Chifre visível?

Salvo algum fetiche, a maioria de nós sente-se terrível ao ser traído(a). Sally e Somir não acham nem um pouco aceitável levar chifre, mas tem um ponto de discussão sobre a publicidade do evento. Os impopulares são fiéis ao assunto.

Tema de hoje: é mais fácil ou mais difícil suportar uma traição quando ela acontece de forma pública e todo mundo está trucidando quem te traiu?

SOMIR

Eu acredito que temos uma personalidade pública e uma privada (trocadilho nem tão acidental), por isso eu prefiro lidar com isso na privada (eu avisei…).

A quantidade de pessoas as quais você está exposto modulam sua forma de agir. Isso é óbvio nas piadas que você faz quando está com amigos próximos e quando está num local público com muitos ouvintes. Mas funciona de forma parecida até mesmo se você gosta de ter atenção: tem gente que fica mais reservada como eu, mas tem gente que fica até maluca de tão empolgada com vários olhos e ouvidos ao seu dispor.

O ponto aqui é que a sua parte que vai lidar com a traição recebida é diferente de acordo com quão pública essa traição se torna. O meu eu reservado é mais capaz de lidar com a situação, afinal, é ele quem tem a experiência com esse tipo de problema. Por mais que existam amigos, familiares e terapeutas para te ouvir e não seja nenhum demérito contar o que sente para pessoas de confiança, o trabalho sujo mesmo é você que faz, isolado na sua mente.

A psicologia só funciona porque o que vem de fora é compreendido e tratado de alguma forma pelo que está dentro do seu crânio. Não existe “feitiço” psicológico que mude o modo de pensar de alguém contra sua vontade. Você pode e deve ter ajuda, mas quem arregaça as mangas e arruma a bagunça mental é você mesmo.

Quanto mais privado for o assunto, mais essa sua parte capaz de lidar com o problema real é ativada. Ter suporte público pode ser muito agradável, é claro, acho que todo mundo se sente bem quando percebe que mais gente concorda com o nosso sentimento. Mas voltando à ideia de terapia: passar a mão na sua cabeça não é caminho para nada. Passar a mão ou bater, que fique claro.

E povão diante da sua história só vai conseguir fazer uma dessas duas coisas. E nem é o baixo Q.I. tupiniquim que influencia nisso, qualquer interação com uma “história de traição” é essencialmente superficial. O terceiro não conhece as pessoas nem a história, ele apenas toma um lado. Alguns se informam mais, outros menos, mas o resultado é parecido: polarização sentimental.

O alento momentâneo de ter esse suporte público não deve ser ruim de sentir, mas é realmente um caminho para lidar com o fato? Eu argumento que não, e que até pode causar novos problemas. O primeiro é que você vai ter dificuldade de refletir sobre o que fez de errado (não que seja culpa da pessoa ser traída, mas ela tem que compreender se fez algo errado na escolha, se viu sinais e ignorou, se estava se desvalorizando, etc.), é muito fácil se acomodar na aceitação popular.

Depois que você cria uma barreira para o seu sagrado direito de perdoar. Mesmo que eu não consiga me ver perdoando uma mulher que me traia, isso não quer dizer que seja impossível como conceito, nem que obrigatoriamente todo mundo vai ficar pior se perdoar. Relações são complexas, e muitas coisas são combinadas entre duas pessoas, fazendo sentido para quem está de fora ou não.

Quanto mais gente entra na sua história, mais fricção surge nela. A gente tem um grupo próximo de pessoas confiáveis por um motivo: são pessoas que te conhecem e que gostam de você, mas também é um grupo limitado. Decisão sentimental não funciona direito se for feita por comitê público. Tem limite de quanta gente pode opinar antes daquilo começar a ficar pesado e confuso para você.

E talvez a maior diferença de ponto de vista entre mim e a Sally por causa dos gêneros: homem traído é ridículo, mulher traída é coitada. Talvez se eu fosse mulher consideraria com mais carinho a hipótese. Mas para homem é duplamente inútil: não só vai ter os problemas de muita gente opinando como também vai ser sacaneado e tratado como verdadeiro culpado por ser traído pela maioria dos homens e das mulheres.

