Skip to main content

Colunas

Arquivos

Crises.

Crises.

| Desfavor | | 4 comentários em Crises.

A imprensa internacional deu destaque ao cenário econômico brasileiro ao longo da semana. Reportagens de veículos especializados, Financial Times e Economist, relevantes abordaram o resultado do temor fiscal brasileiro, que se refletiu em uma forte desvalorização do real. LINK


Não, você não é gado nem maluco, está todo mundo vendo essa crise. Desfavor da Semana.

SOMIR

Se a gente for voltar no tempo para achar o responsável por nossa situação econômica, vai acabar em Pedro Álvares Cabral. Começou errado, desenvolveu errado e chegou nos tempos modernos… errado. Cada governante deixou o monte um pouco mais alto e fedido; Bolsonaro deixou um tolete fiscal daqueles para o Lula, mas o atual presidente não só não se deu ao trabalho de dar a descarga como se esforçou para entupir o encanamento de vez.

Analogias fecais finalizadas, vamos à guerra de narrativas: pela forma como a política moderna funciona, tudo termina numa realidade fantasiosa. De um lado, malucos dizendo que o comunismo está sendo implementado, de outro malucos dizendo que está tudo bem e a crise nada mais é do que intriga dos fascistas.

Na prática, o que acontece?

A máquina estatal brasileira gasta mais dinheiro do que arrecada. E para cobrir essas dívidas, pede dinheiro emprestado para o setor privado. Esse dinheiro vem com juros que aumentam a dívida do país e forçam o governo a pegar mais dinheiro emprestado, com mais juros… e assim por diante.

Governos não precisam ficar no azul o tempo todo, faz parte do processo se endividar para investir no país, seja em serviços para a população, seja em infraestrutura para desenvolver a economia. É normal estar endividado, nós e países muito desenvolvidos devem muito. A ideia é que com esses investimentos, o país vai gerar mais riquezas e eventualmente compensar os juros que paga para quem emprestou o dinheiro.

Não precisa e nem é indicado ficar sem dívidas, mas precisa e é indicado ter como pagar por elas. A narrativa do PT e seus asseclas é que o Brasil está sofrendo um ataque especulativo de gente querendo saquear as reservas brasileiras. E o interessante é que tem um fundo de verdade: especuladores fazem isso no mundo todo. É o “trabalho” deles movimentar seu dinheiro em busca de países dispostos a se endividar para tirar o máximo de lucro.

Agora, por mais que especuladores sejam urubus, eles não abatem a presa. Eles apenas voam de país em país em busca das melhores carcaças. E vejam só: o governo terraplanista econômico brasileiro tanto faz que até os urubus estão incomodados com o cheiro. O Brasil é tão incapaz de controlar os próprios gastos que mesmo com juros altíssimos em comparação com outros países, os especuladores não acham que o governo brasileiro tem como honrar suas dívidas futuras.

O PT tem uma filosofia de gastos infinitos na esperança de gerar crescimento infinito. É meio como um viciado em apostas sempre arriscando mais e mais dinheiro na expectativa de ganhar uma bolada e compensar todas as perdas de uma só vez. Se feito de forma decente, é uma filosofia chamada desenvolvimentista, se for feito como está sendo feito no Brasil, é vício em bet mesmo.

Se você quer pegar dinheiro emprestado para gastar no país, quem vai emprestar o dinheiro tem que acreditar que o país está fazendo alguma coisa direito, nem que seja o básico do básico de não estar correndo em direção da falência. O Mercado não está atacando o governo brasileiro, não mais do que ataca qualquer outro governo mundial, ele está vendo que o país não para de gastar dinheiro que não tem e está fazendo as contas.

“Uma hora ou outra eles não vão mais pagar as suas dívidas.”

O que já aconteceu na Argentina, por exemplo. Os nossos vizinhos sulistas passaram por décadas de crises porque seus governos não conseguiam parar de se endividar, numa bola de neve que derrubava qualquer confiança. Só os especuladores mais degenerados colocavam dinheiro lá. Por isso o dólar saiu de controle: ninguém quer ficar com um monte de dinheiro inútil na mão quando a música parar.

Tanto que os argentinos fecharam os olhos e arriscaram tudo num maluco que ouve conselhos econômicos do fantasma de seu cachorro. A promessa era cortar gastos, e Milei está cumprindo. Não é algo agradável, mas se você pensar que um país precisa parar de cavar sua cova eventualmente, faz sentido. Se governantes menos malucos tivessem tentado isso antes, talvez Milei nem fosse eleito.

Voltemos ao Brasil: quando o governo (e eu estou colocando os três poderes nesse balaio) não consegue se controlar e continua aumentando sua dívida sem parar, o mundo todo percebe. A ideia vigente é que nesse ritmo o Brasil vai se tornar incapaz de pagar de volta os empréstimos que tomou. E adivinha só: ninguém quer ficar com um monte de dinheiro inútil na mão quando a música parar.

