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Colunas

Marcha da tecnologia.

Cada vez mais carros adotam o câmbio automático, eliminando o pedal da embreagem e todo o processo de troca de marchas no processo. Sally e Somir se viram em ambas as modalidades, mas tem suas preferências. Os impopulares seguem o movimento, de preferência sem trancos.

Tema de hoje: o que é melhor de dirigir, carro automático ou manual?

SOMIR

Eu gosto mais de dirigir com câmbio manual. E não, não vou seguir o clichê preguiçoso de dizer que carro automático é coisa de menininha. Da última vez que troquei de carro, tive uma boa oportunidade com um carro automático e resolvi aproveitar. Tive experiência com ambos os tipos, e por mais que o automático tenha algumas vantagens, especialmente em conforto, eu trato a questão de ser melhor para dirigir como o prazer em dirigir.

E tem algo no câmbio manual que o automático não substitui, que é a sensação de controle sobre uma máquina de mais de uma tonelada acelerada a velocidades fatais. Quando você está trocando as marchas, quem define até onde o motor poder ir é você; se quer sentir o banco colando nas suas costas ao acelerar, vai precisar de um carro esportivo automático ou qualquer carrinho vagabundo manual.

Pode ser uma coisa idiota, aliás, com certeza é uma coisa idiota, mas eu sempre achei divertido ser o primeiro a sair depois que o sinal fica verde. Quando eu tinha um carro bem tosco manual, eu sempre fazia isso. Troquei por um carro bem melhor automático e nunca mais tive essa sensação, a maldita máquina faz o carro sair mansinho, nunca mais brinquei de largada de Fórmula 1 contra carros muito mais poderosos que o meu.

Não precisa gostar de fazer isso para concordar comigo, é mais sobre como você se sente mais conectado com o carro quando ele tem câmbio manual, todo o processo faz mais sentido na minha cabeça quando eu estou gerenciando a potência do motor aplicada às rodas. No carro automático a coisa fica mais impessoal, diria que impessoal ao ponto de começar a mexer com a sua percepção sobre o perigo.

Explico: quanto mais noção você tem sobre a aceleração do carro, mais ele ativa uma parte do seu cérebro que coloca o carro como uma extensão do seu corpo. Você sente a velocidade e sente como suas ações interferem no seu movimento. Pelo menos para mim, isso faz com que eu fique mais sensível ao carro como um todo, e não fique relaxado demais achando que estou só sendo levado por uma máquina.

E muitos estudos já comprovam que o ser humano dirige melhor quando sente mais o risco de dirigir. Tem um exemplo famoso na Inglaterra de que ao tirar sinais de uma rotatória, descobriram que o número de acidentes e atropelamentos diminuiu imensamente. As pessoas não confiavam cegamente nas luzes vermelhas e verdes, elas olhavam o que acontecia e entravam só quando sentiam confiança. E como os motoristas precisavam prestar muito mais atenção, viam os pedestres com muito mais frequência.

Tem um fator psicológico de segurança de se sentir menos “protegido” por máquinas e sistemas externos, porque isso te força a ficar muito mais ligado nos seus arredores. Câmbio automático é o tipo da tecnologia que terceiriza uma preocupação humana para a máquina, e com isso sempre se aumenta o risco de a pessoa distrair ou se achar segura mesmo quando não está.

Muitas vezes eu tenho que forçar a barra para prestar atenção no movimento do carro com câmbio automático, porque parece mágica mesmo. É mais fácil dirigir, dá para escutar mais o rádio, olhar mais para o caminho, prestar atenção em placas de carros, pessoas estranhas e tudo mais que sempre está disponível janela afora do seu veículo. Um conforto que pode levar ao descuido.

Eu já estou mais velho e já sou mil vezes mais responsável ao dirigir que era do que o tempo que meu cérebro ainda não estava totalmente formado, as bobagens que eu fazia de acelerar demais ou atravessar cruzamentos sem olhar não faço mais, meu último acidente foi há muito tempo, e tenho bônus quase igual ao de mulher ao renovar o seguro. Mas isso não me deixa confiante demais: trânsito é atenção, e carro automático é o tipo da coisa que te tira atenção do veículo.

