Não custa nada…

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), informou na tarde de hoje que o Réveillon terá queima de fogos em dez pontos da cidade, inclusive na Praia de Copacabana. Sem shows ao vivo, serão 16 minutos de fogos em dez balsas e 25 torres de “som mecânico” no bairro da zona sul carioca. “As aglomerações não estão proibidas na cidade do Rio de Janeiro. Vai haver aglomeração no Réveillon” – Eduardo Paes, prefeito do Rio. LINK


Os políticos brasileiros estão aprendendo que podem pagar pra ver, porque o povo não vai cobrar mesmo. Desfavor da Semana.

SALLY

Tem infinitas escolhas e posturas e serem criticadas durante a pandemia, parece que as pessoas estão se esforçando para mostrar o seu pior. Na nossa linha de tentar trazer ao debate aquilo que não vem sendo falado, resolvemos abordar uma ideia que vem ganhando força e que entendemos ser muito nociva para a sociedade: a ideia de que assumir o risco é uma estratégia válida.

Desde que qualquer legislação minimamente evoluída foi implementada, a regra é clara: você pode assumir o risco quando se trata de você mesmo, e apenas você. Quando o risco no qual você deseja se colocar afeta outras pessoas (ou a sociedade como um todo), há travas legais que te impedem se assumir esse risco. E nunca ninguém contestou isso com esse discurso furado de “minha liberdade” ou “regulação estatal”, não entendo como, do nada, gente sem raciocínio tirou essa excrescência do cu em pleno 2021.

Um exemplo: se você quer beber até cair dentro da sua casa, você fica à vontade, que ninguém vai te incomodar. Você pode inclusive beber até a morte, que a lei não te proíbe, é uma escolha exclusivamente sua. Porém, se você resolve beber muito e dirigir, a lei te proíbe, pois você coloca em risco a vida alheia.

E eu não vejo ninguém criticando isso alegando que está “perdendo a liberdade” ou que o Estado está “te controlando”. É assim que funcionam as leis desde a Roma Antiga: regras que nos impõe limites para que não matemos uns aos outros. Se pode causar danos ou matar o outro, não cabe discurso de “liberdade”, pois o direito à vida se sobrepõe ao seu direito à liberdade. Não hoje, mas desde séculos atrás. Sempre foi assim, não tem nada novo acontecendo, a não ser esse enorme erro de cognição de quem critica qualquer limite. Geração mimadinha dá nisso: não suporta um “não” nem do Estado.

E não ser tolerado assumir o risco também vale para o Poder Público. Vamos supor que há um alerta de tsunami. Não é uma certeza, é um alerta, que pode ou não se concretizar, com frequentemente acontece. Qual é o dever do Poder Público? Na dúvida, providenciar um local seguro para todas as pessoas cuja vida está em risco.

E você não vê ninguém se opondo a isso, ninguém dizendo “Ah, mas se não tem certeza do tsunami, é abusivo tentar isolar a área”. Ou, pior, se surge o alerta e a tsunami não vem, alguém dizendo “tá vendo? Esse governo filho da puta isolou a área para nada!”. Se a tsunami não vem, as pessoas apenas comemoram e agradecem que, se vier outra, terão um abrigo seguro.

Vamos entender que sua liberdade termina quando coloca em risco outra pessoa? Vamos entender que assumir o risco de causar danos a outros não é uma postura aceitável por parte do Estado ou do particular? E, mais importante de tudo: vamos entender que se assumir o risco e, por sorte, não der merda, isso de forma alguma quer dizer que foi uma decisão acertada? Colocar a vida das pessoas nas mãos de aleatoriedade, mesmo quando nada acontece, é muito errado.

Seria como dizer “Eu bebi muito, dirigi totalmente bêbado e não machuquei ninguém, portanto, não tem problema em dirigir bêbado”. Imagina alguém dizendo isso quando é parado em uma blitz? “Seu guarda, estou extremamente bêbado, porém… não provoquei acidente nem machuquei ninguém, então, com a sua licença, vou voltar para o meu carro”. Se for no Rio de Janeiro, volta sem os dentes pro carro. NÃO É ACEITÁVEL.