O dólar dispara, os juros sobem para tentar atrair investidores (e só aparecem os urubus) e o povo vai percebendo o problema no bolso. O sistema todo fica mais perigoso, tudo fica mais caro porque ninguém confia mais no amanhã. Estamos pagando o preço pela pandemia ainda? Sim, nós e o mundo todo. A diferença é que existem outros países que não estão torrando dinheiro emprestado sem parar, e os investidores estão mais interessados neles.

Não é bonito cortar gastos públicos, não é bonito aqui e não é bonito na Noruega. O povo fica puto, gente vulnerável sofre em dobro, mas às vezes você tem que abrir mão de coisas no presente para pensar no futuro. Não adianta tirar gente da pobreza com dinheiro emprestado de especulador, porque esse dinheiro não é confiável. O PT está vendendo uma solução de curto prazo como se fosse uma política desenvolvimentista. Não é. E o Legislativo sabe disso, mas vende o futuro do povo todo para ganhar um lucrinho agora. O Brasil sofre dessa visão limitada há séculos.

Se o Brasil não parar de dar sinais de que vai descer um calote violento nos investidores num futuro próximo, a coisa vai continuar piorando. Cortar gastos de verdade é essencial para que o país continue podendo captar dinheiro para investir no pobre. A estratégia tupiniquim é ficar cercado de urubus, e a estratégia de Lula e da militância com fins lucrativos é dizer que a culpa é dos urubus.

Você não está maluco(a), você não é gado bolsonarista, você só está vendo o partido que cometeu todos esses erros no passado querer fazer tudo de novo, e pior: com os dois outros poderes totalmente cooptados por essa máquina de desperdício de dinheiro público, loucos para nos manter cercado de carniceiros.

Mudando de analogia: eu concordo que não devemos ter insetos na nossa cozinha e concordo que é razoável reclamar deles, mas a pessoa que deixa comida estragando no chão da cozinha queria o quê? Quer combater especulador como? Aumentando o endividamento do país e fazendo com que apenas especuladores considerem investir aqui?

Não tem solução mágica, o país gasta mais do que arrecada e não tem previsão futura de compensar esse déficit com as decisões cretinas que toma. É óbvio que estamos em crise, e é uma crise escolhida por quem está no poder. Faz sentido que nenhum investidor sério queira dar dinheiro para um irresponsável.

Não faz sentido reclamar dos urubus se você se esforça para só atrair urubus.

Para dizer que o texto de hoje foi fedido, para dizer que estamos do lado dos especuladores, ou mesmo para dizer que nem para carniça vamos servir: comente.

SALLY

O tema de sábado passado se repete. Só que hoje não vamos falar sobre os políticos e suas cagadas, vamos falar sobre você. Primeiro, Somir te ajudou a entender o que está acontecendo, para que você possa formar sua opinião. Agora eu quero tentar te ajudar a lidar com os sentimentos que isso desperta.

Estou vendo muitas pessoas que moram no Brasil angustiadas, preocupadas, infelizes. Crise econômica faz isso. Quando tudo fica caro, quando as contas pesam, quando é preciso apertar o cinto, a vida fica um pouco mais complicada: casais brigam mais, famílias brigam mais, pais perdem mais a paciência com os filhos, insônia aumenta, estresse aumenta, produtividade cai. E é normal. Não é você, é normal do ser humano.

Mesmo que sua família não esteja passando fome, qualquer decréscimo de qualidade de vida gera algum abalo. Não é vergonha se sentir assim. É normal ficar puto por trabalhar, trabalhar e trabalhar e não conseguir juntar dinheiro, não conseguir fazer aquela reforma na casa, não conseguir fazer aquela viagem. Não conseguir pagar tudo que precisa. E, novamente, não é só você. É um sentimento generalizado.

Sim, é importante dizer que não é só você, pois tem um grupo muito barulhento afirmando que o Brasil está ótimo, que o supermercado está cheio e que a economia vai muito bem. Quando isso é repetido incessantemente, de forma panfletária, quase que de conversão religiosa, ao menos uma parte entra no inconsciente coletivo. Resultado? A pessoa acha que todo mundo está ótimo e só ela está com a corda no pescoço, o que a faz sentir mal, incompetente, fracassada.

Hoje, no Brasil, tirando uma minoria rica, está todo mundo no sufoco. As coisas ficaram muito caras muito rápido. Desde a creche/escola das crianças até um café ou um churrasco. É a economia que vai mal, não você. Não que isso te tranquilize, mas ao menos direciona a preocupação para o lugar certo: não é sua culpa.