Por incrível que pareça, eu me sentia mais ligado quando tinha câmbio manual, não era um esforço manter o foco no trânsito porque sempre tinha que controlar a aceleração, voltar na primeira marcha ao sair, gerenciar reduções e definir potência para uma ultrapassagem. O carro me chamava de volta várias vezes, e isso me dava uma noção maior de onde eu estava e o que acontecia ao meu redor.

Dito isso, tem algo psicológico também na sensação de poder que você tem ao controlar mais o carro. Não sei se funciona parecido com mulheres, mas meninos serão meninos: parece que quando você está trocando as marchas, é você que está acelerando aquela máquina mortífera, e é uma sensação muito boa. No automático a graça se perde, porque sempre parece que você só está indo do ponto A ao B, que o carro é uma entidade separada e seu poder não se soma ao seu.

Ainda me sinto bem no controle sobre meus movimentos e esperto o suficiente, então ainda tenho saudades do câmbio manual. Talvez quando estiver mais idoso e sentindo os reflexos mais lentos eu comece a me sentir mais protegido com o câmbio automático. Eu não gastaria dinheiro para voltar ao câmbio manual, afinal, eu não sou fanático por carro ou direção, mas se for trocar de carro de novo, vou dar um bônus para o carro manual por causa das coisas que me fazem falta no automático.

Não muito também, porque eu sou nerd e só desperdiço dinheiro no meu computador, o carro é bem mais utilitário na mente e no bolso. Mas que na comparação o carro manual é melhor de dirigir, isso eu tenho certeza. Nem sempre o mais confortável é o melhor para você. Carros gigantes são inúteis na cidade mas são mais divertidos, carros manuais são menos práticos mas são mais interessantes.

E isso conta. Se você souber o que está fazendo e já tiver aprendido que dirigir é uma responsabilidade enorme, o câmbio manual tem um fator extra que o automático nunca vai substituir.

E, claro, a tecnologia avança. Se um dia os carros manuais sumirem, vida que segue. Mas não se prive da experiência de brincar com um antes disso.

Para dizer que eu sou menininha, para dizer que é muita vontade de pegar na alavanca, ou mesmo para dizer que prefere câmbio na mão do motorista de Uber: comente.

SALLY

O que é melhor de dirigir, carro automático ou manual?

Se você pudesse voltar no tempo, logo após o lançamento dos primeiros carros e perguntasse às pessoas o que era melhor dirigir, um carro ou uma charrete, a maior parte diria a charrete, pois era o que eles estavam acostumados e circulavam muitas lendas sobre carros, por exemplo, que os motores explodiam. O mesmo acontece com carro automático x manual.

Obviamente é melhor dirigir um carro automático. E não é só para o motorista, é melhor para todo ser humano, sobretudo para o que está no banco do carona, pois eu conto nos dedos da mão direita as pessoas que sabem passar marcha corretamente, no tempo certo, com a suavidade certa, sem fazer o passageiro enjoar, vomitar ou pisar no freio imaginário.

As pessoas simplesmente não sabem passar marcha. Prolongam demais o tempo entre uma marcha e outra (o barulho do motor deveria ser substituído por uma série de xingamentos, para ver se essas pessoas criam vergonha na cara), dão trancos entre uma marcha e outra (qual é a dificuldade de soltar a embreagem suavemente? Nunca saberemos) e tem um grupo muito peculiar de anormais que simplesmente não passam a quinta marcha, por motivos que meu cérebro não consegue sequer cogitar.

Eu desisti de andar de carona em carro por causa da direção desastrosa dos outros – e olha que eu não sou um ás no volante. Sempre que alguém me diz “ai eu sempre enjoo quando ando de carro” eu convido a pessoa a dar uma volta comigo. E curiosamente, comigo a pessoa não enjoa, pois, mesmo com as minhas dificuldades espaciais, eu sei passar uma porra duma marcha de forma suave e imperceptível, evitando trancos, desaceleração e todo o resto que causa enjoo.

