Interrompemos a programação…

Com a proximidade das eleições, recomeçou o horário político. Sally e Somir não acreditam nas mentiras ditas ali, mas tem uma visão diferente sobre o que se pode aproveitar da experiência. Os impopulares não pulam a discussão.

Tema de hoje: sob algum ponto de vista vale à pena assistir ao horário eleitoral?

SOMIR

Sim. É só você não esperar muito dele. Uma vez a cada três ou quatro meses, eu paro pra assistir um videoclipe de funkeiro, um vídeo de um youtuber brasileiro famoso, uma compilação de postagens populares em rede social… mas não porque eu tenho algum interesse natural no conteúdo.

Por trabalhar em publicidade, eu me sinto um pouco mais obrigado a ter noção do que acontece no país e no mundo, pega mal eu não ter resposta quando alguém me pergunta sobre um fenômeno de popularidade recente. Mas mesmo que não fosse assim, assisto também porque essas porcarias ajudam a ter algum lastro na realidade da maioria das pessoas.

Especialmente em tempos de internet, não demora nada para cair dentro de uma bolha de conteúdo selecionado pelos seus gostos e pelas capacidades do algoritmo. Juro que adoraria viver num mundinho onde só ouço gente que me interessa falando sobre coisas que me interessam, mas não é saudável. Infelizmente. Precisamos variar a dieta de informação, e digo mais: precisamos aprender a lidar com gente que não pensa parecido.

O horário eleitoral entra numa categoria especial de conteúdo: o mais seguro possível. Seguro no sentido de ser feito com uma preocupação muito especial em ser compreensível para praticamente todo esse povão e ainda de bônus evitar deixar a maioria ofendida com alguma coisa. Fazer campanha política é um campo minado. E pelo menos eu acho fascinante ver como cada candidato vai passear sobre ele.

As escolhas de palavras, as cenas usadas… tudo é pensado para reagir apenas com as partes certas da cabeça do brasileiro. Tem que ser gás nobre com polêmica, mas altamente inflamável em contato com desejos do eleitor potencial. Por isso, a campanha política é um guia do menor denominador comum da comunicação de um país naquele momento.

E antes que alguém use o argumento que ninguém mais vê TV, lembre-se que você provavelmente não faz parte ou sequer convive com o grosso da população brasileira. Você acha que a pessoa muito pobre liga a Netflix quando não “tem nada pra ver na TV”? Ou que vai ler um livro? Não ache nem por um momento que sua vida de possibilidades quase que ilimitadas de entretenimento é padrão num país onde dezenas de milhões passam fome.

Eu até aceito o argumento que a TV não é o monstro que fora décadas atrás, definindo a eleição praticamente sozinha, mas até mesmo em 2018, quando se falou muito que a eleição foi decidida na internet, foi a cobertura imparável do atentado ao Bolsonaro na TV que fez ele ficar conhecido pela maioria das pessoas. A internet é norma para quem tem dinheiro pra pagar internet e aparelhos decentes para consumir seu conteúdo.

Tem muita gente nesse país que só tem rádio mesmo. E essa gente vota. Por isso pode ser muito interessante para você saber como se comunica com boa parte do povo brasileiro. A demagogia populista, as frases simples, as promessas estúpidas sem explicação… tudo pensado e repensado para falar com virtualmente qualquer ser humano vivendo no Brasil. Meu desejo para você é só lidar com gente cheia de cultura e bem de vida, mas a realidade não é essa. Fora da bolha tem muita gente. E se você não tem vontade de ir socializar com quem está fora da sua bolha, vale a pena ver como é que se fala com eles. Um dia você vai precisar.

Mas nem só de questões profundas sobre comunicação vivemos: o horário eleitoral tem alguns materiais muito bem-feitos. Posso xingar muito o PT, mas a qualidade técnica do que eles fazem no programa eleitoral é absurda. Quem tem qualquer pretensão de trabalhar com comunicação visual deve prestar atenção no horário político, tem muita gente boa fazendo os materiais. E como produção audiovisual barateou muito com os computadores e a internet, quase todo mundo tem um visual muito bacana e avançado. As músicas, os jingles, as narrações, os efeitos… se você não ficar preso na ideia de que os candidatos são uns babacas, pode aprender muito sobre o que configura alto nível em comunicação popular.

