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Sexo commodity.

Sexo commodity.

| Somir | | 6 comentários em Sexo commodity.

Uma pesquisa feita por um famoso site de conteúdo adulto brasileiro trouxe uma informação curiosa: o consumo de vídeos adultos é mais comum entre pessoas da classe C e D. E o formato preferido é o de vídeos curtos. Não sei a metodologia exata que usaram, mas faz sentido com o que vemos de outras notícias e pesquisas recentes: sexo virou commodity.

Commodity é o nome dado para produtos que são comprados e vendidos sem uma marca específica. Quando a pessoa quer comprar soja, por exemplo, ela compra por toneladas, e não importa quem plantou ou colheu. Só importa que a quantia desejada seja entregue no local combinado.

E a ideia do sexo entrar no mercado das commodities é que deixa de ser algo relacionado com o “produtor”, e sim resultado da demanda pelo produto. O desejo humano por sexo é instintivo, mas já aconteceu muita coisa desde os tempos do sexo utilitário das cavernas até os fetiches cada vez mais virtuais de hoje.

E nesse caminho, eu entendo que o ato e o desejo começaram a se separar. O desejo é constante, mas o ato ficou livre para seguir por caminhos diferentes. Existe alguma vantagem evolutiva em imitar comportamentos do bando, e a ideia de pornografia parece estar diretamente relacionada: a sua mente e o seu corpo reagem ao ver outros humanos fazendo sexo. Gera um incentivo que vem com várias das recompensas mentais relacionadas a fazer sexo você mesmo.

É por isso que pornografia funciona. E durante muito tempo, a pornografia tinha limitações de produção e alcance. Dava trabalho ver foto de mulher pelada, por repressão social, é claro, mas também pela parte mecânica da coisa. Tinha o trabalho e a criatividade de produzir esse material, e depois de produzido, ainda tinha que achar um jeito de distribuir.

Isso manteve o ser humano mais controlado por milênios. Mas, num piscar de olhos diante da história da sociedade humana, as barreiras de esforço, criatividade e distribuição desabaram. Foi muito rápido: eu cresci num mundo onde o moleque realmente tinha dificuldade de saber como era uma mulher pelada. Pisquei e de repente a pornografia precisava ser evitada, de tão comum.

Essa parte é mais baseada em fatos, o que eu vou dizer agora é uma visão das coisas: em pouco tempo de disponibilidade infinita, a pornografia mexeu com a forma como o ser humano enxerga o sexo. Quando aparecem aquelas pesquisas dizendo como os jovens não ligam mais tanto para sexo, tem essa questão de desvalorização por excesso de oferta.

Mas pornografia não é substituta de sexo, certo? Bom, tudo depende do que você espera do sexo. Para o sexo commodity, pornografia resolve sim. Não importa o produtor, importa que seja entregue. Vários dos elementos relacionados ao ato do sexo podem ser separados: intimidade, conexão, prazer, estímulo mental… todas coisas que existem com ou sem a parte física.

Embora eu não esteja dizendo que foi só a internet que causou a separação entre o ato e o desejo, porque toda mudança social impacta nisso, a disponibilidade de todos os elementos separados do ato mexeu com a forma como as pessoas enxergam sexo hoje.

E aqui voltamos ao que considerei curioso na pesquisa do primeiro parágrafo: o sexo commodity ficou tão acessível que até as pessoas mais pobres já conseguem abstrair o desejo. O vídeo e o contato virtual custam muito menos em tempo e dinheiro, então chegou no celular de todo mundo.

Se os mais ricos e estudados já brincavam com essa abstração, o smartphone democratizou. Qualquer pessoa pega um celular e começa a ser pornógrafa em minutos. Qualquer pessoa consegue acessar esse material em segundos. Ficou tão mais eficiente que buscar contato físico real que até mesmo prostitutas começam a se concentrar mais em conteúdo online.

A demanda reprimida da parcela mais pobre da população encontrou oferta. Sally que tinha me passado essa notícia como possível tema, na dúvida sobre se pornografia tinha se tornado coisa de pobre. E quanto mais eu penso nisso, mais claro fica: pornografia está virando coisa de pobre não porque o rico está acima disso, mas porque como praticamente todo mundo foi para uma camada de abstração superior com sexo, a parte mais barata é a pornografia como conhecemos.

Sexo por sexo e pornografia se encontram nessa parte de produto sem marca. Sim, existem pessoas que pagam horrores para seus criadores de conteúdo adulto, mas não é um meio focado em fidelidade: a rotação é alta porque como já tinha dito em outros textos, existe um limite de quanta diferença você consegue ver em duzentas mulheres tatuadas com a bunda gigante peladas na tela do celular.

Commodities tem isso de concorrência por volume. Ninguém é insubstituível no mercado. Então, não é que eu ache que só pobre liga para essa pornografia de vídeos curtos, é que é justamente essa parte que virou commodity. O pobre está consumindo o que é mais barato, que se exploda se faz bem ou mal para a mente no longo prazo.

Já a parcela mais abastada e/ou educada da população… bom, aí temos que voltar na ideia de separação de ato e desejo. O desejo pode ficar tão abstrato ao ponto de ter gente formando relações com inteligências artificiais. Ele pode ir se adaptando a outras atividades, especialmente se o ato do sexo começar a ficar complicado. O ser humano mais bem conectado com o mundo está debaixo de uma tsunami de informação, sua atenção disputada a tapa por qualquer tela e com menos tempo de treinar e aperfeiçoar relações com outros humanos.

Novamente, pode ser questão de conveniência. O pacote de unir ato e desejo no sexo fica mais caro em comparação com outras atividades. E aí, como o sexo commodity vai se espalhando pela sociedade sem parar, me parece natural que pareça uma troca de baixo valor para quem tem mais opções ou para quem já tenha tido uma criação muito online.

Sexo custava mais caro, o real e os substitutos. E quem não tem muita noção da parte emocional dificilmente entende por que se pagava tanto por ele. Não ter essa noção é algo que une pessoas mais brutalizadas por ambientes de baixo desenvolvimento e curiosamente, pessoas que tem opções demais.

Isso se reflete na pessoa mais simples se viciando em pornografia porque é o mais “barato” disponível, e na pessoa mais jovem e educada vendo o pacote todo como muito barulho por nada. Em ambos os casos, é o sexo commodity mudando o valor da coisa para as pessoas.

E explica também como ao mesmo tempo você pode achar que esse mundo está muito baixaria ao mesmo tempo que acha que o jovem não quer mais transar. As coisas se complementam. Muita oferta derruba o preço. Quem não conseguia comprar vai se empanturrar, e quem via valor na escassez agora enxerga como algo nunca mais vai faltar.

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