o valor final da campanha de Bolsonaro foi muito maior. A facada, então… pelo menos uns 100 milhões de reais em publicidade.

Campanha sem recursos é campanha que não vai a lugar nenhum. E como só jogar dinheiro no problema não o resolve mais, muitos candidatos aproveitam a polarização política para gerar mais recursos: quanto mais o povão estiver mobilizado contra um inimigo comum, mais trabalha de graça.


?. Tenha um esquema:

É muito importante fazer parte da cena política da região da eleição. É a forma mais simples de formar alianças e evitar ser considerado um pária.

E nem precisa ser esquema de corrupção. O esquema que eu falo aqui é um conjunto de valores que você é capaz de agregar para pessoas que já detém poder. Você pode ter todos os pontos anteriores ao seu favor, mas se o prospecto da sua eleição parecer danoso para as pessoas que controlam a região, pode apostar que sua campanha vai ser sabotada em todas as etapas.

Partidos são agrupamentos de pessoas com projetos de poder minimamente compatíveis. Mesmo que de tempos em tempos essas pessoas briguem e diferentes grupos se revezem no poder, há sempre uma linha guia do que é aceitável ou não. Se a sua candidatura não parece trazer nenhuma vantagem para os políticos já estabelecidos na área, é solenemente ignorada. E aí, seus recursos vão perdendo força: existe um número finito de profissionais de campanhas políticas que podem ser dissuadidos de participar da sua. Pode ser algo complexo como não ter acesso ao endosso de um político já estabelecido ou pode ser banal como ter que pagar o dobro para ter um carro de som.

Pior: se a sua eleição for um risco para o partido, ela pode ser ativamente atacada por quem em tese deveria ser aliado. Um departamento financeiro infiltrado pode te fazer ficar inelegível na hora de prestar contas. Um jurídico malicioso pode acabar com sua campanha antes mesmo do dia da eleição. E, como estamos no Brasil, não é nada fora do comum um atentado contra a vida do candidato.

Isso vai além do partido ou de candidatos rivais de outros partidos: empresas com interesses nas regiões afetadas pelo seu cargo podem fazer a mesma coisa. Podem dar um jeito de financiar seu adversário ou qualquer outra baixaria legal ou ilegal para te parar. Candidatos vivem falando de combater a corrupção, mas raramente citam nomes. Um inimigo poderoso pode ser o suficiente para te derrubar em eleições menores.

Estar num esquema não significa necessariamente fazer um acordo ilegal antes de ser eleito, mas significa deixar claro que vai fazer sua parte para manter o status quo, apertando todo tipo de mão durante o pleito, não importa quão sujas estejam essas mãos. Se o candidato vai trair essa ideia depois, é outro problema.

É impossível se eleger no Brasil apontando o dedo para todos os bandidos que infestam o sistema. Até porque uma parcela considerável da população trabalha para ou depende desses bandidos. A ilegalidade é parte integrante da economia nacional. O cargo público eletivo depende de algum grau de leniência ou cooperação com esquemas ilegais, e com raras exceções, são pessoas com exatamente esse perfil que chegam com condições de vitória no dia da eleição.

E não precisa ser algo óbvio como os candidatos do tráfico em São Paulo ou os candidatos da milícia no Rio de Janeiro, pode ser algo mais sutil como dar vantagens para empresas regionais mesmo que isso impacte negativamente o serviço público. O esquema é parte do sistema, e dificilmente entra no sistema quem não vai contribuir com isso.

Esse ponto está diretamente relacionado com todos os outros, por isso não tem número definido. Pode ser definido antes de tudo, como no caso de alguém que tem seus estudos financiados pelo crime organizado, ou pode ser um acordo durante a campanha, trazendo “confiança” para as elites locais ao participar de eventos. E se você não vai ter esquema nenhum, só consegue ser viável se for um candidato-piada, focado no voto de protesto. Alguns ganham, mas não é um mecanismo confiável para conquistar poder.


Conclusão: eu não falei nenhuma vez sobre as propostas do candidato. Esse é o sistema político brasileiro.

Para dizer que vai seguir essas dicas para a próxima eleição, para dizer que reconheceu os candidatos que vão ganhar na sua cidade, ou mesmo para dizer que ainda bem que a multa por não votar é baixa: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • A multa é baixa e este ano não tem multa. Só entrar no app na parte de justificar e marcar corona vírus. Corona virou desculpa pra tudo, eu vou aproveitar.

  • Eleição no Brasil é a melhor do mu do, cara! Aqui tem fraude e o resultado sai no mesmo dia. Olha lá nos EUA só porque teve fraude vão ficar 1 mês recontando. Pior que se demorar muito o Biden pode morrer! Ele já tá caindo aos pedaços, vão ter que pilotar a carcaça dele estilo Um morto muito louco no dia da posse! Votem nele no bolão de mortes do Desfavor :)

  • Nem precisa saber falar, só precisa que a mídia dê uma boa cobertura. Lula tinha falas iguais ao Bolsonaro, mas ele tinha a mídia a favor dele.
    Aliás, eu fiquei com a ilusão besta de que a mídia tava perdendo o poder por causa do whatsapp e outros meios independentes mas eles estão com mais poder do que nunca, quando eu desço pro refeitório só escuto esses papos, de que Lula foi melhor, estupro culposo e a mais nova é a que o Trump quer dar golpe. E nem tem a ver com poder aquisitivo ou nível de instrução, tem gente de todo tipo onde eu trabalho.

    O mundo pertence aos NPCs.

  • No Brasil, ser eleito é muito mais uma questão de se conseguir projetar uma imagem que agrade pessoas que em geral não tem idéia do que realmente as agrada e de fazer os “acordos certos” com “as pessoas certas” para viabilizar uma campanha. E nem sequer é preciso ter boas propostas; ou qualquer proposta…

  • Qualquer ditadura daria certo no Brasil, desde que os evangélicos pudessem continuar sua vida e desde que o povão pudesse continuar tendo carnaval, som alto e putaria.
    É só isso que eles ligam, tendo emprego e entretenimento no final de semana, eles aceitam até falar chinês, apanhar da polícia, não ter direito a porra nenhuma. Basta ver a vida do favelado comum, é feito de escravo do dono do morro, seja traficante ou miliciano, vive num chiqueiro, passa metade da vida descalço e com pouca roupa, não tem aspiração alguma – e mesmo assim são felizes, fumam o baseadinho, tomam a cervejinha e transam bastante. São macacos melhorados.

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