Escravo meu.

Os 207 homens que foram resgatados em Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul, em condições de trabalho escravo, relataram em depoimentos ao Ministro do Trabalho e Emprego (MTE) situações de agressão, cárcere privado e agiotagem. Conforme os auditores fiscais do trabalho que ouviram os homens, os relatórios “detalharam os sinais clássicos de trabalho escravo”, entre eles, o endividamento, que começou quando o grupo saiu da Bahia. LINK


O mundo moderno, em tese, é totalmente contra a escravidão. Em tese. Desfavor da Semana.

SALLY

Quando li a indignante notícia, cometi o erro de ir nos comentário da matéria. Para minha surpresa, tinha vários leitores contestando as acusações com o argumento de que “eles recebiam, não era trabalho escravo”. Começo o texto com isso para mostrar o tamanho do buraco: muita gente nem sequer acha crime o que aconteceu.

Obviamente, em 2023 seria bem improvável que uma empresa brasileira consiga manter o “trabalho escravo clássico”, com pessoas acorrentadas, sem pagamento e chibatadas. Por isso existe o termo “trabalho análogo a escravidão”, para casos em que, apesar de existir pagamento, a pessoa é privada de sua liberdade de alguma forma, algo tão grave quanto trabalho escravo clássico.

A descrição do que faziam com essas pessoas é nauseante, o que me dá certeza de que a mídia brasileira explorou cada detalhes, não sendo necessário que eu repita as atrocidades aqui. Qualquer grande portal de notícias deve te dizer exatamente o que aconteceu, portanto, nada de fetiche pela violência, vamos aos desfavores.

O primeiro é a sociedade brutalizada na qual vocês vivem, seja por pessoas que se sentem confortáveis para fazer uma coisa dessas, seja por pessoas que sequer acham que isso se enquadre como trabalho escravo. Fica muito difícil conseguir qualquer progresso quando se parte de um atraso tão grande. E, acreditem, muitas das pessoas que estão se indignando, querem apenas sua estrelinha de bom cidadão: se não fosse tão socialmente reprovável, será que, ainda assim, essas pessoas criticariam?

E mesmo quem critica de verdade também pisa na bola. Quem está indignado de verdade (e se indignaria mesmo que não fosse algo socialmente reprovado) dificilmente se porta de acordo com essa indignação e consome marcas que sabidamente utilizam trabalho análogo a escravidão, como Apple, Nike, Zara e muitas outras. Tudo bem que escravizar alguém é mais reprovável do que comprar coisa fruto de trabalho escravo, mas quem compra está longe de poder dar lição de moral no tom em que estão dando.

Aquele produto baratinho que você compra na Ali Express ou na Shopee tem esse preço tão camarada por qual motivo? Você já parou para se perguntar? Se você não sabe a resposta, eu te conto: trabalho análogo a escravidão, que, nos países de onde vem esses produtos, corre solto. E não é um achismo meu, é algo de conhecimento público, existem denúncias, existem processos.

Boicotar vinícola é fácil, tem trocentas no mundo e vinho não é algo primordial para o brasileiro. Eu quero ver boicotar smartphone, boicotar roupa, boicotar eletrônicos. Quero ver escolher comprar da Alemanha, dos EUA ou da Suécia e pagar 10 vezes mais para não comprar algo feito por trabalho escravo. Quero ver não comprar aquilo que só é fabricado em países com trabalho análogo à escravidão.

Ninguém faz isso, por um motivo muito simples: é muito oneroso. Você teria que abrir mão de ter um smartphone, já que certas peças obrigatoriamente vêm desses países. Teria que desistir de ter um carro. Teria que desistir de muitas coisas que são, hoje, instrumento de trabalho de muita gente. Eu entendo que não se possa viver sem eles, pois isso significaria não conseguir trabalhar e não conseguir pagar as contas no final do mês. Mas não dá para ostentar virtude quando você consome regularmente produto de trabalho escravo.

Então, vamos estabelecer uma verdade inconveniente aqui: todos nós consumimos produtos de trabalho escravo. Quem tem mais consciência consome menos, cortando todas as marcas que pode, todas as comprinhas em site oriental, todos os produtos que não são essenciais. Mas, ainda assim, fatalmente consumimos trabalho escravo.

Por isso me surpreende o discurso de falsa superioridade moral que vi vinculado a essa notícia. A pessoa que critica em tom de superioridade quem consome produto fruto de trabalho escravo é tão ignorante quando a que diz que não é trabalho escravo pois os trabalhadores eram remunerados. Mesmo os virtuosos e críticos da situação estão errados: cuidado com o discurso condenando uma coisa que você também faz.

