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Vai e volta.

Vai e volta.

| Desfavor | | 2 comentários em Vai e volta.

A notícia da “mudança de lado” da Meta foi mais uma das indicações que estamos passando do ponto de virada do pêndulo ideológico na sociedade ocidental. Ao invés de comemorar ou lamentar essa mudança, que tal aprender com ela?


Ou, se estressar por mais um Desfavor da Semana.

SALLY

Tempo de leitura: 50 minutos

Resumo da B.A.: Não entendi nada.

POWERED BY B.A.

O tema de hoje é um pouco abstrato, pedimos a colaboração de vocês. Pega um café, vai para um lugar tranquilo e leia com calma.

Desde 2008 que a gente fala que o mundo vive em movimentos pendulares. Quando você coloca um pêndulo em movimento, por maior que seja a força exercida, em algum ponto ele vai mudar de direção e ir para a direção oposta. Ele balança de um lado para o outro, nunca para em lado algum. Isso é da sua natureza (e das leis da física). Não pode ser mudado pela sua vontade.

Com a dinâmica social humana acontece o mesmo. Até aqui, fomos regidos pela dualidade e pela disputa de poder, em menor ou maior escala. Enquanto essa dinâmica prevalecer, estamos sujeitos à lei da dualidade, ou seja, ao pêndulo indo cada hora para um lado.

E nós humanos acabamos acirrando essa oscilação do pêndulo, dando um empurrão nele quando vai para o lado que queremos. Esse empurrão, em um primeiro momento, parece ótimo, pois traz o pêndulo para o “nosso” lado, mas depois, essa mesma força se volta “contra” a gente, fazendo o pêndulo ir para sentido oposto ainda mais rápido.

E, no momento, estamos vendo uma mudada de direção do pêndulo. 2025 é um ano de virada, no qual a militância, a lacração, o woke (no mau sentido da palavra) perde poder para o outro lado. Não é um desejo nem uma celebração, é uma constatação.

E essa virada já era previsível no ano passado, nós mesmos falamos dela várias vezes. Porém, ainda que o processo já tenha se iniciado, a maior parte das pessoas ainda não entende o que está acontecendo. Nem a virada do pêndulo, nem sequer a existência do pêndulo.

Quando o pêndulo vira, as partes supostamente “beneficiadas” comemoram e escrotizam o outro lado, como se fosse algo definitivo. Não é. E as partes supostamente prejudicadas fazem um drama como se fosse o fim do mundo. Não é. Bora entender que o pêndulo sempre vai oscilar, para que a vida fique mais coerente?

Não tem “vencedor”, o pêndulo sempre vai oscilar. O que você pode fazer é tentar entender e antever esse movimento, para se preparar e se adaptar. Pense nas suas decisões e estratégias de vida partindo dessa premissa e você está em vantagem, pois a maioria das pessoas ainda não percebeu ou aceitou essa mudança. Não falo de abrir mão das suas crenças e sim entender a realidade e se adequar de forma racional a ela.

E não caia nessa babaquice de “lado vencedor”. Não existe lado vencedor nessa dinâmica. Existe lado que temporariamente está em vantagem. Tenha em mente que em algum momento o pêndulo vai virar novamente, então, não se comporte como se isso fosse algo definitivo.

E entenda que quanto mais você empurrar o pêndulo para um lado, mais rápido e mais forte ele volta para o outro, como efeito rebote. Então, mesmo que em um primeiro olhar apressado pareça que empurrar está levando o mundo para o lado que você quer, não está. No longo prazo, está levando o mundo justamente para o outro lado.

Eu entendo quem fica puto e, quando o pêndulo vem para o seu lado, sente vontade de ir esfregar a cara do opositor no chapisco. Ô se entendo. Não é gostoso ficar anos sendo escrotizado por um “outro lado”. Mas, se quisermos que o mundo seja um pouco menos merda, temos que ser melhores do que isso.

Não escrotizar o outro quando se tem poder não é “ser otário”, é ser uma pessoa decente. Você conhece a verdadeira índole de uma pessoa pela forma como ela trata quem a tratou mal. Mas no Brasil está instituído que quem não revida é trouxa. Infelizmente, ainda não há compreensão de que o revide faz mal para todo mundo, inclusive para quem revida. Não por karma ou moralismo, mas pela lógica do pêndulo.

Vamos trabalhar com o possível: você, leitor, consegue compreender tudo que foi dito até aqui, mesmo que ainda não concorde ou não consiga se portar de acordo. Mas maior parte dos brasileiros não. Eles sequer vão entender a metáfora com o pêndulo, identificar momentos de virada ou sonhar em quebrar essa dinâmica. Então, o que fazer diante dessa realidade tão tosca?

Trabalhar a sua mente. Refletir sobre o assunto. Aprender a identificar a dualidade e suas consequências negativas. Tentar não se deixar contaminar pelo entorno e não aderir a um lado. E respeitar o tempo de cada um, não impondo esta discussão a quem ainda não tem as ferramentas para digeri-la.

O próximo passo é querer sair dessa oscilação de pêndulo. Nem sempre pensamos assim (ao menos eu), mas hoje nosso posicionamento é: que merda que ainda estejamos nessa dinâmica de pêndulo. Deveríamos ter evoluído para outra. Deveríamos ter parado de jogar no versus e começado a jogar no modo cooperativo. Deveríamos focar no nosso senso de coletividade, em vez de insistir em alternar danação e agressão.

É óbvio que quem é leitor sabe que um dos lados me incomoda mais do que o outro, e isso é normal e não significa aderir a um lado. Você pode achar um dos dois menos grotesco, mais aceitável ou mais benéfico para sua vida. O que não pode é ajudar a empurrar esse pêndulo para esse lado, pois isso faz com que ele volte para o outro lado ainda mais rápido e mais forte.

E, não se enganem, essa mudança de pêndulo será cada vez mais rápida e mais forte, pois quase todo mundo está aplicando força nele. Esquece os parâmetros de cinco, dez anos atrás. Antes do que a gente imagina o pêndulo vai começar a virar várias vezes em um mesmo ano.

Nosso conselho é: tente se manter afastado disso. O que você é, seus valores, seu caráter, sua ética, não podem ser influenciados por mudança de pêndulo. Fique firme e forte no que você é. Se quiser mudar para evoluir, ótimo, muito bem-vindo, mas que não seja por fatores externos.

Além de tentar não permitir que isso te contamine, tenha a consciência de que é transitório. Uma hora o pêndulo vai virar. Não paute decisões de vida importantes contando com que essa nova realidade seja permanente.

E, por fim, se você quer deixar um mundo melhor do que o encontrou, não alimente isso. Não alimente a dualidade. Tente não ver seres humanos como opositores, como o outro lado, como inimigos. É difícil. É um processo. Eu mesma ainda não consigo colocar isso em prática. Mas só de saber que esse caminho existe e você pode segui-lo, muitas portas de percepção se abrem.

No mais, em termos práticos, façam as alterações necessárias em suas vidas, em suas redes sociais e em seus trabalhos pensando nessa virada. Não seja o publicitário da Jaguar, não se deixe cegar pelas suas convicções, trabalhe com uma boa leitura da realidade, para não passar vergonha.

SOMIR

Tempo de leitura: 1 século

Resumo da B.A.: O autor consegue o feito de ser comunista, nazista e isentão ao mesmo tempo, permitindo que o leitor possa inventar o que quiser para invalidar suas ideias.

POWERED BY B.A.

O curioso da longevidade do Desfavor é que provavelmente vamos trocar de lado mais uma vez sem mudar nossa essência. Em 2008 a tal da onda “woke” ainda não estava bem estabelecida, então ao argumentarmos por coisas como direitos humanos, éramos taxados de esquerdistas. Mantivemos o nosso foco e vimos as políticas identitárias explodirem em popularidade, ao falar sobre os problemas óbvios delas, fomos expulsos do ninho da esquerda e taxados de conservadores.

O dinheiro acaba de falar mais alto e estamos vendo a queda dessa versão caricata da esquerda. Não foi lucrativo e honestamente, muito debatível se realmente aumentou o acesso do cidadão médio aos seus direitos fundamentais. E quer apostar quanto que em pouco tempo vai ter gente aqui nos chamando de esquerdistas piolhentos por mantermos a nossa linha de pensamento?

A gente erra, a gente aposta em cavalos errados, a gente tem algumas opiniões mais radicais, mas o Desfavor só funciona porque na essência Sally e eu somos humanistas: seja qual for o plano da vez, concordamos no objetivo de que o ser humano precisa de liberdade e qualidade de vida para ser… humano. Gente neurótica e/ou brutalizada não funciona na escala pessoal e muito menos na coletiva.

Perceber problemas nos excessos de políticas identitárias não significa abandonar valores fundamentais como não discriminar pessoas por cor de pele, gênero ou orientação sexual. E com certeza não significa apoiar gente que mistura religião com política. Eu prevejo que se a sociedade der uma guinada mais conservadora e passar do ponto de mero combate ao excesso que os progressistas imprimiram na última década, vamos acabar de novo fora da linha de popularidade.

Talvez até alguns de vocês nos lendo comecem a achar que estamos “esquerdistas demais”. Uma parte do público original do Desfavor foi embora incomodado porque nossa linha de conteúdo nos fez parecer mais alinhados com a direita moderna. Passamos anos e anos tentando explicar que na verdade foi o pêndulo que passou da nossa linha central, mas sem muito sucesso. Pode acontecer de novo.

E se acontecer de novo, fica o aviso: não fomos nós mudando agressivamente nossa linha de pensamento, é uma “ilusão de semiótica” baseada no que a cultura do momento está empurrando. E se você não conseguir ver nenhum valor nos pontos supostamente de esquerda que vamos acabar defendendo se a sociedade estiver regredindo em questões de direitos humanos, seja mais digno que o povo que ainda vem aqui nos chamar de nazistas por sermos menos liberais que o DCE da USP.

Dito isso, a previsão que me fez concordar com o tema: vão estragar esse momento. São os anticorpos sociais finalmente atingindo os lunáticos que queriam fazer o mundo todo só enxergar preconceito, mas junto com esses anticorpos sempre chegam novas infecções. Eu acho que já falei disso antes, mas boa parte da evolução social em relação a racismo, misoginia e homofobia são resultado direto de movimentos do século passado.

Não foi nenhuma hashtag que tornou a humanidade (ocidental) menos horrível para grupos marginalizados, foram movimentos de rua feitos por pessoas que enfrentaram o pior da repressão para mudar a forma como as pessoas pensam. A guinada para os Direitos Humanos como conhecemos começou depois da Segunda Guerra Mundial e teve seu auge de eficiência no começo deste século. Eu cresci num mundo onde era normal e esperado tratar homens brancos como superiores em todos os quesitos.

Você que viu o mundo pós virada do milênio pode não ter percebido a vitória retumbante da esquerda humanista porque já nasceu num mundo onde isso era o padrão. Os anos 80 eram a idade da pedra em questão comportamental. Não sei se alguma geração viu uma mudança tão imensa tão rápido. Eu digo isso para incentivar a “turma dos direitos humanos”, não para desmotivar. É para explicar que funciona. Que a briga deu frutos. O mundo está cheio de problemas, mas o avanço foi imenso.

Mas aí entrou a infecção oportunista: o tal do movimento woke/identitário. Não era para ter parado de lutar por mais direitos e mais igualdade, mas não era também para ter feito essa cagada monstruosa de imagem e emputecer a maioria das pessoas com reclamações infantilóides. Assoviar para uma mulher na rua não é comparável com mutilação genital de crianças. Usar pronomes errados não é fascismo. O movimento legítimo dos direitos humanos se encheu de palhaços e crianças mimadas.

Num mundo mais saudável, agora é a hora de tirar o holofote desses doentes mentais e continuar o trabalho básico, que está longe de terminar. Mas, não há nenhuma indicação que quem vem por aí para tentar controlar a opinião pública esteja preparado para evitar que seu grupo de palhaços e crianças mimadas crie uma série de problemas sociais.

O pêndulo está chegando na “direita de costumes”, e eu tenho certeza de que vai vir uma onda de infecções oportunistas de direita também. Muito provavelmente focados em religião e valores tradicionais de um tempo que não existe mais. Do mesmo jeito que gastaram muito tempo, energia e dinheiro da sociedade para fins inúteis como ter mais filmes de super-heróis com mulheres negras, eu não vejo como o outro lado não vai fazer o mesmo desperdício com mais menções a Jesus que não mudam nada na prática.

Não sei se nenhum dos lados sabe o que fazer quando o pêndulo está do seu lado. Quer dizer, se sabe fazer algo produtivo. Porque usar o poder momentâneo para ganhar dinheiro e pegar no pé do “inimigo” eles fazem com maestria. Gafanhotos ideológicos. O pêndulo continua em movimento, e pelo visto, com energia renovada não pelas boas ideias de qualquer um dos lados, mas pelos erros crassos que cometem. A esquerda dá energia para a direita e vice-versa.

Um só existe por causa do outro. Um só se move por causa do outro. O pêndulo realmente parece um fenômeno natural da psicologia humana, mas… será que não podemos acabar com esse ciclo? Direita e esquerda são duas formas de não seguir em frente…


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