“Mas eu não acho que exista risco, eu dirijo melhor quando estou bêbado”. Pouco importa a sua opinião (não avalizada, diga-se de passagem) sobre o que você entender ser um risco ou não. As normas não são criadas com base na opinião de cada indivíduo. Foda-se se você acha que não é risco dirigir bêbado, foda-se se você acha que não é risco sair vacinado, foda-se se você acha que covid não existe. O que você acha não é importante e não faz diferença.

Então, se em qualquer momento o Governo não adotou todos os cuidados que deveria e, por uma sorte, não deu merda, isso não quer dizer que o Governo estava certo em sua escolha, isso quer dizer que o país deu sorte. O fato de assumir um risco e ele não causar consequências negativas de forma alguma valida o risco assumido.

Não é aceitável, sob nenhum ponto de vista, assumir um risco que não diga respeito a você, e somente a você. Mesmo que você não veja risco, mesmo que não aconteça nada errado, assumir esse risco por si só já é um baita erro, falta de respeito e digno de punição. Tanto é que se pune quem dirige bêbado, independente de ter provocado um acidente ou não.

Mas, está crescendo no Brasil um discurso de que se foi assumido um risco e não houve danos, quem assumiu o risco estava certo desde o começo. Não estava. Quem assumiu o risco não poderia antever que nada de ruim aconteceria. Não dar merda não valida nada de errado que qualquer pessoa tenha feito.

E caminhamos para uma versão ainda pior disso: as pessoas estão deixando de perceber quando se assume um risco. Elas esperam pela consequência: se dá merda, criticam quem “assumiu o risco”, mas se não dá merda, elas nem mesmo conseguem entender que foram colocadas em risco.

“Eu tenho HIV, fiz sexo com meu parceiro sem camisinha e sem que ele saiba que sou soropositivo, mas ele não se contaminou. Viu como eu tomei a decisão certa?”. Soa mal, não soa? Entretanto, é isso que políticos e que o próprio brasileiro está fazendo com o Brasil e com o resto do mundo.

Não exigir vacinação para entrar no país, enquanto o resto do mundo exige (adivinha para onde turistas negacionistas do mundo todo vão viajar?), não exigir vacina para circular em lugares fechados, manter festa de réveillon, tudo isso é assumir o risco. A mesma merda, em escala menor, faz quem decide sair para bundear escorado no fato de estar vacinado. Sim, você está protegido, mas ao fazer o vírus circular, aumenta as chances de uma mutação que pode prejudicar o mundo todo, é assumir o risco.

Virou aceitável assumir o risco no Brasil. Virou aceitável que o seu desejo pessoal, egóico, imediatista, se sobreponha ao bem da coletividade. Não é manchete de capa de jornal que filha da puta que veio da África do Sul e estava em quarentena furou a quarentena para ir ao shopping. Onde eu estou, na melhor das hipóteses a pessoa apanharia. “Fodam-se os outros, eu só penso no meu bem-estar”. Pode acabar bem uma postura dessas? Obvio que não.

O conceito de não colocar os outros em risco deve existir pela mera possibilidade do risco em si e não deve estar atrelado a um resultado favorável ou desfavorável. Se o resultado for favorável significa que o risco não existiu? Claro que não. Brincou-se com a vida alheia da mesma forma, apenas se teve sorte.

E, noção básica de matemática e probabilidade: quanto mais você assume o risco, maiores são as chances de você acabar se fodendo de fodendo os outros. Uma hora dá merda. Continuem assim, plantando merda, que vocês vão colher muita bosta. Mandem seus filhos não vacinados para a escola. Saiam para jantar pois estão vacinados. Façam festinha escorados em PCR. Uma hora dá merda, e quando a merda vier, ela pode ser irreversível.

Então, mesmo que estudos comprovem que no décimo dia de contágio a variante Ômicron saca uma arminha de dentro de sua membrana e dá um tiro nela mesma, se suicidando e desaparecendo do organismo da pessoa sem causar nenhum dano e ainda deixa seu olho azul e seu pau o dobro do tamanho, ainda assim, ter assumido o risco seria um absurdo inaceitável digno de revolta, seja na esfera pública ou na individual.

Não se deixem anestesiar por essa insanidade coletiva: não é ok assumir o risco se esse risco afeta outras pessoas. Mesmo que não cause danos, continua sendo escroto, egoísta e inaceitável. Quer correr riscos? Faça-o de uma forma que apenas afete a você.

Para dizer que não tem risco nenhum, para dizer que está demorando para sair um Ei Você Omicron ou ainda para dizer que não tem mais forças para falar no assunto: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu tenho quase certeza de que o Bolsonaro não tem a menor ideia do que está fazendo, está agindo por instinto desde que assumiu o poder. Mas isso não quer dizer que ele não acerte às vezes. E quando eu falo acertar, eu não estou usando o verbo para significar melhoria de qualidade de vida do brasileiro. Eu estou falando mesmo é sobre o quanto ele consegue se livrar das responsabilidades.

Desde o começo de 2020, o presidente brasileiro “intuiu” que poderia não se importar com a pandemia. Foi fazer discurso em rede nacional chamando a Covid-19 de uma gripezinha, cismou com um remédio mágico e não quis se ocupar com vacinação. De uma certa forma, ele estava certo: morreram mais de 600.000 brasileiros por causa do coronavírus, tivemos cenas de terror em cidades como Manaus, muito por causa da escolha consciente do governo federal de não dar suporte para o combate à doença.

Ele não estava certo no que tange à preservação da vida do brasileiro, mas sim de que escaparia das consequências mais graves da sua política. Em troca de manter uma base fanática de defensores, arriscou a vida de milhões de brasileiros. Veio a CPI, descobriu inúmeros podres… e ele continua governando como se nada. Boa parte da classe política já virou o disco para as próximas eleições, e a mídia/opinião pública sempre acha algo de novo para se escandalizar.

É muito possível que com um mínimo de interesse no combate da pandemia, tivéssemos evitado pelo menos metade das mortes. Especialmente as dramáticas causadas por sobrecarga no sistema de saúde. Bolsonaro pagou pra ver as consequências das suas escolhas, e o pior que aconteceu foi ficar em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para 2022. Algo que ele ainda acredita que pode reverter dando calote nas contas públicas para mudar o Bolsa Família de nome e subornar a população carente.

Muitas vezes a pessoa burra tem essa vantagem: ela assume riscos que alguém com mais de dois neurônios jamais assumiria. Um presidente mais responsável jamais daria de ombros para uma pandemia, porque no mínimo teria medo de acabar expulso do poder e preso como genocida. Mas talvez as décadas de experiência como deputado tenham ensinado Bolsonaro que no Brasil esse tipo de preocupação não é necessária. Não sei se foi apenas sorte burra ou se foi feito com conhecimento de causa, o que importa no final das contas é o exemplo: pode arriscar a saúde do povo sim, não vai dar nada.

Só sofre consequências quem não consegue colocar aliados em lugares chave. Com o domínio da Câmara de Deputados, Bolsonaro é imune ao impeachment. Com o controle da PGR e da Polícia Federal, ele não vai ser investigado por nenhum crime. O único calcanhar de Aquiles está no STF, mas já são dois ministros no bolso agora, a coisa começa a funcionar melhor.

E o que isso tem a ver com o réveillon carioca? Oras, Eduardo Paes não é iniciante nesse mundo político. Ele percebeu que o povo brasileiro aceita ser tratado como gado, e mesmo se as coisas derem muito errado, dificilmente vai ter alguma consequência. Então, mais fácil agradar o setor turístico da cidade, que paga muito imposto, do que se preocupar com a possibilidade da variante Ômicron causar problemas. Se morrer um monte de gente nos próximos meses, ele continua dependendo apenas de seus aliados para se manter no poder.

