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Atualização DESFCON – Irã e Israel

Atualização DESFCON – Irã e Israel

| Somir | | 12 comentários em Atualização DESFCON – Irã e Israel

Israel atacou o Irã e conseguiu matar dois militares de alta patente. Os dois países tem armas nucleares. Atualizamos o DESFCON para sinalizar um risco maior para o mundo?

Depois do fiasco da minha previsão que a Rússia não atacaria a Ucrânia por ser uma péssima ideia (foi, mas fizeram do mesmo jeito), eu entro neste texto escaldado: uma análise sobre a futilidade ou as péssimas chances de sucesso de um confronto militar não querem dizer que não vai acontecer. Especialmente quando falamos de governos autoritários, dispostos a matar quanta gente for necessária para se manter no poder.

Mas eu continuo com minha análise da situação pela lógica. Neste momento, uma troca de gentilezas atômicas não parece fazer sentido, mesmo considerando que o Irã é governado por gente ruim maluca e Israel por gente ruim racional, nessa confluência de insanidade e más intenções existem saídas mais “lucrativas” para ambas as partes se não escalarem a guerra muito além do que já acontece.

Muitas vezes a ameaça da guerra é mais eficiente que a guerra em si. Os dois governos funcionam se mantiverem o povo assustado o tempo todo. No Irã a ameaça de destruição pelos vizinhos é uma forma de manter os governantes no poder, e em Israel… a mesma coisa. Enquanto os povos dos dois países acharem que podem se salvar do apocalipse projetando força com seus líderes, eles continuam válidos exatamente onde estão.

E tem mais um fator: o lado mais fraco, o iraniano, é uma teocracia (ditadura baseada em religião). Isso significa que o Estado oprime com força as vozes dissidentes, e dá ares de guerra santa para tudo o que acontece. É difícil entrar lá e explicar para o povo que estão sofrendo à toa, que seus líderes não conseguem segurar de verdade um ataque dos adversários. Por isso, o cálculo de Israel e dos EUA é sempre do desastre humanitário que uma invasão ou ataque realmente pesado faria num país tão populoso.

O que fizeram em Gaza foi um balão de ensaio sobre como a comunidade internacional lidaria com algo como destruir o sistema iraniano. A reação foi grande num território e população minúsculos em comparação com um país inteiro como o Irã. E sim, eu sei que é uma análise escrota da minha parte: morreu gente em Gaza, e numa quantidade assustadora. Mas temos que pensar friamente, porque perto de uma guerra contra o Irã, o número de vítimas em Gaza seria minúsculo.

Novamente, como o Irã é uma teocracia, há outra análise fria: o país vai continuar com as duas mãos amarradas nas costas. Não é preconceito de quem não concorda com religião, é uma constatação. O Irã gira em falso desde que os aiatolás tomaram o poder, é muito complicado entrar no mundo moderno com um sistema de crenças de milhares de anos atrás. Você consegue forçar mulheres a cobrirem o cabelo, mas o resto da sociedade vai ficando parada no tempo. Os líderes locais acham que a troca vale a pena.

Mas daí a ter um país funcional ao ponto de enfrentar Israel e os EUA numa guerra… sobra vontade de morrer pela causa, mas falta economia e inovação para aplicar esse fanatismo no campo de batalha. Não se enganem, se o Irã fosse vizinho do Brasil e resolvesse tomar o nosso país, apanharíamos feio. É sim uma sociedade mais bem preparada para a luta, com gente e equipamento capaz de causar muita dor, mas os bolsos não são fundos o suficiente, a produção não dá conta de uma guerra longa e muito do poder dos seus líderes depende da crença do povo que eles tem o suporte divino contra o inimigo demoníaco.

Por incrível que pareça, para quem está no poder no Irã, é mais eficiente ficar nessa posição de disputa assimétrica com Israel. Mantém seu povo refém da ideia de que precisam deles para ficarem vivos, dão umas cutucadas no “grande demônio” para fazer uma propaganda aqui e acolá, mas nunca parecem tão perigosos ao ponto de dar justificativa para um grande ataque do tal do mundo ocidental.

Lá dentro, a liderança iraniana tem liberdade de prender e matar qualquer um que disser que eles estão errados ou passando vergonha na disputa com o adversário. Então, mesmo que aqui de fora pareça que é uma criança num ringue contra um lutador de MMA, internamente eles conseguem manter uma ilusão de equilíbrio.