O foco da discussão também está errado. Não é sobre esse caso isolado. Não é deixar de consumir uma marca. É hora de pensarmos no modelo de produção mundial, na forma como lidamos com consumo e em tantas outras questões maiores. Ou escravidão só é indignante quando acontece no Brasil?

Obviamente este caso concreto precisa ser investigado e severamente punido, algo que eu acredito que vá acontecer, por causa do clamor popular que ele despertou. Mas não dá para fazer desse caso a sua cruzada pessoal, como se, resolvendo-o se resolvesse todo o problema do trabalho escravo.

Ainda existe muito trabalho análogo a escravidão no Brasil. Muito mesmo, muito mais do que as pessoas supõem – e muitos deles perpetrados ou endossados por políticos e empresários. Quem está no poder não vai se mexer para acabar com alguns deles. Se o povo não fizer barulho, vai ficar tudo como está e só vai virar denúncia quando for sobre alguém que não é amigo do rei.

Então, esse caso é apenas um lembrete de algo muito maior que precisa ser olhado. Quem faz textão, xinga muito no Twitter ou qualquer outra manifestação jogando o problema todo na conta deste caso também pratica o desfavor. Tem um país e um mundo para resolver. Não adianta matar uma formiga, tem que acabar com o formigueiro.

Repito: olhar para esse caso e pedir por punição não é errado, é necessário. Errado é só olhar para esse caso e só pedir punição para este caso. Isso é apenas manifestação egóica para conseguir atestado de boa pessoa. Todos nós somos parte do problema, qualquer pessoa consciente fala sobre o assunto com vergonha, com pesar, se inserindo no problema e não arrotando virtudes.

Não dá para tirar o corpo fora com uma fala simplista como “eu nunca escravizei ninguém”. Todos nós participamos desse mecanismo, consumindo produtos fruto de trabalho escravo. Se você não estava consciente disso, agora está. O que vai fazer a respeito?

Para dizer que me odeia por agora estar consciente disso, para dizer que se você não viu então não sabe que é trabalho escravo ou ainda para dizer que as crianças chinesas gostam de costurar em porões: sally@desfavor.com

SOMIR

A escravidão é muito antiga, mais antiga até que a ideia de salários. Durante a jornada da humanidade rumo ao mundo moderno, diversos sistemas de trabalho não remunerado fizeram parte de grandes e pequenas sociedades. E em graus diferentes de brutalidade também.

De uma certa forma, é um alento que a ideia de escravidão na cabeça do cidadão médio em 2023 esteja ligada com a brutalidade da escravidão dos africanos trazidos para as Américas poucos séculos atrás. Talvez se o conhecimento viesse da forma como os romanos faziam, com alguma forma de mobilidade social, ou mesmo como os africanos faziam no seu próprio continente, usando trabalho como moeda de troca temporária, não tivéssemos essa rejeição tão primal ao conceito.

Não é uma boa coisa que a escravidão brasileira, por exemplo, tenha sido baseada em abusos humanitários terríveis, mas dadas as condições, pelo menos é para o brasileiro médio imaginar chibatadas e miséria absoluta quando pensa em escravidão. Isso gera uma camada de proteção para quem quiser relativizar a prática: custa muito caro ser pego escravizando os outros, você é comparado com o pior do pior da humanidade.

Só que vendo algumas das reações sobre o caso, eu percebi que a vontade das pessoas de pintar a coisa como menos horrível do que realmente é continua forte. Talvez tão forte quanto foi em civilizações muito mais antigas. O grande diferencial do século XXI num país democrático como o Brasil é que não é mais tolerável ser pego escravizando alguém.

É aquela velha história de querer controlar uma sociedade por medo de punição: funciona com ressalvas. Se a ideia do crime em questão não estiver internalizada, vira uma questão de calcular custo e benefício. Quem não mata só porque tem medo de ser preso não é uma pessoa segura de se ter por perto. Afinal, se ela achar que pode escapar impune, não tem mais nenhuma trava de segurança dentro da cabeça.

É a minha crítica fundamental à religião: quando um religioso descobre que sou ateu e me pergunta por que eu não saio matando e estuprando por aí, eu fico chocado (e às vezes assustado) com o que se passa na cabeça dela para sequer fazer essa pergunta. Será que ela só não mata e estupra porque acha que tem um ser mágico nos céus pronto para puni-la?