Tudo que o homem ganha é fama de corno. É o jeito que a opinião pública gosta de tratar o tema, concordemos ou não. Se for para sofrer de novo e ser culpado por ser enganado… dá para entender por que um homem não teria a menor vontade de se expor nesses casos. Eu sei que o tema considera que as pessoas estão te defendendo, mas a gente sabe o que estão pensando de verdade.

Até porque o ciclo de notícias sempre vira, e quem estava te defendendo vai para outras pastagens. Normalmente são os querem te atacar que ficam depois. E até mesmo quem te defendeu vai achar o sofrimento do homem tão pouco que logo começa a sacanear também. Mulher ganha biscoito e ficha limpa, homem pode até ganhar seus biscoitos, mas eles acabam mais cedo e não sustentam. A única certeza de tornar isso público é que vai ser motivo de piada e desconfiança sobre seu valor como homem por muito tempo ainda.

Bônus: eu tenho a teoria que se a sociedade fosse um pouco mais clemente com homem traído, conseguiríamos abaixar o número de feminicídios. Não é justificável responder com violência, mas talvez salvasse vidas enquanto não conseguimos controlar o comportamento violento de tantos homens. Eu testaria.

O ser humano passou milênios sem ter milhões de pessoas dando pitaco sobre sua vida pessoal, claramente não é uma necessidade básica. Na dúvida, é melhor ter seu direito ao anonimato quando quiser.

Para dizer que é papo de corno, para dizer que está feliz sendo anônimo(a), ou mesmo para dizer que eu virei redpill (vão se foderem): comente.

SALLY

É mais fácil ou mais difícil suportar uma traição quando ela acontece de forma pública e todo mundo está trucidando quem te traiu?

Pensando sob a perspectiva de quem é traído, acho que é bem mais fácil. Não que diminua a dor do chifre, mas aplaca alguns efeitos colaterais. Percebam que não é só sobre a traição ser pública, é sobre todo o público ficar indignado com essa traição e partir para cima de quem traiu. Sendo este o caso, eu acho mais fácil de suportar, por diversos motivos.

Primeiro que a pessoa que te traiu recebe alguma hostilidade, o que ajuda a atenuar a sensação de injustiça. Não que seja bonito, mas, somos humanos, dificilmente alguém é traído e não sente algum tipo de revolta e desejo de que o outro sofra como fez sofrer, para sentir na pele como é ruim magoar os outros.

Segundo como contenção. Quando a opinião pública está trucidando a pessoa, é mais fácil que o traído tenha alguma vergonha na cara, se recolha e nem procure mais a pessoa traída. Por sua vez, fica muito mais oneroso para a pessoa traída ter uma recaída e voltar com o infiel. Sempre ajuda no processo de livramento não ter a opção ou que a opção seja muito custosa.

Terceiro, pelo fator socioeducativo. Quem sabe, sofrendo uma bela reprimenda social, a pessoa reflita um pouco e perceba o grau de babaquice do que fez e não volte a fazê-lo. Não é sobre aprendizado na dor, ninguém quer que a pessoa seja espancada, perca o emprego, adoeça. É sobre entender a consequência dos seus atos: pessoas se afastam de pessoas sem ética, sem caráter, sem fidelidade. Quem sabe ao ver a reação pública mais pessoas pensem “olha a merda, não é legal fazer isso” e pensem melhor antes de fazer.

Acredito que o fato de ter o apoio público também ajuda. Provavelmente as pessoas serão mais carinhosas, compreensivas e demonstrarão mais afeto. Não que valha a pena tornar algo público para obter isso, definitivamente não vale, mas já que a coisa foi a público, vale destacar esse lado positivo. Acolhimento sempre ajuda. Vitmização não. Passar a mão na cabeça não. Retirar a responsabilidade por uma péssima escolha não. Mas acolhimento sempre ajuda.

Sentir o acolhimento reconforta, não por uma questão de contar pontos, mas porque, muitas vezes, a própria pessoa traída duvida de si mesma, de ter alguma parcela de culpa (culpa é diferente de responsabilidade, ok?) na traição, de talvez estar exagerando e aquilo ser algo perdoável. Não é.

E ver o mundo trucidando quem traiu relembra isso. Uma relação sem confiança não vale a pena. Nunca. Em hipótese alguma. E uma pessoa com a cabeça tão fodida a ponto de trair não vai mudar do dia para a noite por mais arrependida que esteja. Não tem que voltar. Eu levo muito a sério os combinados. O que as pessoas acordam comigo é um contrato. Quem não cumpre contrato não serve para estar ao meu lado.