O brasileiro não vai cobrar depois. Antes do Bolsonaro o político brasileiro estava numa fase de atenção elevada, afinal, Lula e seus asseclas tinham ido pra cadeia. Mas, não só o mentor do maior esquema de corrupção da história da humanidade está livre, como está liderando com folga as pesquisas de intenção de voto para voltar ao poder. E o segundo lugar ainda é o presidente que mandou o poder executivo federal deixar rolar uma pandemia para não desagradar seus fãs de rede social.

Pode tudo. Quer dizer, quase tudo. Já aprendemos que se o político matar uma criança na porrada pega mal, mas se matar gente por incompetência e/ou desinteresse, pode ficar tranquilo, o povão esquece rapidinho. A “sorte” de estados como São Paulo é que seu governador quer o cargo do Bolsonaro e vai se esforçar para se distanciar do presidente. Se não fosse por isso, eu tenho quase certeza de que estaríamos armando uma grande festa na virada do ano e aceitando qualquer um nos aeroportos. Dória não tem medo da repercussão por ignorar a pandemia, tem medo de não achar um público para votar nele ano que vem.

O grande desfavor é que essa lição já foi ensinada para a classe política brasileira. Nem mais de 600.000 mortos são suficientes para mexer com o brasileiro médio. São séculos de experiência em driblar as dificuldades criadas por seus representantes, é meio que a nossa especialidade: viver apesar das bizarrices que vem do Estado. No máximo temos um vôo de galinha como foi no caso da Lava-Jato, mas já podemos ver as coisas se assentando novamente no padrão.

Era de se esperar que a gestão da pandemia fosse considerada horrível o suficiente para o povo se mexer, mas provavelmente só vai trocar a cor da bandeira do corrupto controlando o país. Às vezes um país precisa de uma guilhotina… nem estou dizendo no sentido literal, pode só colocar na cadeia mesmo. Mas enquanto político achar que escapa ileso de praticamente qualquer coisa, vamos comemorar a possibilidade de espalhar doenças com fogos e música na praia. E todo turista não vacinado é bem-vindo!

Bolsonaro pagou para ver, e foi baratinho. Claro que outros vão seguir o exemplo… quem não gosta de uma promoção?

Para dizer que vai fugir do país enquanto alguém ainda aceitar brasileiro, para dizer que estamos no país da feijoada, ou mesmo para dizer que todo mundo morre um dia mesmo: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • E sobre comprovar vacinação, o conecte sus foi derrubado, ninguém tem mais registro de vacina nenhuma, se não tiver o comprovante de papel não comprova mais nada

    • E o que os gênios fizeram? Suspenderam a exigência de comprovante de vacinação. A mensagem é maravilhosa: entrem no nosso sistema, nos sabotem, que vocês serão recompensados por isso!

      • Ontem forçaram o cadastro de vacina por meio do Poupatempo digital.
        Aqui tem algumas das gangues mais casca-grossa de “hackers”, que só são páreo pros da mãe Russia.
        Invadir site de governo é mais fácil que tirar bengala de cego.
        Esperando colocarem a hashtag #DitaDória num eventual deface dos sites relacionados ao governo do estado de São Paulo.

      • Está correndo falatório de que não teve ataque nenhum, o governo que teriq retirado os dados de vacinas de propósito pra acabar com o passaporte sanitário.

  • Juro que não entendi essa lógica dele. Ou vc faz uma festa completa ou não faz festa. Como fazer uma festa pela metade? O que ele pretende com isso? Seria agradar ambas as partes na questão de voto?

    • Sabe quando uma pessoa manda uma cantada duvidosa para alguém, com a intenção de que, se colar, colou e se a pessoa não gostar ela diz que estava só brincando? É isso.

      Se fizer e der merda ele vai dizer que suspendeu. Se fizer e não der em nada, ele vai dizer que fez. Tem margem para sair por ambos os lados.

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