O que me faz voltar para o ponto da escravidão. Sim, é consenso entre o nosso povo que é errado escravizar o outro, mas será que é só porque na cabeça deles isso significa que o escravocrata está ferindo diretamente o escravo? Será que a ideia central de que um ser humano tem direitos fundamentais e escravizá-lo é uma forma terrível de tortura psicológica também? Que é feito por ganância psicopática?

A imagem do escravo não pode ser só a do negro trazido da África sendo espancado séculos atrás. Se um povo for limitado o suficiente para achar que essa é a combinação exata que configura escravidão, qualquer variação pode fazer a pessoa achar que podemos relativizar. Até a ideia de um salário de mentira, como é o padrão da escravidão moderna, passa por baixo do radar. Será que essa história do Rio Grande do Sul só ganhou tantos holofotes por causa das descrições de violência física?

Será que somos tão contra a escravidão assim? Ou será que precisamos de uma cena tão horrenda como a da notícia em questão para achar que passou do limite? O limite começa e termina no trabalho escravo. Escravidão não é a violência física contra uma pessoa explorada, é explorar o trabalho da pessoa sem que ela tenha compensação ou mesmo que tenha capacidade de entender que a compensação é mentirosa. Quando você exige um plano de fuga corajoso para escapar de uma fazenda, é escravidão. Mesmo os que não apanharam estavam sofrendo um abuso terrível.

A parte da violência é algo que se soma ao crime fundamental de escravizar outro ser humano. É o erro ao quadrado. Gente que não é compensada de forma justa pelo trabalho está sendo escravizada, mas de forma socialmente aceitável. Socialmente aceitável porque como Sally bem disse, nossa economia depende de trabalho escravo. Já estamos usando robôs, mas eles são de carne e osso. Os preços de praticamente tudo o que consumimos diariamente são deflacionados por pessoas que trabalham para continuar passando fome.

Não é o argumento falacioso que aquelas empresas usando escravos são menos ruins porque a economia mundial usa escravidão também. Estão todos errados, e quem usa violência física cometeu crimes a mais. Muito me preocupa que o cidadão médio ainda tenha algum conceito de “escravidão do bem”, de ter alguns limites imaginários sobre o que configura explorar outro ser humano e se sentir bem quando se beneficia disso.

Como disse no começo, escravidão é muito antiga, muito arraigada na mente do ser humano, e eu temo que se os escravocratas dos séculos passados tivessem sido menos violentos, as pessoas hoje em dia fossem ainda mais neutras sobre toda a ideia. Escravidão não é sobre negros, brancos, amarelos ou vermelhos… não é sobre violentar ou prender o escravo. É sobre desumanizar. Existem muitas formas de transformar gente em gado, nem todas são tão óbvias. Nossa sociedade foi construída por escravos, nossa sociedade ainda depende de escravos.

Parece que estamos apenas esperando a tecnologia entregar mão de obra parecida (mais barata e/ou com menos problemas legais) com robôs para finalmente deixar esse capítulo da nossa história para trás. Acho pouco. Acho bem pouco.

Se este texto servir para uma coisa, que seja para espalhar a ideia de que escravidão é muito “menos” do que a violência e a crueldade absurdas expressadas na notícia mais popular da semana. Ela começa bem antes, ela destrói vidas e famílias debaixo dos nossos narizes, narizes que por sinal são subornados pelos preços baratos que a escravidão menos óbvia permite.

Não podemos relativizar escravidão. Fazemos isso há milênios sem sucesso. Tento viver com um pouco menos pagando um pouco mais para evitar produtos que dependam de escravidão. Não é um sistema perfeito, eu com certeza consumo coisas que dependem dessa prática horrível sem nem imaginar, mas é um começo. É alguma coisa. Qualquer forma de abolição final de escravidão vai ter que passar pelo consumidor final, e infelizmente, muita gente sequer pode viver sem os preços criados por ela… complicado de resolver, de verdade.

Mas desistir e fingir que não é com você não é a resposta. A história está aí para comprovar.

Para dizer que cada um com seus problemas, para dizer que olhou para seu trabalho e só falta a chibata mesmo, ou mesmo para dizer que o texto da Sally foi mais limpinho: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: , ,

Comments (13)

  • “Tudo bem que escravizar alguém é mais reprovável do que comprar coisa fruto de trabalho escravo, mas quem compra está longe de poder dar lição de moral no tom em que estão dando”.