Ok, você não tem interesse nessas frescuras… ainda sobra o básico: rir de gente tosca. A cada 2 anos, um grupo de pessoas bizarras se junta para falar o nome e uma frase besta na TV. Adoro quando passa gente que nem sabe o próprio nome, que pisca na hora errada… é uma delícia quando o fundo verde falha, quando a iluminação está errada. Todo aquele povo sem noção falando sério as maiores asneiras.

É um zoológico de brasileiro. Assim como o zoológico, não é para ir todo dia, mas de vez em quando é divertido ver os bichos. O horário eleitoral repete muito, não tem nenhuma necessidade de ver todos os dias. Se você tirar meia hora por semana para ver, pode ter todos os benefícios: aprender como se fala com o povão, ver coisas muito bem-feitas dos partidos com mais estrutura e ainda rir com a tosquice de quem não tem espelho em casa ou dinheiro para fazer direito.

E vamos ser honestos… muitas vezes a gente não sabe em quem votar simplesmente porque nem sabe quem está se candidatando. Você pode ter uma surpresa positiva com alguém dizendo algo que te interessa, o sistema é podre, mas ele só melhora quando tiver material humano para tal. O horário político tem uma função muito prática de te mostrar quem são as pessoas concorrendo.

É só você não deixar os bandidos notórios te irritarem demais. Eles nem estão falando com você, e sim com gente muito mais ignorante. Eu acho razoável entender o que está acontecendo, até mesmo para testar sua capacidade de pensamento crítico: vai que algum candidato mexe com você? É uma boa chance de lembrar de uma máxima da comunicação: você não é imune à propaganda. Infelizmente muita gente anda esquecendo disso… não é só porque você pode pular a propaganda ou mudar de canal que ela não está influindo na sua vida. Se não quiser fazer por curiosidade, faça para saber qual é a narrativa do momento e se proteger dela.

Para dizer que eu só quero que vejam meus materiais (não estamos em campanha nenhuma, com a graça de Gezuiz), para dizer que prefere tirar uma soneca, ou mesmo para dizer que é que nem o Chaves, mas sem graça: somir@desfavor.com

SALLY

Sob algum ponto de vista vale à pena assistir ao horário eleitoral?

Não, sob nenhum ponto de vista. Além da crise estética, é um aglomerado de mentira mal escrita feita por publicitário bosta. Não acrescenta absolutamente nada. É pura perda de tempo.

Você está lendo a série de Anula Eu sobre os nomes dos atuais candidatos? Sob qualquer pretexto, você quer escutar o que Danielzinho Caceteiro tem a dizer? Ou escutar as propostas de Capitão Rafael O Coelhão? Você acredita sinceramente que Jaspion do Catalizador vale alguns minutos da sua vida? Francamente, tem coisa melhor para fazer do seu tempo, nem que seja fazer nada. Ócio criativo definitivamente deve ser mais produtivo do que escutar essa gentalha!

Fosse o Brasil um país um pouco mais normal, eu até entenderia escutar a proposta de cada candidato antes de decidir em quem votar. Mas nós sabemos qual é a realidade: gente repetindo feito papagaio um discurso escrito por um publicitário de quinta categoria, em sua maioria, um amontoado de mentiras, promessas falsas e populismo barato para conquistar a simpatia do eleitor.

Não vejo nenhum benefício em gastar tempo da sua vida com essas pessoas. Eu não sei o quanto dura essa bosta, mas vamos que dure meia hora e vamos ser otimistas e pensar que a pessoa assistiria a um mês dessa excrescência (começou em agosto, será mais de um mês). Seriam, na melhor das hipóteses, duas horas e meia por semana e dez horas por mês.

Sabe o que você pode fazer com dez horas? Um curso. O curso de Photoshop que eu fiz, online, durou menos do que isso e me permite transformar uma criança com problemas mentais em uma Mulata Globeleza, um feito muito mais louvável do que promessa de político. Tem centenas de bons cursos online (e gratuitos) que duram menos do que isso. Escolha o seu e adquira algo sagrado e valioso que nunca vão tirar de você: conhecimento.

Não está com essa disponibilidade mental? Você pode tirar meia hora para criar algo: escrever, fotografar, cozinhar, fazer trabalhos manuais, até escultura em cocô é válido. Ao menos você criou algo. Além de acalmar a mente e aprimorar habilidades, trabalho manual faz bem para a saúde mental.