Até como medida geral eu acho que tem sua utilidade: fica dado o aviso, aquela pessoa trai. Não que pessoas não possam mudar, elas podem e frequentemente mudam, mas, para mudar demanda tempo e um esforço específico voltado para isso: terapia, autoconhecimento, reconhecer seus erros, reflexão, algumas horas do dia dedicadas a saúde mental – e tempo. Requer bastante tempo. Não são semanas nem meses. Se alguém te diz que mudou em semanas ou meses, corra, amigo, corra como se não houvesse amanhã.

Os próximos a se relacionarem com quem traiu poderão observar bem os sinais, poderão, passado um tempo, reparar se a pessoa está fazendo o necessário para mudar ou se é só discurso de mudança. Não seria bom se toda pessoa que trai viesse com esse aviso social?

O fato da traição se tornar pública também ajuda a compreender a pessoa traída. As próximas pessoas a se relacionarem com ela terão mais facilidade em compreender de onde vem certos medos e atitudes. Claro que o desejável é que não permitamos que a babaquice alheia nos traumatize, nos impacte, nos mude, mas nem sempre é possível, então, que as pessoas tenham a compreensão dos eventos que te marcaram pode ser útil em certa medida.

Mais um bônus: quando a traição se torna pública isso impede que a pessoa que traiu fique mentindo por aí, dizendo que não fez nada e se vitimizando. É muito comum ver gente que trai e depois nega e tenta convencer que a pessoa traída é maluca, excessivamente ciumenta ou coisa do tipo. Nesse caso, não será possível, poupando a pessoa traída dessa sensação de revolta de ver alguém sem caráter reescrevendo a história.

Se a situação envolver qualquer aspecto litigioso, como por exemplo divórcio, guarda dos filhos ou indenização, o fato de ser uma traição pública e reprovada é uma mão na roda. A parte traída não precisa se desdobrar para fazer prova de muita coisa e ainda pode receber uma querida indenização por danos morais, além de outras compensações. É sempre uma ajuda quando a pessoa que te sacaneia faz questão de produzir provas contra ela mesma.

A questão dos filhos também é importante. Não acho que nenhum filho tenha que tomar partido de problemas conjugais que não envolvam crimes, mas, uma traição pública alerta os filhos sobre o caráter do conjugue que traiu. Não é para brigar, não é para virar as costas, não é para tomar lados, porém, é um atestado da ética, do caráter e do senso de compromisso de um de seus progenitores que os filhos devem sim levar em conta para o resto da vida.

O mesmo vale para os amigos do casal. Não vai ter versões de ambos os lados e dúvidas sobre em quem acreditar. A verdade está escancarada. E se alguém ousar falar que existe algo que qualquer pessoa possa fazer para merecer ser traída, aí é caso de realmente cortar relações. Termina-se o relacionamento se não se está feliz, trair é covardia, trair é baixaria. Não façam pacto com a baixaria nem com quem endossa baixaria. Não suportar traição não é moralismo, é ser uma pessoa que honra com o combinado. O combinado era fidelidade? Quem traiu fez cagada, não importa o que o outro tenha feito ou deixado de fazer.

E, para fechar numa vibe mesquinha, que não é o mais desejável (porém humanos), pode ser gratificante ver quem te fodeu se foder um pouco. Quase nunca temos a oportunidade de presenciar pessoas que foram ruins conosco receberem isso de volta, quando acontece assim, de forma imediata, gera algum conforto, a menos que você seja extremamente evoluído espiritualmente.

No aguardo para ver quem é fiel (que vai me acompanhar na indignação) e quem é infiel (que vai meter um “veja bem” nos comentários).

Para dizer que a humilhação de chifre é grande demais para o homem e não compensa, para dizer que os temas do leitor F são melhores (calma, vamos usar) ou ainda para dizer “Veja bem”: comente.

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Comments (2)

  • Com mesquinharia, por favor!

    Só acompanho na indignação apesar da indigna nação BM, mesmo que eu já tenha dito em outras vezes que combino fora do tradicionalismo. Não é sobre moralismo. (e quem sou eu para acreditar em algum, senão não veria como ser impopular…)

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