    Não só quem compra, mas também quem investe nessas empresas diretamente adquirindo debêntures, ações, ou indiretamente por meio de fundos de investimento. Antes achava essa questão de sustentabilidade tão power flower, mas hoje em dia…

    • E quem vai e paga um salário mínimo por uma entrada no Loolapalooza também não tem a menor moral pra ficar reclamando, até porque eles foram pegos DE NOVO com gente subcontratada trabalhando em condições análogas a escravidão.

  • Aqui na região Norte é bem comum pessoas “adotarem” crianças para fazê-las de escravas domésticas. Acho que alguém comentou aqui que isso é bem comum, sair e “pegar criança”. Conheci pessoas que fizeram isso, a criança não ia para a escola e fazia somente trabalhos de limpeza e cozinha. A meu ver, isso é uma (das inúmeras) forma de escravidão “aceitas” pela sociedade. Quem vai querer pagar uma empregada com férias e tudo? Revoltante.

    • Sim, e trabalhos domésticos é na melhor das hipóteses…
      O brasileiro precisa ser ensinado sobre o básico do básico de direitos humanos, está faltando base.

  • A reação do cidadão médio, insensível e escroto frente ao problema, é da maioria da sociedade que ainda é escravocrata na raiz e de berço …the horror!!!

  • Volta e meia vem a meu conhecimento casos assim.
    Geralmente se recrutam pessoas em bolsões de pobreza e com um nível educacional rudimentar, se fazendo o tráfico das pessoas para o local de trabalho forçado, se utilizando da dificuldade de tais pessoas para construir contatos em seu próprio proveito, mantendo-se impunes graças a isso.
    Nesse caso, os recrutados vieram da Bahia ao que não me engane, mas por aqui, os casos mais comuns que ocasionalmente tomam o noticiário regional aqui tem pessoas provenientes do estado do Maranhão.
    Em casos assim, não se tem tão somente a pena de trabalho análogo a escravidão como também a pena por TRÁFICO DE PESSOAS.

    • Feudo político dos Sarney há mais de meio século, o Maranhão é, de acordo com os dados do IBGE divulgados em 2022, o Estado mais pobre do Brasil, e abriga também o município mais pobre do país (Matões do Norte). Alguns inicadores sociais maranhenses são aberrantes, incluindo cidades cujo IDH é comparável ao de lugares miseráveis da África subsaariana. Por isso, não me admira que haja tanta gente de lá passando por esse tipo de situação, o que é muito triste. E também é preocupante que casos como o citado na postagem ainda aconteçam e que tão pouca gente se sensibilize com tamanho horror.

