Realidade matemática.
| Somir | Flertando com o desastre | 4 comentários em Realidade matemática.
Quanto mais precisos nossos instrumentos de medição, mais difícil fica encontrar um espaço verdadeiramente vazio. Segundo o entendimento corrente sobre a realidade, mesmo em espaços que parecem não ter nada, ainda existe uma “energia do vácuo” que teima em discordar da nossa intuição. Não faz sentido, faz?
Essa energia é entendida na física quântica como inúmeras partículas virtuais que “aparecem” em pares de cargas invertidas e se anulam no contato. Na média as coisas continuam equilibradas, não começa a acumular energia aleatoriamente em nenhum lugar e o mundo continua funcionando como esperado.
O mundo quântico, isso é, o mundo em escalas minúsculas – bem menores que os átomos que de alguma forma ainda conseguimos ver com equipamentos especializados – cria várias explicações sobre a realidade que fazem sentido no papel, mas que não ajudam muito nossas mentes entender o que realmente está acontecendo.
As explicações que você vai ver são fascinantes, o universo feito de vários campos sobrepostos que chacoalham como se fossem a superfície de um lago acertado por uma pedra. As ondas desses diversos campos interagem de formas específicas e aqui no mundo macro, vemos coisas como imãs se aproximando por “mágica” e o fogo iluminando e esquentando nossa pele.
Mas eu escrevo este texto não para repetir essas explicações. É muito interessante, de tempos em tempos entramos nesses temas, mas hoje eu quero falar sobre a nossa percepção das coisas: muito se fala sobre como no mundo da física quântica as coisas acontecem de forma aleatória e de como isso bagunça toda a ideia de ação e reação que usamos para todo o resto.
Partículas “mágicas” que estão em infinitos lugares diferentes até medirmos, conexões que acontecem mais rápido que a velocidade da luz, elétrons que passam por dois lugares ao mesmo tempo… são todas coisas incríveis depreendidas de experimentos sérios feitos pelas melhores mentes que podemos colocar nesses temas. Mas é importante colocar isso em perspectiva.
Nossas explicações sobre a realidade quântica são forma de botar ordem no caos. E nesse caso, o caos é a ideia de que o mundo minúsculo das energias que movem a realidade é tão lotado de partes que interagem que não conseguimos acompanhar o que cada uma está fazendo a cada momento. Diante do caos, mentes brilhantes acharam formas de seguir em frente como os cálculos mesmo sem conseguir saber onde diabos está a partícula exatamente.
E são mentes brilhantes mesmo: o modelo de realidade que a ciência mais concorda atualmente acerta uma quantidade espetacular de previsões. O modelo padrão de partículas é desafiado dia sim, dia também, tem gente sugerindo alternativas todos os dias e nenhuma delas explica mais sobre o que vemos na prática do que o atual. De uma certa forma, essas pessoas estavam vendo uma coisa entrar numa caixa preta e sair diferente, e com o passar do tempo presumir o que acontecia na caixa preta sem nunca ver de verdade.
E eu falo disso porque, para o bem e para o mal, as manchetes mais chamativas sobre física quântica e ciência em geral são formas de explicar essas caixas pretas para os leigos. Mas são caixas pretas. O que normalmente entendemos como a natureza fazendo “mágica” na verdade é uma explicação do “truque matemático” brilhante de alguma pessoa para pular a parte ainda indecifrável daquele caos.
Sabe todo aquele papo quântico de coach e afirmações empolgadas de artigos populares de ciência? Então, na média são matemática aplicada sobre a realidade, não necessariamente a realidade. Na falta da habilidade de mensurar exatamente o que está acontecendo, as fórmulas acham alternativas numéricas que se encaixam ao observado, e na verdade você está lendo mais sobre a matemática genial do que sobre o processo físico real.
Não quer dizer que seja tudo mentira, não é o meu ponto e se você entendeu isso, foi culpa minha: quer dizer que ainda tem muita coisa em aberto, e que algumas mentes especiais acharam um jeito, sabe-se lá como, de domar as incertezas da natureza em formas de prever de verdade o que vai acontecer. Construíram um acelerador de partículas de bilhões para provar que um cálculo do físico Peter Higgs estava certo… e estava! Ele “leu” o universo através da matemática, assim como Newton, Einstein e tantos outros gênios da nossa história.
Isso só vira mentira quando alguém que não tem relação com a ciência tenta fazer senso da matemática sem saber… a matemática. Eu me incluo nesse grupo matematicamente inapto, e por isso aprendi a lição de não presumir demais em cima da física. Quanto mais você avança no nível de entendimento das coisas, mais percebe como as realizações são indiretas, baseadas em números e equações.
Porque é realmente difícil explicar o que está acontecendo de verdade. Qualquer presunção “mágica” dita por gente que viu o assunto por cima é indiferenciável de religião: continua sendo algo puramente imaginário. A matemática dizer que funciona presumir que as partículas fazem todos os caminhos possíveis ao mesmo tempo não significa na prática que elas fizeram. É uma forma de fazer os números funcionarem.
O mundo quântico não quebra a realidade por fazer coisas impossíveis, ele é complexo de medir com as ferramentas que temos, não conseguimos “colocar uma câmera” numa partícula e acompanhar tudo o que ela faz. Diante dessa impossibilidade técnica (talvez momentânea, talvez imutável) podemos ser espertos o suficiente para criar fórmulas matemáticas que aceitam a incerteza e se concentram nas partes que podemos medir.
A parte matemática da história, se explicada para leigos, começa a parecer sobrenatural. Porque você não vai ler um artigo ou ver um vídeo para o público geral que explica por que os números fazem o que fazem. É algo que exige treinamento prévio e na maioria das vezes, chato demais para quem não tem amor genuíno pela matemática. As explicações fantásticas não foram observadas no mundo real, são formas de te contar o que a fórmula matemática está fazendo para resolver o problema.
Eu não sei se mais gente não fala dessa parte para não desanimar o cidadão médio, ou porque é muito mais chato (e menos comercial) do que contar a história mais matemática das coisas, mas é isso que acontece. E eu mantenho: os cientistas não estão mentindo, nos materiais técnicos que eles soltam tem no máximo uma viajada no resumo, mas para ter qualquer peso acadêmico, é um misto de matemática consistente e resultados reais de experimentos.
Quem inventou o “fantástico mundo quântico” foram os leigos. Talvez a comunidade científica tenha alguma culpa no cartório por não pegar muito no pé de quem transforma suas fórmulas em “teoria da atração”, mas francamente: eles tem mais o que fazer e eu prefiro que eles ocupem seu tempo com esse mais. A gente que é leigo poderia se policiar mais.
Ainda não está definido que a realidade é imprevisível e aleatória, e se você ir um pouco além em quem está estudando de verdade, nem é isso que eles dizem. É mais que dada a incapacidade de olhar dentro de algumas caixas pretas da natureza (não por ser segredo, mas por ter muita coisa acontecendo ao mesmo tempo para conseguirmos observar sem interferir), precisamos de alguns atalhos matemáticos para não ficarmos parados. E esses atalhos resolvem um monte de problemas.
Se é para ficar alguma coisa com você deste texto, é a ideia de que normalmente quando você vê alguma teoria científica com implicações completamente malucas sobre a realidade, você está vendo mais o que uma fórmula matemática está fazendo naquela análise. Através de um uso muito inteligente dos números, cientistas e pesquisadores em geral conseguem vencer barreiras naturais para acertar previsões impressionantes.
Assim como uma palavra nem sempre explica o sentimento que temos ao dizê-la, a natureza não é simples o suficiente para ser revelada num experimento qualquer. Tem mais coisas acontecendo, e por enquanto pelo menos, não conseguimos ver todas ao mesmo tempo. Para fazer as coisas funcionarem agora, precisamos de algumas fórmulas que podem ser interpretadas como mágica, mas são mágicas… matemáticas, não necessariamente mágicas baseadas no que realmente está acontecendo.
Você pode e argumento que até deve filosofar sobre a realidade, é divertido e treina o cérebro, mas sem esquecer que existe um lado matemático gigantesco do outro lado das nossas ideias. É importante não misturar as coisas. Muita desinformação científica avança por causa dessa mania de explicar números como ideias fantásticas sobre a realidade. Pode acabar em ideias muito próximas das religiosas: afirmações sem base real, ideias que são confortáveis para a mente porque explicam rapidamente o que exige décadas de estudo para começar a entender o que está sendo observado de verdade em laboratórios e experimentos ao redor do mundo.
E se isso te desanima, azar. Talvez ciência como ela é hoje não te interesse tanto assim. E normal que seja assim. Não é burrice ou inteligência, é só… interesse. Mas se puder, calma com as conclusões fantásticas: até segunda ordem, é matemática que pode ser mudada a qualquer momento de acordo com o avanço do conhecimento.
Somir, creio que você já viu essas 3 animações do Alan Becker, mas eu não sei se todos os Impopulares também já viram, e, em todo caso, não custa nada colocar os links aqui.
Animation vs. Math
https://www.youtube.com/watch?v=B1J6Ou4q8vE
Animation vs. Geometry
https://www.youtube.com/watch?v=VEJWE6cpqw0&t=112s
Animation vs. Physics
https://www.youtube.com/watch?v=ErMSHiQRnc8&t=2s
Não, vou ver!
Quanto mais o Homem estuda a matéria e seus fundamentos, mais percebe que Pitágoras e Galileu estavam certos. Pitágoras dizia “tudo sao números” e a Galileu é atribuída a frase “matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o universo”.
“Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o universo”. Que bonito isso…