Álcool, café e chocolate são três das mais consumidas substâncias do mundo. Independentemente de suas relações pessoais com elas, Sally e Somir discutem o resultado do desaparecimento de uma delas e suas consequências para a humanidade. Os impopulares são consumidos pela dúvida.

Tema de hoje: o que faria mais falta ao mundo caso desaparecesse, álcool, café ou chocolate?

SOMIR

Eu vou votar no álcool, mesmo não sendo a substância que mais me faria falta. Já escrevi algumas vezes aqui como o álcool é a pior droga em circulação no mundo, por ser legalizada e socialmente aceita em praticamente todos os ambientes. Não mudei de opinião: ainda acho álcool pior que qualquer outra droga, mas acredito que uma crise de abstinência global seria terrível para todos nós.

Acho difícil até defender a ideia de que no longo prazo estaríamos melhores sem bebidas alcoólicas, porque culpar o álcool pelo comportamento dos bêbados é meio como culpar as armas pelo comportamento dos assassinos. Tratar sintomas não trata a doença. E a doença é a necessidade que muita gente tem de ficar entorpecida para aguentar a vida.

Café e chocolate trabalham em cima de outras vontades do ser humano, como energia (embora seja meio falso, porque a cafeína e outras substâncias estimulantes não criam energia, apenas te adiantam a energia do futuro) e satisfação (que traz prazer momentâneo em troca de saúde), mas são necessidades que podem ser resolvidas com outras coisas igualmente legais.

Já o álcool está numa categoria muito própria de entorpecente: é a única substância legalizada que entrega o resultado de reduzir o incômodo existencial do ser humano (de fora para dentro). Pessoas usam a bebida como muleta para encarar a vida, e na falta disso eu duvido que elas encontrem alternativas saudáveis, afinal… a necessidade de ficar bêbado já denota o oposto de comportamento saudável.

Se o álcool desaparecer, milhões (talvez bilhões) de pessoas vão começar a procurar alternativas, afinal, o álcool era o caminho mais simples para seu desejo de ficarem entorpecidas. O desejo não desaparece com a substância desparecendo. Podem ter certeza de que as pessoas começariam a usar mais e mais outras drogas, e aí começa a ficar difícil prever onde iriam parar. Muita gente ia sossegar com a maconha, mas depois que você abre essa porta, as possibilidades vão se empilhando.

E o que não falta por aí são drogas, cada vez mais pesadas, que geram resultados parecidos com o álcool. A maioria delas muito mais danosa. O ser humano moderno é descendente de pessoas que bebiam muito, especialmente no caso de europeus, que usavam cerveja como uma forma de água potável. É muito provável que algum grau de tolerância ao álcool esteja impresso diretamente no seu DNA.

Não à toa, o álcool consegue gerar motivação nas primeiras doses e te deixar entorpecido quando você vai passando do limite de absorção. Somos tão bons para lidar com bebida que ela serve como droga para animar e para desligar ao mesmo tempo. Tire isso da humanidade e poderemos ver pessoas usando anfetaminas antes da festa e opioides depois… cocaína, crack, fentanyl, heroína… todas coisas ainda mais destrutivas para o indivíduo e a sociedade ao seu redor.

As pessoas deixam de se alimentar e alimentar os filhos por causa de cerveja hoje em dia, imagina só o que fariam com drogas mais pesadas? O caos social provavelmente diminuiria depois de um tempo de abstinência obrigatória, mas nunca chegaríamos numa sociedade livre de drogas só com a retirada da mais popular.

Enquanto o “buraco fundamental” que o ser humano preenche com álcool estiver lá, só vão pular para a próxima droga. Cafeína seria substituída por outros estimulantes leves, ninguém precisa de cocaína para o grau de ânimo que o café entrega. Chocolate seria substituído por doces ou qualquer outro alimento saboroso. Álcool seria substituído por drogas bem mais pesadas.

Somos reféns da bebida. Os americanos descobriram isso no começo do século passado com a Proibição. As pessoas vão continuar procurando fontes de entorpecimento, o problema da bebida não é sobre a bebida, é sobre as pessoas que dependem dela. E gostemos ou não, são tantos dependentes que você provavelmente precisa de vários para tocar sua vida cotidiana. Gente que funciona minimamente pela expectativa de encher a cara depois do trabalho.