      • Se você olha pro retrospecto, bem… Não é lá tão lisonjeiro não.
        O tráfico negreiro deixou de ser uma coisa da realidade cotidiana já em meados do século XIX e isso porque os britânicos ameaçaram com tiro, porrada e bomba caso interceptassem embarcações provenientes do Brasil apressando negros para trabalhar como escravos e ao contrário do que um livro didático típico dizia, isso não se deveu a interesses humanitários para com os negros e sim por interesses (neo)colonialistas por parte dos britânicos.
        Isso jogou o preço dos negros para a faixa do conto de réis (o que naquela época era muito dinheiro), tornando isso um bem ao qual só os mais abastados tinham acesso e mesmo assim, manter a produção no velho modelo escravista começou a se tornar inviável já naquela época.
        A solução? Bem, foi recorrer a imigrantes com promessas de riqueza e de uma vida melhor, com muitos indo trabalhar como “meeiros” nos cafezais aqui de São Paulo, sendo que por conta da questão do contrato que permitiu a imigração, os mesmos tinham obrigação de ficar por um tempo trabalhando para o dono das terras, que arrendava e ficava com sua parte garantida, deixando os imigrantes com a responsabilidade pela produção e inclusive com o ônus pela vinda para o país, em contratos que os prendiam a terra por períodos que chegavam a alguns anos.
        Alguns vieram em condições financeiras melhores e tiveram condições para prosperar mais e na média o grupo dos imigrantes prosperou, mas grande parte da população negra que subsistia passou a ficar às margens dessa prosperidade.
        A abolição em fases foi trazida por costuras parlamentares, sendo que aquela que denominam a Lei do Ventre Livre (1871) também estabelecia a “alforria” dos escravos que estavam a serviço da coroa e aquela que denominam como Lei dos Sexagenários (1885) tinha como meta o fim da escravidão em 1900, com a libertação dos mesmos e o pagamento de valores quase que simbólicos para os senhores escravagistas, mas a lei de 1885 conseguiu irritar tanto os abolucionistas quanto os escravagistas, ainda que por motivos diferentes, sendo que a partir daí se teve toda uma política no sentido de se precipitar a abolição da escravatura, com os agentes se negando a recapturar os eventuais fugidos, que passaram a se virar a própria sorte.
        Logo depois da lacônica “Lei Áurea” se passou a ter pressão por parte dos senhores escravagistas no sentido de angariar vultosas indenizações por parte da coroa pelos libertos. A família imperial fez vistas grossas quanto a isso e a situação foi contida até o baile da ilha fiscal, sendo que isso foi a gota d’água para a armação do ardiloso golpe que culminou naquilo que chamamos de Proclamação da República.
        A pressão por indenizações se manteve durante a República até que Rui Barbosa mandou incendiar os registros que tratavam das negociações de escravos no Rio de Janeiro (então capital do país) e a despeito da declaração pretensamente humanista de querer apagar da história o passado escravista, a intenção na verdade era a de frustrar as constantes pressões por parte dos senhores de escravos em torno de indenizações pelos libertos. De qualquer forma, o “encilhamento” ajudou a dissuadir essas pressões que se faziam presentes no final do Império e no início da República brasileira.
        O ciclo da população inflada pelos imigrantes europeus, que tomaram o rumo de São Paulo e também da região sul do país, prosseguiu até a época da Segunda Guerra Mundial, sendo que o “baby boom” que se seguiria a isso no país foi inclusive mais considerável em níveis proporcionais no Brasil do que foi nos EUA.
        Por volta da década de 1950, começam a ganhar força os ciclos migratórios vindos do nordeste do país em direção a São Paulo. Também nessa época, muitos migrantes de tal região tomaram o rumo de Brasília, contribuindo na construção da cidade principalmente no trabalho braçal, sendo esses os populares Candangos. Essa mão de obra também foi importante nas grandes obras do período militar. Na década de 1970, ganha força os fluxos de pessoas provenientes do sul do país em direção a região centro-oeste e mesmo ao norte do país.
        De qualquer forma, se manteve no decorrer desse tempo muita gente trabalhando em condições muito precárias e em parte importante dos casos bem além do que era estabelecido na lei.
        Hoje o trabalho análogo a escravidão geralmente é combinado com a arregimentação de pessoas em bolsões de pobreza, salvo quando se trata de tráfico internacional de pessoas para fins de prostituição, onde o foco é principalmente em mulheres de classe média a baixa, que muitas vezes ficam vislumbradas com a possibilidade de uma vida melhor no exterior.

  • “Será que essa história do Rio Grande do Sul só ganhou tantos holofotes por causa das descrições de violência física?”

    Infelizmente acho que o Somir acertou aqui…

    Eu conheço uma empresa que fornece a casa pros trabalhadores, quase todos nordestinos. O aluguel vem “descontado do salário”, mas ninguém sabe quanto é (nem o aluguel, nem o salário). Se a pessoa é demitida, perde a casa – no dia seguinte o patrão tá lá com um trabalhador novo pra ocupar a casa.
    Desde o início da Covid não é possível afastar os trabalhadores com sintomas gripais, porque se não eles são demitidos e vão pra rua.

    Já denunciamos inúmeras vezes, eles simplesmente só trocam os nordestinos…
    Esse tema realmente pega forte em mim, porque me revolta tratarem gente dessa forma.

    • Caramba, Nanda… Tenho até medo de pensar nas situações abjetas que você deve já ter presenciado. Às vezes, eu me pergunto se somos mesmo todos da mesma espécie, viu? Porque não dá para aceitar que seres humanos façam esse tipo de coisa a seus semelhantes…

  • “hora de pensarmos no modelo de produção mundial” é isso. Boicote ajuda, mas é remediar. É hora de ver um mundo no quão não precisamos andar todo o tempo com o smartphone na mão, por exemplo. Alguns itens “essenciais” apenas são essenciais devido o modus operandi em que as sociedades vivem. Exploração não surge porque alguém acordou numa manhã e decidiu que tocaria seus negócios assim…

    E o problema da escravidão não está apenas nos produtos que consumimos sabendo ou não da procedência dele, mas principalmente nos discursos entre a classe média. É muito comum, por exemplo, “se quer condições melhores, se qualifique”. Já temos diferentes tipos de cartas de alforria.

    E quanto à automação, que poderia ser pelo menos um alívio para esse tipo de problema, mesmo os mais antiworkers precisam parar de se ver sempre como vítimas de ricos, do sistema, etc., como se não pudessem escapar disso.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: