O presidente russo, Vladimir Putin, fez um pronunciamento aumentando o grau das ameaças após uma nova fase de contraofensiva ucraniana nas áreas que ocupa. Nas entrelinhas, a menção ao uso de armas nucleares. Sally e Somir acham a guerra absurda, mas discordam do potencial russo. Os impopulares atiram… ou não.

Tema de hoje: a Rússia tem armas nucleares capazes de causar um estrago nesta guerra?

SOMIR

Sim. Uma faca “tática”, daquelas do Rambo, feita do melhor metal, e uma faca de cortar pão comprada no camelô vão fazer um estrago terrível na sua barriga. Embora a Rússia não tenha investido nem perto do que os EUA investiram na manutenção das suas armas nucleares, há muitos motivos para se acreditar o país de Putin ainda tenha capacidade de bater com força caso resolva ir até o fim com suas ameaças.

Uma bomba atômica não é algo tão complicado assim. Na prática, é um sistema que gera uma explosão dentro de um bloco fechado que pressiona material radioativo com tanta força que ele começa a entrar em processo de fissão ou fusão. As bombas mais antigas usam apenas fissão (dividir átomos), as bombas mais modernas usam fissão para iniciar fusão (grudar átomos) e assim ter um potencial explosivo imensamente maior.

As duas únicas bombas realmente usadas em uma guerra eram da tecnologia antiga, e foram o suficiente para fazer o Japão desistir da guerra. E olha que o Japão parecia que nunca ia desistir, não importasse o custo. Eu estou falando sobre isso porque apesar de existirem várias limitações para um país produzir a bomba atômica, quase todas estão em adquirir o material radioativo, seja ele urânio ou plutônio.

Quando eu acredito que a Rússia tenha armas nucleares para causar um estrago, eu estou me baseando na parte técnica da coisa. Uma bomba moderna vaporiza o centro de uma grande cidade e torna metade dela inabitável por vários anos. Não precisa de um computador moderno ou de um sistema superdelicado para funcionar, é força bruta mesmo. Explodiram as primeiras nos anos 40 do século passado!

A Rússia é um dos países que tem a capacidade de enriquecer urânio para produção de bombas atômicas, por mais sucateado que esteja o sistema deles, são um dos poucos países que podem fazer novas bombas atômicas mesmo com sanções econômicas e políticas. Eles não desaprenderam a fazer. Coloca material radioativo com o número atômico certo dentro da ponta de um míssil e joga com força no amiguinho.

Se não fosse tão difícil enriquecer urânio, o Talibã já teria jogado umas 20 bombas atômicas nos EUA. Agora, a Rússia, com todos os seus problemas, passa longe de ser o Talibã. Justiça seja feita: a mais poderosa bomba atômica já detonada é deles, a Tsar Bomba, que explodiram num lugar remoto e foi sentida a centenas de quilômetros de distância. Foi no tempo da União Soviética? Foi. Mas tecnologia dos anos 50 não é lá tão difícil de replicar no século XXI.

E é claro, tem toda a questão de colocar a bomba em território inimigo. Se não fosse necessário construir um literal foguete para atacar locais há milhares de quilômetros de distância, quase todo país teria essa capacidade. Mas não é todo país que tem, apenas aqueles que conseguem enviar gente para o espaço de forma consistente. E adivinha só qual é o país que mais tem experiência de chegar no espaço? Não são os EUA não, até pouco tempo atrás boa parte dos lançamentos para satélites e até mesmo tripulações para a Estação Espacial eram feitos pelos russos, mesmo com tecnologia um pouco defasada. Porque eles são confiáveis assim em mandar coisas para o espaço.

Os russos têm capacidade de mandar bombas para qualquer lugar do mundo, e ao contrário dos brasileiros, os foguetes deles não explodem assim que decolam. Se você consegue mandar gente para o espaço, consegue mandar bomba pra qualquer lugar do mundo. E ultimamente, os russos ainda aprontaram com o desenvolvimento dos mísseis hipersônicos, tão absurdamente rápidos que fica difícil de parar com os sistemas tradicionais de defesa.

Eu realmente acredito que numa guerra nuclear a maioria das bombas seria interceptada no meio do caminho, mas basta ter volume suficiente para algumas passarem. É questão de probabilidade: uma ou duas vão passar. E, voltando ao caso dos japoneses, basta uma ou duas para traumatizar uma nação inteira.

Os russos têm o maior ou o segundo maior arsenal nuclear do mundo, não se pode confiar cegamente nos números declarados por eles ou pelos americanos. Seja como for, mesmo que metade dos mísseis deles nem funcionem e metade dos que funcionam nem explodam, ainda sobra devastação suficiente para as sensibilidades do nosso século.

O ataque nuclear pode até não ser essa passagem sem volta para o fim do mundo como dizem por aí, mas causa um dano psicológico enorme nas populações. Putin, maluco ou não, sabe que basta uma bomba para mudar toda a dinâmica de funcionamento do mundo moderno.

Talvez seja mais prático para o autocrata russo colocar o mundo de volta numa Guerra Fria. Se ele usar só uma, uma das pequenas, chamadas de “táticas”, pode ser que a OTAN repense sua estratégia e vejamos uma enorme mobilização militar nas fronteiras russas. Isso garantiria a sobrevivência de seu governo pela duração das tensões e talvez desse a desculpa ideal para ele militarizar o que resta do país.

Mesmo que Putin seja um estrategista, ele pode morrer e deixar o cargo para outro a qualquer momento. Se estivermos numa situação de Guerra Fria, tudo pode acontecer de novo, o próximo no comando talvez não seja um estrategista, talvez seja um maluco total. E um maluco total com meia hora de poder pode causar um estrago enorme no mundo.

Eu enxergo sim cenários onde temos que lidar com devastação nuclear, não estou apostando pesado nisso, mas o potencial está lá. Eles têm a tecnologia para usar, e não é fácil escapar se eles resolverem fazer isso.

Para dizer que nunca acontece nada, para dizer que estão todos bêbados demais para mirar, ou mesmo para dizer que está torcendo para uma pegar em Brasília: somir@desfavor.com

SALLY

A Rússia tem armas nucleares capazes de causar um estrago nesta guerra?

Não. Esse papo de “olha que eu uso armas nucleares, hein?” é bravata pura sem fundamento. E, que fique claro: o tema de hoje é mero achismo de ambas as partes, deduções que fazemos com o pouco (muito pouco) que sabemos. Essa resposta só o Putin e mais meia dúzia tem. Portanto, zero intenção de estarmos certos, apenas um debate informal.

Até onde a humanidade sabe, os últimos testes com armas nucleares russas foram realizados, oficialmente, na década de 70. Isso significa que, mesmo que tenham desenvolvido muita coisa nova (não parece), ainda não está testada, portanto, ainda não poderia ser usada pois não se sabe como/quando/quanto funciona.

Mas vamos que eles pretendessem usar sem teste: o armamento apresentado na guerra não indica uma potência bélica. Acho que não desenvolveram nada muito eficiente nas últimas décadas não, a julgar por tudo que apresentaram até aqui.

Há quem diga que Putin, como bom estrategista e sujeito bélico, cuidou muito bem dessas armas nucleares que já existiam. Então, mesmo sem desenvolver nada novo, as armas antigas estariam em perfeito funcionamento – que também pode ter comprado uma coisinha ou outra já testada por outras nações.

Há quem diga que com as armas nucleares da década de 70 ele já estaria muito bem municiado para causar um estrago no mundo. É pura especulação pois ninguém sabe muito bem o que cada país tem ou não tem, mas, mesmo que as armas da década de 70 sejam eficientes, as formas de interceptá-las e impedir seu uso evoluíram bastante nas últimas décadas. Será que, mesmo que as armas estejam aptas para o uso, Putin consegue usá-las?

Há ainda quem diga que ele pode ter testado armas nucleares novas por debaixo dos panos, coisa que eu duvido muito, pois não é algo que se possa esconder em um planeta monitorado 24h por dia. Na real, eu acho que é blefe puro. Tá passando uma puta vergonha internacional.

“Mas Sally, você mesma disse que o Putin é, apesar de tudo, um bom estrategista? Não seria muito burro um blefe como esse?”. Seria. Mas eu acredito que agora ele está encurralado. A forma como as coisas se desdobraram pegou de surpresa quase todo mundo. Ninguém achou que a Ucrânia resistiria tanto. Putin se colocou em uma situação muito ruim: o inimigo performou melhor do que o esperado e seus aliados deixaram a desejar.

Vamos focar naquilo que sabemos, no pouco que estamos vendo: a Rússia, que anunciou que essa guerra (Operação Especial, segundo eles), acabaria em três dias, achando que seria simples e rápido. A guerra se estendeu por meses e não dá sinais de terminar.

Além disso, os armamentos que estamos vendo a Rússia desfilar meio que… dão pena. Estão no naipe daquele blindado soltando fumaça preta do desfile de 7 de setembro do Brasil do ano passado. Nada indica que a Rússia tenha esse poderio militar todo, ao menos não é isso que estamos vendo, e acredito que se tivesse, veríamos, pois está ficando feio para eles essa guerra demorar tanto e agricultor ucraniano tirar soldado russo do tanque na porrada e ficar desfilando no tanque com a bandeira da Ucrânia.

Outro ponto importante: Putin ameaçou outros países expressamente, dizendo que se entrassem na OTAN sofreriam sérias consequências. Todos eles se postularam, cagando para as ameaças e já estão com seus pedidos em análise. Não houve qualquer represália, o assunto simplesmente não foi mais falado. Acho que se ele pudesse, teria cumprido as ameaças.

Mais um fator que mostra que a Rússia está mais para cacareco do que para potência nuclear: eles efetivamente estão penando com contraofensivas, ou seja, não apenas estão com dificuldade em conquistar território ucraniano, como ainda estão levando um pau em alguns territórios seus. O discurso de Putin sempre foi muito claro: se alguma nação invadisse a Rússia de forma hostil isso lhe daria o direito de todos os recursos para defender o país. Não está usando. Estranho, né?

Mais um argumento: os EUA sabem tudo. Das formas mais vis, ilegais e hostis, eles sabem tudo que se passa no mundo. E não estão com medo do Putin, nem recuando. Então, eles devem saber que as sucatinhas nucleares da guerra fria não representam uma ameaça, seja por não funcionarem, seja por poderem ser interceptadas a tempo pela atual tecnologia. Se os EUA não estão recuando, é sinal de que Putin não tem uma capacidade ofensiva preocupante.

Por fim, ainda que a gente seja benevolente e acredite que os cacarecos da década de 70 que ele tem foram bem conservados e que ele tem estrutura, cientistas e capacidade para usá-los, a contrapartida não compensaria. A resposta seria avassaladora. Ele vai jogar um estalinho e receber de volta destruição em massa.

“Mas Sally, você acha que Putin se importa com a morte de milhares de inocentes?”. Definitivamente não, mas eu acho que ele se importa com o fato de que vai entrar para a história como um Zé Cu que levou um pau dos EUA. O ego dele doeria demais se ele fizesse uma ofensiva com uma bomba atômica e fosse dizimado logo depois. Isso eu acho que ele não está disposto a arriscar: entrar para a história como um fracassado.

E a cereja no sundae, que nem é bem uma evidência, mas vale menção, é a entrevista dele dizendo que poderia usar armas nucleares seguida da frase “isso não é um blefe”. Se você precisa esclarecer que não está blefando, você está bastante desmoralizado. Normalmente, quem diz que não está blefando, está blefando. Quem tem poderio para fazer o mundo tremer não fica de “olha que eu não estou blefando, hein? Olha que eu faço mesmo, hein?”.

Eu acho que ele não tem nada suficiente para valer a pena usar. Se tivesse, já tinha inclusive usado, pois tomou no cu demais e está bastante desmoralizado. Está mandando presidiário com um canivete lutar e os russos estão procurando “como quebrar um braço” no Google. Tá patético, tá feio. O tio Putin parece mais encurralado por seu próprio erro estratégico (oriundo do seu ego gigante) do que prestes a usar uma arma de destruição em massa.

Posso estar enganada? Mas certamente, como disse no começo do texto, essa resposta apenas uma meia dúzia de pessoas em todo o planeta tem. Resta a nós, meros mortais, especular com o pouco que a gente consegue ver. Pelo pouco que eu consigo ver, o Putin parece totalmente inofensivo, apenas um idiota que tomou más decisões com um ego ferido.

Não tem armas nucleares que prestem ou não tem condições de usá-las, pois vai levar um pau tão grande que vai fazer seu nome entrar para a história como um perdedor. Se fodeu.

E nem seria algo inusitado ou estranho, essa história se repete ao longo dos séculos. Caiu pelo mesmo motivo que a maioria dos líderes caem: ego enorme que gera excesso de confiança. Deu um passo maior do que a perna. Acho mais provável ele se auto envenenar de uma forma que represente uma saída honrosa do que cair atirando se isso o fizer parecer um fracassado.

A confirmar.

Para dizer que quem tem cu tem medo, para dizer que não gostaria de pagar para ver ou ainda para dizer que poderíamos começar a semana com um tema menos angustiante: sally@desfavor.com

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Comments (6)

  • Fico com a Sally. Cão que muito ladra não morde. E quem precisa dizer que não é blefe é porque está blefando sim.

  • Fico com a Sally. Cão que muito ladra não morde. E, quando realmente, não é blefe, nem é preciso que se diga. Putin queria posar de fodão com essa guerra, mas só tá é fazendo um papel ridículo mesmo…

  • “Eu acho que ele não tem nada suficiente para valer a pena usar. Se tivesse, já tinha inclusive usado (…)”

    Curiosidade histórica: sessenta anos atrás, para forçar os americanos a retirarem mísseis da Turquia (além de evitar que os cubanos procurassem os chineses para se vingar da fracassada invasão americana um ano antes), a então União Soviética instalou mísseis nucleares e deixou dezenas de bombardeios em prontidão em Cuba. Uma viagem de 15 minutos até Washington. Naquela época.

    Resultado: os americanos retiraram os mísseis da Turquia, os soviéticos retiraram os mísseis de Cuba, e ambos os lados, diante do cagaço de ter que apertar os botões, resolveram nunca mais utilizar desse expediente novamente e congelaram, por um tempo, a expansão do arsenal nuclear.

  • Sally com um texto mais “otimista” que o Somir? Que raridade.
    A Rússia deve ter o equipamento sim, mas quem é doido de começar uma guerra nuclear hoje em dia? O que adianta destruir o mundo e as pessoas que você quer dominar? Vai governar as baratas que sobreviverem?

    Previsão catastrófica de longo prazo: frio, fome e impostos absurdos pra manter o Estado do bem estar social. Os europeus espertos simplesmente vão pegar suas malinhas e irem pra América do norte, na Europa só vai sobrar idosos e Mohameds. Os europeus otários vão ficar lá tentando salvar a nação, o ocidente, a democracia e não sei mais o que e afundando junto com o navio.

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