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Silent Treatment

Silent Treatment

| Sally | | 16 comentários em Silent Treatment

Vamos falar sobre algo muito comum e muito nocivo: Silent Treatment. Não sei se existe um termo para isso no Brasil, nos EUA se chama “Silent Treatment”, que seria, em uma tradução livre, um “Tratamento Silencioso”, algo como escolher ignorar uma pessoa, fingir que ela não existe, mesmo quando ela interage com você, por estar chateado com ela.

Estamos falando daquelas pessoas que quando ficam tristes, chateadas, irritadas ou magoadas reagem não falando mais com você, sem dar qualquer explicação. Isso pode acontecer à distância, mas também é muito comum que aconteça presencialmente: pessoas que, debaixo de um mesmo teto, ignoram, não respondem e não dirigem a palavra a quem convive com elas.

Existem graus. Tem o silêncio total, no qual, mesmo perguntada, a pessoa simplesmente não interage com você, finge que você não existe e tem a modalidade um pouquinho mais covarde, aquela na qual a pessoa interage o mínimo necessário, só mediante provocação, de modo a que nem de Silent Treatement você possa acusá-la.

Isso, meus queridos é violência. Eu sei que no Brasil tem uma precariedade no conceito de violência. Parece que algo só é considerado socialmente como violência se for uma ação física, se deixar marcas no corpo, se machucar a carne. A violência também pode ser psicológica e, para isso, não é necessário xingamento ou ofensa. O silêncio é uma das formas mais cruéis de agressão.

“Mas Sally, quer dizer então que eu sou obrigada a falar com quem eu estou chateada?”, Não, Pessoa Quer Dizer, não quer dizer isso não. Todo mundo tem o sagrado direito de não querer conversar, de não querer falar, de não querer sequer se relacionar com outra pessoa. Mas não é emburrando e calando de forma abrupta que adultos lidam com as coisas.

Você pode dizer à pessoa que está chateada por tais e tais motivos, dando oportunidade a ela de interagir (muitas vezes a pessoa nem percebeu por que a outra está chateada) e, se for o caso, dizer que precisa de um tempo, de um recolhimento para refletir. Pronto. Agora sim pode ficar em silêncio. Uma coisa é silêncio por escolha, outra é silêncio para punição.

Silêncio como punição é violência. E, em nenhum relacionamento adulto saudável existe a ideia de punição. O desejável é que você jogue no mesmo time que o outro, mas, se isso não for possível, mantenha o respeito. Emburrar e se recusar a reconhecer a existência do outro é falta de respeito, inclusive contra você mesmo, pois te coloca em um papel ridículo, infantil e difícil de respeitar.

“Mas Sally, a pessoa me faltou com o respeito primeiro!”. Foda-se. Se a pessoa é uma escrota, você não é. Se a pessoa age com desrespeito, isso não justifica que você desrespeite de volta. O que você é, sua integridade, deu caráter, sua ética, independe de como o outro te trata. Se a pessoa te faltou com o respeito existem dois caminhos dignos: tentar resolver ou se afastar em definitivo. E para ambos, um ser humano decente se comunica.

Não tem condições de conversar com a pessoa agora? Comunique isso a ela. Ninguém tem bola de cristal para saber o que se passa na sua cabeça ou o quanto algo te impactou. Avisa que no momento não dá para falar, mas assim que se sentir melhor vai conversar. Não consegue falar por estar muito fragilizado? Manda um e-mail. Um whatsapp. O que for.

Mas isso ninguém quer fazer, pois não é sobre o silêncio ou a falta de vontade de falar, é sobre a punição. É sobre o outro sentir a dor de ser ignorado. É sobre você conseguir ter uma importância na vida do outro nem que seja através do desconforto. Será que uma relação, qualquer que seja (familiar, amigos, amorosa, trabalho…) assim realmente vale à pena?

Eu particularmente corto da minha vida quem apela para Silent Treatment. Não pelo silêncio em si, pois o silêncio, vindo de gente fodida da cabeça, costuma ser uma bênção. Mas pela imaturidade emocional da pessoa. O Silent Treatment nunca vem sozinho, uma pessoa imatura vai gerar vários outros transtornos para a sua vida.

O silêncio é um recurso muito usado por crianças, pois uma criança muitas vezes não tem estrutura psíquica nem desenvolvimento de linguagem para sequer processar e compreender por que ela ficou chateada. E, sinto informar, que muito brasileiro adulto também não.

Então, é bom deixar claro, sabemos que o Tratamento Silencioso nem sempre é uma escolha sádica para torturar alguém psicologicamente. Muitas pessoas são tão rudimentares emocionalmente que não conseguem sequer se entender ou colocar nome no que estão sentindo e se fecham como medida desesperada para se proteger.

Porém, não deixa de ser violência por causa disso. Pode não ser sadismo de infligir uma violência com intenção de provocar dor, mas, ainda assim é uma violência. O outro ter uma cabeça meio fodida não é motivo para aturar violência, que fique bem claro. A pessoa não tem culpa de ter a cabeça fodida? Nem você. Não aceite violência, em nenhum grau. Você não merece.

E, um momentinho de reflexão aqui: por algum motivo esse Tratamento Silencioso é tão comum no Brasil, não? Certamente todo mundo aqui já viu acontecer. Já se perguntaram qual seria o motivo?

Além do emocional rudimentar, meu palpite é que funciona por ser uma sociedade egóica, composta por uma maioria vira-lata que precisa o tempo todo do olhar de terceiros para saber seu valor. Para pessoas assim, mirar no ego, na vaidade, no reconhecimento é onde dói mais. Então, com a intenção de machucar de volta ou de conseguir uma reação, o ego virou o alto principal.

Não falar não pode ser uma opção, inclusive pela sua saúde mental. Não falar é ruim para todo mundo. “Mas Sally, não adianta falar”. Então se afaste, permanecer nessa situação é, antes de mais nada, uma auto violência. O que você está fazendo ao lado de uma pessoa com a qual não adianta falar?

“Mas Sally, não consigo falar”. Ok. Até isso tem que ser dito para o outro. Antes de acontecer a merda, avisa que quando você fica chateado trava e não consegue dialogar, que não é nada pessoal, é uma dificuldade sua. E diga o que está fazendo para melhorar, pois ninguém que tenha um mínimo de maturidade emocional e saúde mental vai topar ficar com uma pessoa que decretou que é assim.

Mostre que você quer mudar e está fazendo a sua parte para mudar. Não caia na “Síndrome de Gabriela”: Eu nasci assim/eu cresci assim/eu sou mesmo assim/vou ser sempre assim. Se não, só vai aparecer gente pancada da cabeça, cheia de problemas emocionais topando ficar ao seu lado. Depois vem os comentários de que homem/mulher é tudo maluco. Não é. Você que é um poleiro de Exu por causa das suas questões não resolvidas.

E, não se enganem, quem faz isso tem algum ganho secundário, se não já tinha dado seu jeito de parar de fazer. Já tinha procurado ajuda. Já tinha ruminado sobre o assunto até conseguir uma brecha para fazer diferente. E se tem uma fórmula assertiva para conseguir mudar um comportamento (spoiler: não tem, mas é a que mais chega perto) é descobrir de onde ele vem (o que o gerou) e seu ganho secundário (o que você ganha com isso).

Obviamente os ganhos secundários nunca são descarados, se não a gente matava a charada na hora e desarmava o comportamento. É sempre algo revestido de outro algo mais aceitável. Por exemplo, a pessoa aplica o Tratamento Silencioso para se sentir poderosa, sentir que tem controle do outro, mas como isso é feio e mesquinho, ela reveste o comportamento de “estou me protegendo pois a pessoa me magoou”.

Se você tem esse comportamento lamentável de Tratamento Silencioso, reflete de onde vem e qual é seu ganho secundário nele. Mas de verdade. Sem contar historinha para você mesmo, na qual você tem que fazer isso, na qual você faz isso por um motivo muito justificado. Isso não se faz.

E parem de passar pano para quem faz isso. “Fulana tem um temperamento muito forte”. “Fulano é mais na dele quando está chateado”. Não. Não é aceitável adultinho se comportar assim. E menos aceitável ainda é adultinho que tolera adultinho se comportando assim.

Espalhe a palavra. Pode ser que a pessoa empregue o Tratamento Silencioso por falta de outras ferramentas. Converse com ela sobre isso, sobre as opções, sobre o mal que isso causa. Se ainda assim ela persistir, é porque a intenção é fazer mal mesmo, te punir. Fuja, sempre fuja, sem exceção, de qualquer relação na qual o outro se sente no direito de te punir, por mais que você tenha errado.

Um erro dá o direito ao outro de ficar triste, magoado, chateado, decepcionado. Mas não de te punir. Quem tem essa mentalidade de querer ver o outro sofrer só porque fizeram com que ele sofra é um símio rudimentar que precisa nascer cinco encarnações para, quiçá, virar gente.

Relações saudáveis são parcerias, nas quais ambos se apoiam, se incentivam e se ajudam, mesmo em caso de tropeços que magoam. O foco é evoluir junto com a pessoa, que ela te ajude e que você a ajude nesse processo. Só existe aprendizado no amor. Não se deixe punir, por mais que você tenha errado. Tire essa desgraça de culpa cristã de dentro de você. Todo mundo erra. Ou a pessoa te pega pela mão, te perdoa e te ajuda a melhorar ou cada um segue o seu caminho e se encerra a relação. Ficar e ser punido é doentio. Para ambos.

Se até hoje você não sabia que Silent Treatment é uma violência, agora você sabe. Não tem mais desculpa para continuar fazendo ou tolerando que se faça. Não tem mais desculpa: não saber, o outro “merecer” ou “não conseguir”. Não é aceitável, ponto final. Se o outro não te dá o espaço para fala, então apenas se afaste, não insista nessa situação tenebrosa.

As coisas só se resolvem conversando. Se não der para conversar, se afaste. Se não der para se afastar, comunique que a convivência será de poupas palavras por tais motivos. Não importa o outro, seja você uma pessoa decente.

Para dizer que dá graças a Deus quando não falam com você, para dizer que faz Silent Treatment no conteúdo, não prestando atenção a o que o outro fala ou ainda para parar de falar comigo: comente.


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