Eu imagino que uma das piores sensações seja ter que reduzir a qualidade de vida dos filhos. Não tenho filhos, mas deve ser terrível, tanto pela decepção que eles passam ao não poder ter o que tinham antes como pela sensação de fracasso. Pois presta atenção: está todo mundo assim. Talvez você não veja isso porque as pessoas ostentam uma vida irreal em redes sociais, mas a maioria esmagadora das pessoas está assim.

É duro estar em dificuldades, abrir o Instagram e ver todo mundo que você conhece viajando, saindo para jantar, comprando. Você se pergunta “como?” e se sente mal. As pessoas emulam uma vida que não tem, não se sinta mal. As pessoas se endividam até a raiz dos cabelos para comprar e viajar. As pessoas até simulam viagens que não fizeram. Então, pare de se comparar, é uma comparação desleal com um mundo de faz de conta. Não faça isso com a sua saúde mental.

Depois, entenda que não é um fracasso individual seu. A maior parte das pessoas está com a corda no pescoço, ainda que muitos escolham esconder. Os números, mesmo os oficiais, mostram um país encrencado economicamente. Mesmo os números positivos, como o de empregos, é armadilha (mudaram os critérios este ano para que o resultado seja mais favorável ao governo). Quase todo mundo vai ter que fazer ajustes para se adaptar. Não é você, é o país.

Não acredite quando vierem com lavagem cerebral de que tudo está bem, de que o pobre voltou a comer picanha, de que o pobre voltou a viajar de avião. Nada está bem. O Brasil tem problemas em praticamente todos os campos da economia. Não é todo mundo que está bem e você que está fodido, estão todos dentro de um barco que está enchendo de água enquanto a tripulação nega que tenha batido em um iceberg.

Como lidar com isso? Bom, enquanto pessoa com caráter e escrúpulos que sou, me sinto na obrigação de te dizer que não existe fórmula. Fuja de quem tentar te vender uma fórmula, cada um tem que usar as ferramentas que tem para encontrar seu próprio caminho. O ponto deste texto é apenas te dizer que você tem que olhar para isso, tem que entender que uma mudança de realidade econômica impacta na saúde mental. E tem que trabalhar para manter a sua dentro dessa nova realidade.

Eu temo pelo brasileiro, a estrutura social do Brasil não reage bem a crises. Se construiu um sentimento de que ter é poder, de que ter é ser, de pessoas se afirmando muito pelo que tem. O consumo tapou vários buracos emocionais. Sem ele, muita gente vai colapsar. Além disso, já era um país ansioso e insone, maior consumidor mundial de Rivotril, antes da crise começar. É sério, estamos diante de uma combinação perigosa. Cuidem da saúde mental de vocês e acolham quem está colapsando da melhor forma que puderem.

Eu mesma estou tentando direcionar minhas postagens para isso: mais textos sobre saúde mental, mais textos de humor, mais textos sobre essa nova realidade, para tentar ser um ombro amigo nesse momento. Seja você também um ombro amigo de quem precisa, mas antes, cuide da sua saúde mental, afinal, só podemos dar aquilo que temos.

E tenha em mente que o que hoje parece terrível, talvez seja bom no longo prazo. Se servir para que político filho da puta nunca mais volte, vai valer à pena, pois vai deixar um futuro melhor para quem fica. Se servir para o brasileiro finalmente cansar, corongar e assustar político filho da puta, também. Na real, não sabemos como isso vai desdobrar. Eu escolho acreditar que, no final, o que acontece é para bem, se a gente souber tirar algum aprendizado disso.

De conselhos práticos, o que eu posso te oferecer é: poupe em dólar, mas não deixe na sua casa, alugue uma caixa forte em um banco (não costumava ser algo caro) e vá juntando dólares ali.

Se puder, comece a se programar para sair do Brasil. Na nossa coluna O Brasil Tem Saída tem centenas de empregos que pagam muito bem em outros países e a maioria nem diploma exige.

E, por fim, conversem abertamente com filhos, por mais que você tente esconder, eles sentem que tem algo acontecendo e criam coisas muito piores do que a realidade na cabeça deles.

Agora sim é hora de dizer que ninguém solta a mão de ninguém. Nem com pandemia o Brasil passou por qualquer coisa parecida com isso. E não creio que melhore no próximo ano. Tenham a consciência de que é necessário cuidar da saúde mental agora mais do que nunca e contem conosco para conversar (nos comentários), pedir temas de texto ou até pedir por uma boa e honesta alienação com o nosso conteúdo.

Impermanência: tudo de ruim e tudo de bom passam. Isso também vai passar.

Para dizer que tá tudo ótimo e eu que sou bolsonarista (se decidam, semana passada me chamaram de petista), para dizer que precisa de mais Memes do Desfavor ou ainda para dizer que é esse pessimismo que faz o dólar subir (não, não é): comente.


Comments (4)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: