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Resolvendo o mistério.

Resolvendo o mistério.

| Desfavor | | 8 comentários em Resolvendo o mistério.

Assim como muitos, Sally e Somir também gostam de seus mistérios policiais. Porém, na hora de escolher entre dois dos detetives ficcionais mais populares do mundo, deduzem cenários diferentes. Os impopulares resolvem o caso.

Tema de hoje: Hercule Poirot ou Sherlock Holmes?

SOMIR

Eu sou do time do Sherlock, embora a escrita de Agatha Christie seja um pouco mais divertida para mim, é a personagem central que mais conta nessa disputa. Tanto que Holmes tem muito mais presença no inconsciente coletivo que seu colega de profissão belga.

Sherlock é um arquétipo, Poirot é uma personagem. Essa frase no vazio parece dar a vantagem à criação de Christie, afinal, melhor ser uma figura única do que um exemplo genérico da profissão, mas é essencial entender que Holmes foi criado por Arthur Conan Doyle. Não é que Sherlock Holmes seja derivativo da nossa ideia do que é um detetive brilhante, Sherlock Holmes ficou tão grande virou a nossa ideia sobre o que é um detetive brilhante.

Esse é o impacto cultural da personagem: ao falar um nome, imaginamos uma pessoa com uma profissão, personalidade e inclusive modo de enxergar a realidade na hora. E vejam bem, não estou dizendo que Holmes é melhor porque Poirot é ruim, é uma personagem bem divertida e que casa perfeitamente com as histórias nas quais se encontra. Agatha Christie não ficou imensamente popular à toa.

É que Sherlock está em outra prateleira. Muita gente acha que o detetive inglês existiu de verdade, de tão prevalente que é na mente das pessoas. E de certa forma, não deixa de ser verdade. A figura transcendeu as histórias nas quais participou e virou o tal do arquétipo que mencionei antes. Quando você quer imaginar ou descrever um detetive, automaticamente pensa se ele vai ser parecido ou diferente de Holmes.

Tanto que a autora de Poirot teve que jogar pesado na descrição de uma personalidade “anal” no seu detetive para evitar que a imagem de Holmes passasse por cima dele. Christie até tomou medidas radicais para não deixar autores futuros transformarem Poirot numa cópia errada de Holmes.

Se você colocar “a profissão de Sherlock Holmes” do lado do verbete detetive no dicionário, a maior parte da humanidade entende, porque até mesmo a profissão ficou conectada com a personagem. E sim, eu sei que argumento de popularidade não é exatamente… popular aqui no Desfavor. E fazemos bem. Só que nesse caso é uma popularidade extremamente merecida.

Sherlock Holmes tem por característica principal a visão cética e analítica sobre a realidade. Ele é o método científico personalizado. Deu tão certo porque cada pessoa exposta à figura de Sherlock Holmes entende que ele está seguindo um caminho difícil, mas eficiente. A dedução sobre humana é algo mais explorado nas versões mais recentes da personagem, mas é uma evolução natural da fantasia de poder que Sherlock evoca: a inteligência superior.

Sim, Poirot também tem essa característica de inteligência, necessária para ser o cérebro que resolve o caso da história, mas sem o foco quase que doentio de Holmes. E num mundo onde tanta gente coloca suas fantasias em força, beleza e dinheiro, não é ruim que alguns ainda sonhem com inteligência incrível. Eu puxo o ângulo do exemplo porque é um exemplo que faz falta no mundo moderno, com tanta negação científica por aí, que mais e mais pessoas sonhem com uma capacidade extrema de dedução baseada em lógica.

Holmes faz bem para o mundo, dadas suas proporções, é claro. Poirot é uma personagem bacana dos livros de uma autora famosa. Holmes é maior que Doyle, mas Christie é maior que Poirot. Percebem a diferença?

E talvez pelo ciúme da autoria com seu detetive bigodudo, quem avançou para o futuro foi Holmes. Sempre tem o que criticar, mas de tempos em tempos sempre surge uma releitura da personagem adaptada para novas audiências, e sempre tem algo bacana ali. A última de grande repercussão foi uma série da BBC com o ator inglês do nome que precisa copiar e colar para escrever certo, trazendo Holmes para algo mais próximo de um savant (autista extremamente capaz em algumas tarefas), mas sem perder o foco de que a graça dele era a inteligência.

E enquanto essa for a grande característica de Holmes, uma adesão confiante ao método científico, eu acredito que o legado vai continuar sendo positivo para a humanidade. Sherlock é aquela pessoa que olha para os fatos, presta atenção nos contextos e pisa na cabeça de quem se perde em superstições. Não precisa ser todo mundo assim, mas que de tempos em tempos alguns jovens se encantem com essa ideia e levem para a vida a ideia de que existe valor na racionalidade.

Se fosse só por personalidade, Poirot me parece mais divertido. Sim, um chato de carteirinha, mas desde que eu não precise morar ou conviver demais com a pessoa, acho fascinante gente assim. Numa história de ficção então… quanto mais insuportável, mais engraçado. Sherlock autista das versões recentes chega mais perto dessa graça, até acho que é por isso que com o passar das décadas Holmes foi se caricaturizando para essa figura de gênio indomável da versões mais recentes.

Holmes tem o arquétipo construído ao seu redor, um que me parece positivo no mundo, além disso, pode ser modernizado sem perder a essência. Entre uma personagem e um mito, eu acho o mito mais interessante.