E por incrível que pareça: parte dois, para os líderes israelenses também é interessante ficar nesse impasse. Tem algo verificável para usar de justificativa para se manterem no poder, adversários que falam sem parar sobre destruir Israel e todos os judeus. Cria um equilíbrio tênue entre as críticas que recebem pelas suas ações militares e a ideia de que se pararem vão ser destruídos. Se uma parte das pessoas acusa genocídio, outra diz que eles tem todo o direito de se defenderem.

E ambos os lados estão certos. Eu já até escrevi sobre isso: a situação no Oriente Médio não se resolve por um motivo. Judeus e árabes desconfiam com razão que vão ser eliminados se não ficarem com a guarda levantada. Eu não vejo solução no curto prazo que não passe por um massacre horrível. Hoje Israel tem a força para ser o lado que pode massacrar, e honestamente, perto do que poderiam fazer até que estão se controlando. Não torna a situação justa, mas não parece que existe uma saída justa. Alguém vai morrer porque decidiram que alguém precisa morrer.

Acabamos então com uma guerra morna. Fria na parte das bombas atômicas – porque ninguém quer passar pelo risco de uma troca de mísseis nucleares (mesmo com as defesas de Israel, é impossível dizer que nenhuma bomba iraniana vá acertar) – e quente em ataques menos catastróficos entre os dois países. Israel funciona matando líderes iranianos em ataques pontuais, o Irã funciona fazendo demonstrações de poder sem muito resultado prático no território israelense. Um dos poucos casos onde censura ajuda: como não podem falar para o iraniano médio que as retaliações são vazias, o povo menos educado acredita que estão peitando os israelenses de verdade.

E o status quo vai se mantendo. Eu duvido que Israel comece com as armas nucleares, porque não existe vantagem em começar. Eu duvido que o Irã comece com as armas nucleares, porque não existe vantagem em começar. Mas voltando ao começo do texto, eu disse algo parecido sobre a Rússia. O que enxergo de diferente aqui é que a Rússia estaria fazendo uma besteira com longas implicações se invadisse a Ucrânia, e para o ditador da vez, não tem tanto problema assim criar problemas que não vai enfrentar em vida.

No caso do Irã, a maluquice de começar uma guerra nuclear seria suicídio imediato. Toma umas dez ogivas de volta na cabeça em poucas horas, e até o mundo saber o que fazer com isso, já acabou o Estado iraniano. Putin pelo menos tinha uma previsão de se manter no poder com sua atitude, mas o Aiatolá simplesmente perderia tudo o que tem.

A possibilidade aqui seria um ataque total do Irã, com o claro objetivo de se matar para levar o inimigo. Mas você precisa de uma cadeia de comando de malucos disposta a realizar a ordem. E pelo que temos de informação sobre o Irã, o cidadão médio não é maluco. Ele é oprimido e mantido no escuro sobre muitas coisas, mas o povo não sofreu lavagem cerebral completa. Sai gente na rua para protestar contra abusos do governo. A consequência para essas pessoas é grave, mas elas encaram. Ainda tem muita capacidade mental no Irã, apesar do sistema de governo horrível que tolhe o potencial daquelas pessoas.

Então, a chance dos malucos no poder conseguirem mobilizar o país para um suicídio nuclear coletivo é nula. Pode até escapar um ou outro míssil, mas o sistema tende a se controlar antes de ser tarde demais. E mesmo que Israel com certeza devolva um ou vários mísseis, seria até o povo local controlar a situação e impedir que o estrago se espalhe. A vantagem da teocracia é convencer as pessoas que seu deus está no comando, mas a desvantagem é que quando as coisas começam a dar muito errado, a tendência do humano é achar que o deus deixou de apoiar o regime. É relativamente rápido acabar com a fé de quem está vendo cogumelos de fogo no horizonte.

Por mais que não seja impossível que uma bomba atômica exploda por lá, o Irã não tem condições de manter uma guerra depois disso, e o nosso DESFCON escala de acordo com a possibilidade disso chegar até a gente aqui na América do Sul. Se estivéssemos no Irã, Sally e eu já teríamos decidido pelo 2 ou mesmo pelo 1. Mas hoje nem precisamos conversar sobre o tema, mesmo no raríssimo caso do Irã fazer alguma coisa nesse sentido, teria uma resposta tão arrasadora que acabaria rapidamente antes de escalar. Defender o Irã depois do Irã começar? Nenhum país do mundo vai querer fazer isso. Acho que nem os grupos terroristas financiados por eles se enfiariam nessa confusão.

Se a coisa mudar para uma possibilidade de Israel usar uma bomba atômica primeiro, aí fica feio para o mundo todo e a Sally vai começar a escrever textos sobre como sobreviver ao inverno nuclear. Por enquanto, DESFCON 3 ainda explica o que acontece no mundo.

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