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Questão de desgosto.

Questão de desgosto.

| Desfavor | | 10 comentários em Questão de desgosto.

Finalmente o Desfavor traz um tema importante para a humanidade. Os impopulares imaginam em detalhes.

Tema de hoje: se você fosse forçado a escolher entre beber a urina de um mendigo ou comer suas próprias fezes, o que faria?

SOMIR

Sally não me deixou escolher a morte. Portanto, eu vou para a segunda pior opção: consumir algo que já estava dentro do meu corpo. Sim, eu escolho comer o meu próprio cocô do que beber mijo de uma pessoa aleatória, especialmente no caso de um mendigo.

Eu já disse antes e repito: muito do que consideramos nojento é mais uma questão de percepção social do que propriamente um risco à saúde. São comportamentos aprendidos e reforçados no nosso convívio que tem o benefício de reduzir a chance de contaminação e doenças, mas que no fundo no fundo (do intestino?) são coisas dentro da capacidade do nosso corpo de lidar.

Brasileiro tem hábito de banho diário, vários outros povos não têm. Inclusive em países cuja saúde média do cidadão é bem melhor, como em várias partes da Europa. O nosso paradigma social nos faz sentir fedidos e sujos se pularmos um dia. O paradigma social desses povos é passar um perfume e seguir a vida como se nada.

Pois bem, tomar banho todos os dias não é essencial para ter saúde. E dependendo do seu grau de esforço físico diário, provavelmente nem o suficiente para que você tenha um cheiro muito forte. Muda o fato que o brasileiro se sente mal se não tomar banho todos os dias? Não muda. Eu faço porque meu cérebro já está montado desse jeito, eu me sinto mal se não fizer.

Digo isso porque tem um fator psicológico na minha escolha: eu concedo o ponto que urina é uma substância mais inerte que fezes, a chance de pegar alguma doença é maior com as fezes, mas em ambos os casos não é como se você fosse fazer isso e cair morto na hora. O corpo humano é uma máquina de filtrar porcaria, temos milhões de defesas contra patógenos. Considerando a média de tentativas de invasão, células cancerígenas e todo tipo de problema que nosso corpo elimina a cada minuto, estamos bem-preparados para a maioria dos problemas.

O fato psicológico de consumir dejetos de outra pessoa em comparação com os meus pesa aqui. Comer cocô deve ser uma coisa horrorosa, o cheiro é um bom indicativo de como a natureza não queria que a gente fizesse isso; mas tem algo profundamente mais horroroso na ideia de consumir algo que veio de dentro de outra pessoa.

E ser um mendigo pesa. É colocar muita aleatoriedade na urina em questão. Minha mente ficaria em pânico com todas as possibilidades de contaminantes e doenças, o que provavelmente tornaria o processo de ingerir o líquido ainda mais incômodo. O cocô é mais horrível em comparação, mas eu sei exatamente o que tem nele: eu.

Se eu estou vivo até agora, é porque provavelmente o que quer que passeie pelo meu intestino não consegue me matar. E com algum tempo de preparação, eu poderia até adequar minha dieta para deixar esse cocô com características mais práticas para o consumo. Sally está me punindo por escrever meus textos na hora do almoço, percebo agora. Porque eu estou em dúvida que tipo de cocô seria mais eficiente para comer…

Esse é um problema para o Somir hipotético com uma arma apontada para a cabeça. Provavelmente tem algum tipo de fezes mais prática para comer, acho que em uma ou duas pesquisas eu acho alguém explicando isso. Obrigado, internet!

Mas a alma do argumento é essa: eu prefiro sofrer mais tendo controle da situação do que ter um alento em troca de aleatoriedade. E psicologicamente me parece menos nojento algo meu do que algo de outra pessoa. A gente já faz tanta coisa que nem precisa por causa dessa percepção de asseio puramente ideológica que já faz parte da visão de mundo. É menos nojento se for seu.

E isso pode ser transformado para que você entenda o meu ponto: imagine se a opção fosse entre um mendigo urinar em cima de você ou você fazer cocô nas calças? Em tese continua sendo mais “limpo” lidar com urina, mas salvo algum fetiche, eu duvido que alguém não preferiria ter que jogar fora umas peças de roupa e tomar um banho do que ser literalmente banheiro de outra pessoa.

De onde vem faz diferença. E como em ambos os casos a sua chance de ficar doente é muito baixa, o psicológico conta muito mais. Até porque, repetindo, o que estiver no seu cocô já estava em você. Mais fácil lidar com bactérias e outros contaminantes conhecidos do que os de outro corpo. Você já deve ter todos os anticorpos mesmo.

Eu continuo achando que a morte é uma alternativa válida, mas não vou amarelar (até porque o amarelo ficou com a Sally desta vez) e responder. Comeria meu cocô antes de beber urina de mendigo. Obrigado, Desfavor, obrigado por permitir essas discussões.

Para dizer que volta amanhã, para me chamar de Mamãe Caguei, ou mesmo para dizer que esse é o seu fetiche: comente.

SALLY

Chega de temas sérios, atuais e complexos. Hoje é dia de escatologia! Se você está comendo, melhor voltar depois.

O que você prefere: ter que beber a urina de um mendigo ou comer o seu próprio cocô?

Antes de começar, peço que sejam adultos. Quando propus este dilema ao Somir ele entrou no modo infantil de dizer que preferia morrer. A morte não é uma opção. Escolham uma das duas opções e parem de ser bebês chorões!

Hoje eu decido por exclusão: tudo que não for comer merda eu considero menos pior. Provavelmente vai ter quem venha com alguns argumentos como “prefiro o que vem de mim”, mas eu não concordo. Eu não quero comer merda, venha ela de mim ou do Papa. Comer merda não é uma opção. E me parece bastante razoável que comer merda não seja uma opção.

Eu prefiro beber urina de um mendigo (da série “frases que nunca pensei que escreveria”). Sim, o fato de ser de um mendigo é péssimo, mas a experiência de beber me parece menos desagradável do que a de comer.

Percebam: comer, é comer. Tem que comer. Vomitou? Tem que comer novamente. Comer cocô seria uma tarefa demorada e nojenta demais para encarar. Foda-se que é meu cocô, todo cocô é nojento. Não fica menos nojento comer merda se a merda for minha, parem de ser egóicos!

Beber é algo mais fácil. Você tampa o nariz e vira. Eu poderia pegar doenças? Provavelmente sim, mas suponho que nada que uma dose cavalar de antibiótico não resolva. Hoje é possível controlar até a infecção por HIV se agir rápido (não é o caso, é apenas para citar como mesmo doença sérias podem ser contornadas se agirmos imediatamente).

Provavelmente eu também poderia ter uma série de problemas ao comer meu cocô, até onde eu sei, eu não cago esterilizado. Existe um bom motivo pelo qual a maior parte dos seres humanos sente repulsa ao pensar em comer merda: faz mal, não é indicado, gera problemas. Mesmo que seja a sua merda.

Então, se é para fazer algo antinatural e que pode causar problemas, eu vou na urina, inclusive pensando do ponto de vista científico: urina tem menos impurezas tóxicas do que fezes. O próprio corpo se encarrega de dar um “aviso” (o cheiro repulsivo) para aquilo que é pior.

A urina de um mendigo cracudo e sifilítico é pura? Não, provavelmente é mega contaminada, mas eu prefiro me entupir de remédios para tratar o que quer que seja a um looping infinito de comer cocô vomitado que, no final das contas, também traria problemas para o meu corpo.

Provavelmente se eu me colocasse em uma situação de privação de líquidos, sentisse muita sede, poderia virar um copo de urina sem tanto sofrimento. Ficar com o nariz tampado nas 24h seguintes para ter certeza de que não sentiria o gosto, quem sabe. Cocô não, cocô tem que mastigar, tem que sentir texturas, tem que arrotar esse sabor depois. Eu avisei que não era para ler se estivesse comendo.

Beber algo ruim e no segundo seguinte beber algo bom atenua o sofrimento, ajuda a tirar o gosto. Um copo de Coca-Cola, um copo de cachaça, o que você quiser. Comer algo por cima de uma coisa ruim só aumenta o enjoo.

Eu sinto que tenho menos recursos para lidar com a ingestão de fezes, sabe? Existem seres humanos que bebem urina diariamente (urinoterapia), e, por mais insanos que eu os ache, eles mostram que beber urina é uma tarefa possível. Quantas pessoas você vê fazendo “merdoterapia” e comendo bosta? Não vê.

No máximo vemos pessoas que têm uma tara ou um problema mental qualquer que as faz comer merda. Por eleição, voluntariamente, sem qualquer distúrbio mental, uma pessoa não come merda. Deve ter um bom motivo para isso, certo?

“Mas Sally, bebendo urina de terceiros eu não posso morrer?”. Se tomar todas as precauções para se cuidar depois, não. Na real, todos nós comemos merda e bebemos urina sem saber. Se isso matasse, já estávamos todos mortos. Na minha opinião a decisão de hoje nem é tanto sobre saúde e sim sobre a viabilidade do ato.

Muita coisa que a gente come ou coloca na boca está contaminada, desde a água da praia até comida de restaurante. As consequências no organismo não são tão trágicas, o trágico é o processo de comer merda consciente e em grandes quantidades.

Acho que muita gente se deixará intimidar pelo fato da urina ser de um mendigo e já encerra a questão aí, sem pensar no que realmente implicaria comer a própria merda. Se a gente tivesse vontade de lacrar, dava até para empurrar um preconceito de classe aqui. Não temos essa vontade, beber urina de mendigo é realmente muito escroto, mas comer cocô é pior.

Comer merda não dá. Não dá. Nem que a merda seja minha. Mesmo sendo minha, ainda é comer merda.

“Mas Sally, eu não pago o Desfavor para isso”. Estaremos reembolsando ao assinante a quantia de 50% da mensalidade do mês de junho em consequência deste texto (essa piada nunca perde a graça).

Para reclamar que o reembolso não caiu na sua conta, para dizer que Veronica Moser discorda de mim ou ainda para dizer que isto não é tema que se apresente: comente.

Comentários (10)

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