Mas imagina se o povo vai admitir que não sabe dirigir bem… não vai. Muitos nem devem ter reparado, outros sentirão o ego ferido e dirão que é frescura minha. Não é uma opinião minha, pergunte a qualquer mecânico que trabalhe com um grande volume de veículos no Brasil se as pessoas sabem passar marcha ou se destroem a porra das peças e forçam a porcaria do motor.

Dirigir bem não é fazer o carro te levar de um ponto a outro. Isso é colocar o carro em movimento. Dirigir bem é, entre outras coisas, respeitar a mecânica do carro e a capacidade do motor, fazendo com que ele rode da forma adequada. E eu não sei qual é a disritmia mental das pessoas que as impede de perceber as necessidades do motor e passar a porra da marcha da forma correta.

Fora as falhas ainda mais grosseiras de tentar engatar uma marcha e ela não entrar, dando aquela arranhada grotesca. Aquilo dói em mim, a pessoa que menos se importa com carros da face da Terra. É realmente tão difícil acertar um buraco? Muita pena das parceiras desses homens, devem ter as coxas cheias de hematomas.

A verdade é que, por mais que você não se enquadre nessa estatística, a maior parte das pessoas dirige mal, especialmente no que diz respeito às marchas do carro. E isso por si só já seria um problema, mas, na atual realidade, é pior ainda.

Em uma sociedade demandante, multitarefas, já seria muito melhor dirigir um carro automático. Quanto menos tarefas o motorista tiver que executar, melhor. Principalmente em um país como o Brasil no qual a maior parte dos motoristas são imbecis (vide o país recordista em mortes no trânsito) e enfrentam trânsito todo dia (o que implica em trocentas trocas de marcha manual). Muito mais quando falamos de uma sociedade na qual a maior parte das pessoas não sabe usar as marchas adequadamente.

“Mas Sally, se é tão ruim, por qual motivo quase todo carro é manual?”. Por ser mais barato. Por gastar menos combustível. Por uma série de fatores não relacionados à direção em si. E “quase todo carro” só se for no Brasil, no mundo, o número de carros automáticos já superou o de carros manuais.

No Japão mais de 90% dos carros são automáticos. Na Noruega mais de 90% dos carros são automáticos. Na Suécia mais de 90% dos carros são automáticos. Mas bom mesmo é carro manual, né? Bom mesmo é o que o Brasil faz, este país com IDH de matagal africano.

Quanto mais coisa o veículo escolher pelo motorista, melhor. Máquinas falham menos do que humanos. E quando os motoristas são, em sua maioria, imbecis, melhor ainda. “Mas Sally eu não gosto”. Se você não gosta, realmente não importa, é melhor delegar tarefas para um carro, que erra menos. E, sinceramente, o não gostar é falta de prática. Depois que você se acostuma, é muito melhor dirigir um carro automático, basta vencer o pânico inicial.

O problema é que tem gente que é engessada. Os mesmos anormais que se recusam a comprar um Kindle por gostam de “cheiro de livro”. Vai andar de carroça logo. Vai andar no lombo de um jumento. Não tem nenhuma chance de algo amplamente adotado na região da Escandinávia não ser melhor do que algo amplamente adotado no Brasil.

Eu reconheço minha condição de humana, portanto, falha. Eu reconheço que estamos em um mundo com múltiplas distrações, portanto, tornando desejável terceirizar tudo que for possível para o automatizado. O carro escolher quando vai passar a marcha é muito melhor e mais fácil do que o ser humano escolher quando vai passar a marcha.

O carro vai saber muito melhor do que você quando trocar de marcha e você terá muito menos trabalho delegando essa função a ele. E a pessoa que vai no banco do carona não vai ter as tripas reviradas por solavancos ou o emocional dilacerado por um motor torturado. Podendo delegar para uma máquina, delegue. Salvo que você seja um ser humano excepcional no que faz, a probabilidade é de que a máquina seja melhor do que você.

Essa “preferência” por carro manual é costume, é apenas costume de latino-americano que parece ter prazer em fazer um zilhão de trocas de marcha no acelera/para do trânsito. Melhorem.

Para confundir carro automático com direção automatizada, para dizer que prefere manual sem nunca ter dirigido um automático ou ainda para dizer que semana que vem quer ver o Somir debatendo maquiagem comigo: comente.

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