Sabe o que você também pode fazer em meia hora? Exercício. Nem que seja uma caminhada. Bota um fone de ouvido, vai escutando uma música que você goste e anda meia horinha. Ou pula corda, sem sair de casa. Faz Yoga, tem aulas boas e gratuitas no Youtube. Mexe o corpo, não importa como. Meia hora por dia, cinco vezes por semana, já faz uma enorme diferença na sua saúde.

Pior dos mundos, uma sonequinha. Dormir gera benefícios para seu corpo e sua mente, escutar esses ignóbeis não. Lembra do mantra que eu sempre repito aqui? Antes de gastar seu tempo com algo olhe e pergunte “O que isso me acrescenta?”. Propaganda eleitoral não te acrescenta absolutamente nada, pois não há um pingo de verdade ali. Não perca tempo com mentiras.

“Mas Sally, eu quero estar informado”. Quer? Eu te informo: no Brasil não existe ideologia, existe disputa pelo poder. Em essência são todos a mesma bosta, pessoas que procuram poder e dinheiro e que vestem as alegorias que acreditam demonstrar virtude ou agradar o eleitor, mas nenhum ali vai conseguir, mesmo que queira, fazer o que é melhor para o povo. Pronto, você está informado. Pode usar sua meia hora diária para algo que realmente te faça bem.

Liga para aquele amigo com o qual você não fala faz tempo, mas pensa nele com carinho de vez em quando. Liga para um familiar que talvez esteja precisando conversar com alguém. Brinca com seus filhos. Escova seu pet. Medita. Lê textos antigos do Desfavor. Toma um banho demorado.

E digo mais: isso pode ser aproveitado e se tornar algo maior. É uma ótima oportunidade para criar uma rotina nova positiva: aquela gentalha oleosa aparecendo na TV é seu despertador que te lembra que é hora de fazer algo de bom e produtivo com a sua vida!

Não estou brincando. Em qualquer nova atividade, a pior parte é o começo. Mas, depois que ela se incorpora à sua rotina, deixa de ser difícil e passa a ser parte da sua vida. O universo te mandou meia hora por dia de excrementos intragáveis como oportunidade: você tem meia hora livre para começar qualquer coisa que queira e tem um mês para levar adiante o projeto.

Quando outubro chegar, ele já estará incorporado à sua rotina e não será nenhum esforço dedicar meia hora do dia a isso. Encontre uma atividade qualquer que te agrade e comece a fazer, meia hora por dia.

E você nunca sabe onde vai dar. Quem sabe você não começa a fazer isso e gosta tanto que mostra para outras pessoas e essas outras pessoas se interessam? Talvez você consiga monetizar isso. Talvez dê tão certo que você possa fazer disso o seu sustento ou talvez vire um passatempo agradável que sirva para recarregar suas energias. Talvez no meio do processo você conheça alguém muito legal, que será seu parceiro para a vida. Muita coisa boa pode sair daí.

Agora, me diz, o que pode sair de bom de ficar afundado no sofá assistindo horário eleitoral? Gente, chega de viver a vida feito zumbi. Já não basta a bosta da rotina diária casa – escola/faculdade/trabalho? Por favor, por favorzinho, vão fazer coisas que vocês gostem, descubram novas habilidades, adquiram novo conhecimento. Seus outputs são o resultado dos seus inputs, se você levar uma vida rotineira monótona não vai sair nada de bom de você.

A gente promete: se acontecer algo relevante no cenário político, vamos fazer um texto resumindo para que você ao menos saiba qual é o assunto da vez. Gaste seu tempo com você mesmo ou com pessoas que o merecem, não com um bando de desconhecido que definitivamente não se importam com você nem com o país.

“Ain alienados”. Não, não. Você pode estar perfeitamente ciente do que está acontecendo no país e no cenário político sem assistir a porra do horário eleitoral. Inclusive, estará mais bem informado se o fizer focando nos atos de cada candidato ao longo de sua vida pública, em vez de suas promessas.

Horário eleitoral é pura perda de tempo. Não faça isso com você mesmo, a vida é muito curta.

Para dizer que assiste mais como experiência antropológica, para dizer que se não assistir não vai saber quando a novela começar ou ainda para dizer que nem sabia que essa porcaria tinha começado: sally@desfavor.com

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