Para dizer que deduziu que eu ia dizer isso, para dizer que popularidade não é mérito, ou mesmo para dizer que é Maigret: comente.

SALLY

Hercule Poirot ou Sherlock Holmes? Hora de decidir entre os dois detetives mais famosos da literatura.

Poirot (se pronuncia “puarrô”), sem dúvidas, é o meu personagem favorito. Eu sempre preferi Agatha Christie a Arthur Conan Doyle. Mas, percebam que estou falando de personagem. Se fossem reais, eu preferiria conviver com Scherlock Holmes.

No personagem (não, não vou escrever a palavra no feminino) eu espero diversão, impacto, coisas que prendam a minha atenção. E Poirot entrega isso. Ele é excêntrico, arrogante, extravagante, vive se gabando, trolla os outros, debocha de quem é menos inteligente do que ele. Poirot é mais agente do caos do que Holmes, por isso meu voto vai para ele.

Eu seria amiga de Holmes facilmente. Educado, centrado, culto, racional. Na vida real eu nem chegaria perto de Poirot. Mas não estamos falando de amizade, estamos falando do melhor personagem. Eu acho mais interessante ver um maluco megalomaníaco meio corongado resolvendo um mistério do que uma pessoa educada e equilibrada.

E, vou além: acho Holmes melhor detetive inclusive. Resolve os casos de forma mais rápida e mais segura. Poirot é ousado, atrevido e até irresponsável. Muitas vezes já sabe quem é o assassino e o deixa agir para atender seus propósitos (conseguir provas, por exemplo). E Poirot tem um ego enorme e descontrolado que lhe tira um pouco da objetividade e discernimento. Tudo isso seriam características que me fariam contratar Holmes e não Poirot para resolver um mistério. Mas, quando falamos em entretenimento, é Poirot.

Toda a teatralidade, reunir pessoas em uma sala para anunciar quem é o assassino, provocar brigas, intrigas e até barracos… não tem como não amar. Com Sherlock Holmes temos mais uma aventura do que o desvendar de um crime passo a passo. Muitas vezes ele desvenda sozinho e o leitor nem teria as informações necessárias para isso. Poirot vai te apresentando as evidências, permitindo que você participe ativamente e tente desvendar o caso junto com ele. É um exercício para o cérebro.

Holmes protagoniza uma história, Poirot monta um quebra-cabeça. Holmes ganharia qualquer disputa com Poirot na vida real por ser mais sensato, mas, quem que personagens sensatos? Eu quero a postura politicamente incorreta, over e megalomaníaca de Poirot.

Holmes é mais intelectual, apegado a evidências físicas, ciência, método. Poirot usa intuição, manipulação e, como último recurso, o conhecimento técnico. Muito mais divertido ler Poirot fazendo experimentos com as pessoas como se fossem seus fantoches do que Holmes seguindo protocolos.

Fora que, como dissemos, as histórias de Holmes são mais para a aventura. Muitas vezes nem assassinato ocorreu. E ele se limita a analisar a cena no crime, as evidências deixadas, agindo de forma mais racional. Com Poirot o assassinato é garantido e ele analisa muito mais do que a cena do crime, observando o entorno, a personalidade dos envolvidos, os conflitos. Em uma novela policial eu quero isso aí mesmo: corpo no chão e dedo no cu gritaria!

Outro ponto que me agrada é que Poirot está mais ancorado ao mundo real. Os conflitos, os cenários, as respostas, tudo é bem pé no chão. Holmes nem sempre. Temos elementos fantasiosos, mágicos, místicos que não me agradam tanto. Eu gosto de ler sobre a natureza humana quando falamos de crimes e assassinatos.

E eu gosto de um detetive emocionado, sem maturidade emocional, que faz daquilo algo pessoal. Um ser humano com falhas, vaidades e infantilidades. Alguém que se atrasa para conferir a cena do crime pois faz questão de priorizar a estética, estar muito bem-vestido e com o bigode muito bem penteado. Contrataria na vida real? Não. Melhor personagem? Definitivamente sim.

Inclusive, em diversos momentos, tenho a impressão de que Poirot dá uns totozinhos em Holmes, apesar do personagem nunca aparecer em nenhuma história. Ele debocha de detetive que precisa fazer muito trabalho de campo para descobrir o assassino, chama de “cães de caça humanos” e diz que ele, ao contrário, por ser inteligente, pode descobrir o assassino sentado na poltrona da sua casa. Afrontoso. Amo.

Entre um detetive de ação e um detetive dedutivo, eu acho mais interessante o dedutivo, pois a mente humana me é mais fascinante do que evidências físicas ou aventuras. A resolução voltada para o interno me parece mais legal do que a voltada para o externo. É a vingança dos fracos: Poirot, baixo, sem força, fora de forma, consegue tudo com suas “pequenas células cinzentas” (forma como ele se refere ao cérebro) e desvenda os casos mais com psicologia do que com ciência forense.

Não tem resposta correta hoje, ambos são ótimos detetives de ótimas obras. É questão de predileção mesmo. E eu, só para variar, prefiro o que está fora da caixinha.

Para dizer que o final do Poirot também é mais legal (shhhh! Sem spoilers!), para dizer que o melhor detetive é Benoit Blanc (é uma mistura dos dois) ou ainda para dizer que dezembro pede temas mais informais: comente.


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