Se a necessidade da bebida diminuir, quer dizer que o mundo está melhorando. Se ela continuar igual, não importa só “desligar” o álcool da humanidade, porque ele vai mudar de forma. A bebida é só uma forma prática de tratar essas neuras básicas do ser humano. Se ela sumir, o ser humano encontra outra coisa para usar no lugar, e eu argumento que fatalmente encontraria coisas ainda piores.

O problema que as pessoas acham que resolvem com o álcool não é resolvido sem álcool. Pra mim seria bem melhor se o álcool sumisse, porque consumo muito mais café e chocolate, mas como eu não vivo sozinho nesse mundo, tenho que me preocupar com as pessoas ao meu redor também. Medo do brasileiro médio sem a pinga para deixar desligado. Medo do ser humano médio sem essa escapatória da realidade.

Eu realmente acho que a sociedade desmorona antes de qualquer avanço causado pelo fim do vício em álcool. Ainda somos muito dependentes.

Para me chamar de bebum, para dizer que o que faz falta para você é igual ao que faz falta para toda a humanidade, ou mesmo para dizer que ficou com vontade de tomar um capuccino com rum: somir@desfavor.com

SALLY

O que faria mais falta ao mundo se desaparecesse: álcool, café ou chocolate?

A mim faria mais falta o chocolate, mas à humanidade eu suponho que o café, que é a força motriz que impulsiona o trabalho em muitos países do mundo.

Eu sinceramente acho que álcool não faria falta. O que não quer dizer que as pessoas não sintam falta, quer dizer que eu acho que o mundo fica melhor sem ele. A pergunta não é “do que as pessoas sentiriam mais falta” e sim “o que faria mais falta AO MUNDO”. Álcool não faz falta ao mundo, muito pelo contrário, faz mal. Não preciso listar a quantidade de mortes, acidentes, dependentes e desastres que o álcool provoca, certo?

E nem venham com o discurso contra proibição, dizendo que proibição não adianta, pois a premissa de hoje não é proibir nada. É mágica: dois desses vão desaparecer para sempre, um vai continuar. Qual seria o que faria menos falta para a humanidade?

Para o Zé da Esquina, a cachacinha, com certeza. Para a humanidade, como coletividade, seria muito bom que bebida alcoólica desapareça. Então, cachaceiros, deixem sua passionalidade de lado, não pensem em vocês e pensem na coletividade.

Independente dos benefícios do café, eu prefiro suprimir do mundo algo que joga contra a produtividade (ninguém trabalha melhor bêbado), tanto é que se tivesse que escolher entre salvar álcool ou chocolate, escolheria salvar o chocolate.

Porém, é inegável que o café exerce um papel fundamental na produtividade, ao menos na ocidental. Cafeína é um estimulante comprovado: melhora sua atenção, dá a sensação de aumento de energia e melhora até seu rendimento físico. Acabar com o café é acabar com um dos poucos estimulantes permitidos por lei.

O café beneficia não apenas quem trabalha, mas qualquer pessoa que precise de um shot de energia extra. Quando eu treinava pesado, sempre tomava um café antes e fazia toda a diferença. Então, desde atividade física até a sobrevivência de uma mãe com privação de sono, café é uma possibilidade permanente de socorro para nós, pobres seres humanos, que precisam realizar tarefas mesmo quando estão muito cansados, com muito sono ou sem concentração para isso.

Além disso, o café tem poucos efeitos colaterais, o que torna a relação custo-benefício muito boa. Chocolate engorda e causa vários problemas de saúde, álcool então, nem se fala. Mas café… Café é coisa linda de Deus, ele só te dá, não pede nada em troca. Salvo que você seja um insano que toma litros por dia, café só te faz bem à saúde. Até prevenir alguns tipos de câncer esse querido é capaz.

Sim, isso mesmo, além de não fazer mal, o café ainda faz bem, desde que consumido dentro das quantidades recomendadas. Antioxidante e anti-inflamatório, ele e capaz de reduzir dores de cabeça até doenças cardiovasculares. Pode ser um aliado contra doenças degenerativas, como Parkinson e contra doenças crônicas, como diabetes. Melhora a memória, a capacidade de concentração e a produtividade.

Quem escolheria viver em um mundo onde as pessoas enchem a cara de álcool em vez de café? Só quem gosta de vômito, briga e ronco. Se você odeia tanto assim a sua realidade a ponto de precisar se entorpecer para suportá-la, procure terapia em vez de destruir uma das poucas coisas boas que a natureza nos deu: deixe meu café em paz.

Ele te aquece nos dias frios, pode ser tomado na sua versão gelada nos dias quentes (vocês não estão preparados para esta conversa) e pode ser misturado com uma infinidade de ingredientes, gerando diferentes tipos de bebida que agradam os mais variados gostos.

E a ambiência que cerca o café? Mentalize um bar: mesa de lata, cadeira da Brahma, gente bêbada falando alto, colapso estético total. Agora pense uma cafeteria: pessoas mais saudáveis, trabalhando, lendo um livro, sentadas com dignidade. Em qual destes ambientes você quer transformar o mundo?

“Mas Sally, o ser humano precisa de uma válvula de escape”. Faça-me o favor… Quem tem coragem de dizer que álcool é a única válvula de escape do ser humano nunca saiu de casa.

Válvulas de escape sobram (seja para ingerir, seja comportamental). O que não sobra é o contrário, uma válvula de incentivo ao trabalho. O povo vai continuar com batuque, promiscuidade, redes sociais e outras substâncias que lhes gerem prazer.

As pessoas encontram formas alternativas de relaxar, de se distrair, de desopilar, pois é do seu interesse. Elas efetivamente procuram. É muito mais difícil que as pessoas tenham a iniciativa de procurar formas de produzir mais, se concentrar mais e se aprimorar. Então, se é para tirar algo, que seja algo que todo mundo vai encontrar um substituto rapidinho.

E se não encontrar… bem… foda-se. Onde já se viu tratar adulto igual a bebê? “Tem que dar a chupeta se não ele chora”. Mas vai lavar uma pia de louça suja! Quem quiser ficar deprimido por não ter álcool que fique e que se mate, considero seleção natural.

Cada um é responsável pela sua saúde mental, se a pessoa depende de uma bebida para isso, sinto informar que a saúde mental nunca existiu e fazer a manutenção dessa bebida não é cuidar da saúde mental da pessoa e sim fazer a manutenção do problema.

“Ain mas café também é vício”. Qualquer coisa pode ser vício, dependendo da forma como você faça uso dela. A questão é o dano que esse vício provoca para a sociedade. Eu nunca vi ninguém dirigir mal e matar alguém por excesso de café. Nunca vi espancar esposa e filhos por tomar café. Nunca vi morrer de cirrose de tanto tomar café. Acredito eu que o álcool provoque mais danos ao mundo do que o café, não?

Meus queridos, hora de parar de ter medo de extirpar das nossas vidas e do mundo aquilo que faz mal. Acreditem, o ser humano já sobreviveu a coisa pior. Pode tirar o álcool sem medo, que ninguém vai morrer por causa disso, muito pelo contrário, muita gente vai deixar de morrer por causa disso. Um brinde de café!

Para dizer que se te tirarem o chocolate você morre, para dizer que é fácil não viver bêbado quando não se reside no Brasil ou ainda para dizer que nunca fez amigos bebendo café (eu já): sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Eu podia jurar que a Sally iria argumentar sobre o chocolate, que inclusive está mesmo acabando no mundo, mas… Rs

    Concordo que sem café não dá pra viver. Mas concordo também que se tirarem o álcool o mundo surta de vez.

  • Que sorte! Cago baldes pras três coisas (embora consuma as três: café duas vezes por ano no máximo – bem forte e sem açúcar, chocolate vez ou outra – só quando bate aquela bicha e álcool idem); então, talvez não sentisse falta. Agora, de modo mais amplo, tira do povo o FlaFlu pra ver se não rola aquela revolução social…

    Mas eu penso que café ia causar mais problema, por causa do endeusamento desmedido que certas subtribos urbanas fazem dessa bebida.

  • Alcool pra mim seria o que menos faria falta, eu twnho outras formas de fugir da realidade. Chocolate faz feliz, mas tem substitutos. O café é que se sumisse iria deixar a humanidade em estado de zumbi. Impossível trabalhar, aturar clientes, aturar outras pessoas ou até mesmo levantar da cama sem café!

  • Entre os três, o álcool é o único que causaria uma verdadeira hecatombe caso deixasse de existir de uma hora pra outra.

  • Se até nos países islâmicos há consumo de álcool, apesar de todo o contexto cultural e leis proibindo ou dificultando o consumo, já diz muita coisa sobre as necessidades do humano médio

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